03/05/2010

Renasce Kurusu Ambá

As crianças correm e brincam livres e alegres. As pequenas clareiras em meio à mata se tornaram parques de diversão e refúgio de plantações de milho, mandioca, abobora, feijão. O córrego corre limpo por entre as árvores. Em vários lugares a água brota como uma benção da terra. As “minas” saciam a sede de umas duas centenas de Kaiowá Guarani de Kurusu Ambá. A vida borbulha e se arrasta nas dezenas de “trilheiros” que vão ao rio, à roça, à mina.  Partem dos ranchos de sapé, ainda cheirando a novo e secando ao sol ou na sombra das árvores que os abrigam. É bonito ver a aldeia escondida na mata. É esperançoso e gratificante ver a teimosia e sabedoria guerreira fazer renascer a vida e o “teko” (jeito de viver ) Guarani em Kurusu Ambá.

 

Já do outro lado, um mundo de terra pelada se estende ao horizonte a perder de vista. É a lavoura e seus donos “sojeiros” proclamando-se vencedores, pois conseguiram destruir a mata, sugam e destroem o solo, engordando contas bancarias e animais pelo mundo afora. É o modelo de produção, proclamado como progresso, baseado na monocultura extensiva, mecanizada. É o pé pesado no acelerador de potentes máquinas apoiadas pelo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento).

 

Muita reza e luta

 

Para o dia 26 de abril estava previsto o despejo da comunidade de Kurusu Ambá. Nas três vezes anteriores foram expulsos pelos pistoleiros. Deste vez, seriam removidos legalmente pela polícia federal, que já estivera no local fazendo o levantamento técnico necessário para execução do mandado. Mas havia um agravo no Tribunal Regional Federal, 3ª. Região, em São Paulo. Na Aty Guasu de Arroyo Korá, os Kaiowá Guarani decidiram marcar para essa data uma Jeroky Guasu, encontro de celebração e reza, como forma concreta de solidariedade com a comunidade.  Uma chuva torrencial se abate sobre a região. Falam até em tornado em Dourados, donde saiu um ônibus de indígenas, especialmente rezadores (Nhanderu e Nhandesi), para a celebração da solidariedade, resistência e memória de todos os lutadores que tombaram, especialmente os de Kurusu Ambá – Xurite, Ortiz, Arnaldo….

 

Ao meio dia a informação de que a reintegração teria sido mantida pela justiça.  Apesar de tudo, continuava também mantida o Jeroky Guasu, na fronteira do Brasil com o Paraguai, no sul do Mato Grosso do Sul. Depois de algumas horas o alívio. O juiz-desembargador Silvio havia considerado justo o pleito do Ministério Público Federal, concedendo 90 dias para que a FUNAI desse os encaminhamentos legais necessários para a definição da terra indígena. Suspiro. Tempo precioso para exigir do governo federal que cumpra a Constituição e regularize a terra indígena.

 

Omissões e cobranças

 

Funai e Funasa alegaram a impossibilidade de estarem no local por se tratar de área de litígio, não podendo expor funcionários a riscos, uma vez que pistoleiros armados estariam no local. Desta forma a sexta básica foi deixada a mais de 10 km da comunidade e a Funasa prometeu assistência necessária também nessa distância, no posto de saúde da terra indígena Takuapery.

 

 

Foram dias de muita celebração, da vida, da vitória, da memória. Afinal de contas mais de uma centena de lideranças religiosas e políticas, adultos e crianças chegaram a Kurusu Ambá. A Jeroky Guasu foi também um momento de se animarem na luta pelos direitos do povo Guarani e de denuncia forte das violências a que estão submetidos e omissões dos órgãos que deveriam estar resolvendo os problemas, especialmente da demarcação das terras.

 

 

Dois dias antes do Jeroky Guasu, o recém criado Conselho da Aty Guasu, cujo objetivo principal é articular a luta pela terra e direitos Kaiowá Guarani, estivera reunido em Amambai. Nesta ocasião reafirmou a firme decisão de lutar de todas as formas para a urgente solução do grave problema da demarcação das terras e suas conseqüências, principalmente a violência nos confinamentos e dos acampamentos à beira das estradas. Neste encontro também foi relatado a entrega do documento ao presidente Lula, em Roraima e rejeitada a proposta que o presidente teria feito à liderança Kaiowá Guarani de comprar cinco mil hectares para assentar os acampados indígenas da região.

 

Egon Heck – Coordenador Cimi Regional MS

Fonte: Cimi Regional MS
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