23/03/2010

Audiência pública debate situação dos Guarani-Kaiowá de Mato Grosso do Sul

Discutir os conflitos e violências sofridas pelos indígenas Guarani-Kaiowá de Mato Grosso do Sul. Esse foi o objetivo da audiência pública proposta pela senadora Marina Silva que aconteceu na manhã de hoje (23) na Comissão de Direitos Humanos do Senado Federal.

 

A mesa de debates foi presidida pelos senadores Marina Silva e Cristovão Buarque, que destacaram a importância do evento para denunciar a situação de descaso em que vivem os indígenas do MS. Também participaram das discussões representantes do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), da Agência de Desenvolvimento Agrário e Extensão Rural, do governo de Mato Grosso do Sul, do Ministério Público Federal (MPF), da Justiça do estado e do povo Guarani-Kaiowá.

 

O que se constata no estado é a verdadeira omissão dos governos Federal e Estadual quanto à situação dos Guarani-Kaiowá. Todo e qualquer tipo de atendimento a esse povo não funciona como deveria. Diversas famílias vivendo acampadas sob lonas e em áreas alagadas à beira de estradas. Muitas crianças ainda morrem de desnutrição. Outras tantas não estudam, pois não têm acesso às escolas e ao transporte escolar quando moram longe dos colégios.

 

Tais violações de direitos foram, mais uma vez constatadas pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi) que visitou comunidades indígenas da região semana passada. Em nota pública, o Conselho afirma que “só haverá justiça, democracia e fraternidade quando os direitos de todos forem assegurados, quando a pluralidade de povos for respeitada como uma riqueza e a terra voltar a ser um espaço de vida e não apenas mercadoria ou objeto de produção para o enriquecimento de alguns”.

 

Reafirmação de violências

 

O procurador do MPF em Dourados, Dr. Marco Antônio Delfino de Almeida, trouxe ao plenário a situação extremamente grave e desumana a que estão submetidos os Guarani-Kaiowá, como o não atendimento pela segurança pública do estado às solicitações dos indígenas. “Os Guarani não têm acesso ao atendimento que qualquer cidadão tem. Uma situação de preconceito, inaceitável, pois outros órgãos que são de competência do Governo Federal, como Caixa Econômica e Banco do Brasil, por exemplo, são prontamente atendidos quando ligam no 190 e solicitam atendimento”, disse.

 

Ele ainda destaca a discriminação e perseguição aos indígenas, bem como os casos explícitos de racismo, os altos índices de violência, homicídio e suicídio, sem mencionar os programas assistencialistas do governo que não dá voz aos povos indígenas na hora de construir os grandes empreendimentos ou programas sociais. “O Haiti é aqui! Os Guarani não recebem o mesmo tratamento dispensado pelo Governo Federal que os haitianos. É preciso que a questão indígena no país seja priorizada”, afirmou.

 

“Não há nada mais degradante e humilhante para o indígena do que receber cesta básica. Ele precisa de terra para produzir e prover a subsistência de sua família. O tratamento dispensado a eles também é uma forma de violência”, falou. Ainda de acordo com o procurador, é preciso resolver a questão da terra, que está sendo tomada pelas grandes lavouras de soja e cana ou pelas usinas, o que é um empecilho à ocupação das terras tradicionais por quem lhes são donos de direito.

 

De acordo com o antropólogo Rubens Tomás de Almeida, o Brasil não pode esquecer dos 45 mil indígenas Guarani-Kaiowá e Ñhandeva que vivem ao extremo sul do MS. “Também não podemos esquecer seus problemas com alimentação, desnutrição, violências e demais violações de direitos. Cestas básicas não vão resolvê-los”, afirmou. Ele ainda acrescentou que as prioridades para os Guarani-Kaiowá de Mato Grosso do Sul são a terra e o plantio de roças que garantam o sustento de suas famílias e não assistencialismo do governo.

 

Para Almeida o movimento pela terra só acabará quando estudos antropológicos forem realizados, reconhecendo as terras tradicionais e as devolvendo às comunidades índigenas. Ele destaca ainda que a única forma de se resolver a questão é que haja diálogo e negociação entre os indígenas, os produtores e o Estado. Discussões que precisam ser feitas com todos os indígenas nas grandes Aty Guassú (assembléias indígenas) e não somente com as lideranças. Além disso, precisamos de políticas públicas que garantam atendimento eficaz, contínuo e bem planejado a esses povos”, disse.

 

Representações indígenas

 

Representantes indígenas participaram da audiência pública e puderam expor com veemência a realidade em que vivem seus povos. Anastácio Peralta Kaiowá, ressaltou a importância da terra para os Guarani-Kaiowá para que tenham autonomia e auto-sustentação. “Em mais de 500 anos o pensamento continua igual: de explorar o índio e a terra, como fonte de lucro. Somos tratados como animais a base de ração (cesta básica)”, declarou.

 

A representante da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Rosana Kaingang, falou enfaticamente sobre a atuação do Estado e da Polícia Federal, citando os inúmeros casos de criminalização de lideranças do movimento indígena no país. “Se o Brasil fosse de fato um país democrático e popular não estaria prendendo nossos líderes, violando nossos direitos e colocando a Força Nacional e a PF em cima de nós, para invadir nossas casas de madrugada e prenderem pais de família”, afirmou.

 

Ela cobra ainda providências do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e lhe pergunta o porquê de estar atacando a luta dos povos. “Estamos cansados de enviar documentos à Brasília, de fazer denúncias que nunca têm solução. Não temos porque sermos amendrotados pelos órgãos de segurança nacional, que impedem nossa entrada inclusive na sede da Funai, aqui em Brasília”, disse.

 

Relatório enviado à ONU

 

Documento produzido pela Survival International e enviado à Organização das Nações Unidas (ONU) na semana passada denuncia tais violações concluindo que a situação dos indígenas do Mato Grosso do Sul é a pior vivida por todos os povos indígenas nas Américas.

 

De acordo com o relatório, o não reconhecimento das terras tradicionais dos Guarani indígenas é a principal causa dos problemas enfrentados por este povo, além de explicitar claramente que o aumento das lavouras de cana-de-açúcar para a produção do etanol fará com que os indígenas percam mais terra, o que agravará os conflitos.

Fonte: Cimi
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