Por uma verdadeira liderança do Brasil no enfrentamento das mudanças climáticas
UM POUCO DE CONJUNTURA INTERNACIONAL
A Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas, em Copenhague, mobilizou o mundo inteiro. O Aquecimento Global que vem ameaçando ilhas e cidades litorâneas, além de ter mudado todo o clima, com tufões onde antes não existiam, grandes períodos de seca ou de chuva, deixou a humanidade em alerta para ver o que a cúpula do clima faria.
O que se viu, no entanto, foi o fracasso total de um acordo para o bem do planeta e dos seres humanos. A Conferência de Copenhague foi a maior conferência da história da ONU, com 193 chefes de estado e mais de 46 mil participantes. O que se discutiu lá dentro não tinha relação alguma com a redução de emissão de gases de efeito estufa ou com o socorro às comunidades que já estão sofrendo com os efeitos das mudanças climáticas. O que se viu foi uma grande feira do capitalismo verde, assim como essas que acontecem de carros ou de computadores. As gigantes transnacionais estavam presentes
E as falsas soluções apresentadas para a questão climática não disfarçam o interesse do capital: agrocombustíveis, que estão destruindo os camponeses na América Latina e na África; monocultivo de eucalipto e pinus, que avançam em todo o hemisfério sul; pagamento financeiro para latifundiários que reduzirem o desmatamento e várias outras “alternativas”, que nada resolvem o problema.
Por outro lado, as organizações sociais que construíram o fórum paralelo em Copenhague deram um grande salto de qualidade. Para além da leitura que a questão climática será solucionada com ações individuais, o KlimaFórum definiu um lema enfático: Mudar o Sistema, e não, Mudar o Clima. As falsas soluções foram denunciadas, principalmente os impactos que causam nos países africanos, latino-americanos e asiáticos.
As soluções corretas, baseadas na soberania dos povos, foram apontadas por este fórum: agricultura camponesa no lugar de agricultura industrial; transporte de massas no lugar de carros supostamente ecológicos; reforma agrária e urbana para enfrentar o caos das megalópoles; integração produtiva entre ser humano e natureza, no lugar do mito da natureza intocada ou com recursos infinitos.
Essa construção popular e democrática se uniu ao chamamento do governo boliviano, que lançou em Copenhague a tese de que devemos abandonar os caminhos traçados até agora pelas negociações oficiais e passarmos a debater os direitos da Mãe Terra e dos Povos. Com o fracasso da conferência da ONU, a proposta boliviana ganhou legitimidade maior. A união destas duas frentes promete ser o ponto diferencial – e um dos pólos de embate – da próxima conferência a ser realizada no México no final de 2010.
PROBLEMAS DE COERÊNCIA ENTRE O DIZER E O FAZER
Por que tantos elogios e títulos internacionais?
É sempre bom orientar-se pela sabedoria popular, mesmo se com variantes. O ditado “dize-me quem te elogia e eu te direi de quem tu és” serve como uma luva para tentar entender a atuação do Presidente Lula e seu governo em relação às Mudanças Climáticas. Até a chegada do Presidente em Copenhague, a participação brasileira na Conferência da ONU sobre essas Mudanças que tanto agoniam a humanidade foi, no mínimo, apagada e contraditória. Uma vez mais, por exemplo, a coordenadora da delegação, Dilma Russef, reafirmou sua visão de que o meio ambiente atrapalha o desenvolvimento. De qual desenvolvimento, ministra?
O fato é que a numerosa delegação oficial brasileira fez parte do que Lula definiu, em seu último discurso, como “falta de inteligência” para construir um acordo. E aí, na última hora, o próprio Lula entrou na contramão da democracia e da construção de consenso, necessário para qualquer Acordo da ONU. Ao mesmo tempo, fez um discurso duro, crítico e desafiador, muito aplaudido, mas assumiu a corresponsabilidade de tentar impor a todos os países um texto de “acordo” elaborado por um pequeno grupo de países. Completou-se, com isso, o fiasco da Conferência de Chefes de Estado: a partir de uma crítica do procedimento e da proposta de que o documento não fosse aceito, por não expressar o debate e as exigências particularmente dos países mais empobrecidos e mais prejudicados pelas Mudanças Climáticas causadas pelos mais ricos, a maioria retirou-se da Plenária e apenas 29 países assinaram o “acordo”.
É estranho que, a partir daí, Lula não pare de receber títulos, de órgãos da grande mídia e do próprio Fórum Econômico Mundial, que se reúne em Davos, na Suíça. Qual o motivo para tanto agrado e reconhecimento? No geral, afirma-se que ele patrocinou, no Brasil, um “caminho exemplar” para “sair da crise econômica mundial”; mas também sua atuação em Copenhague foi muito valorizada. Afinal, a quem serviu a atuação de Lula? Os sinais indicam ter servido aos que estavam, e continuam interessados em que os países não sejam obrigados a metas e prazos para o enfrentamento das causas do Aquecimento Global; em que se abandone o Tratado de Kyoto e se fique com um “acordo” assentado em boas intenções e na defesa incondicional da liberdade de iniciativa de cada país, de cada governante. Pela homenagem de Davos, pode-se concluir: estão satisfeitos exatamente os setores empresariais que não aceitam nada além do uso da “sustentabilidade” para promover ainda mais seus negócios e seus lucros através da expansão permanente do consumo, e provocando, com isso, desequilíbrios cada vez maiores das energias da Terra.
Incoerência ou coerência nas políticas internas
Avalizando mais um ditado popular – “isso é para inglês ver” -, a prática do governo Lula dentro do Brasil confirmou as dúvidas em relação à atuação externa: pouco depois de aterrissar em Brasília, Lula emplacou três vetos à Lei que institui a Política Nacional sobre Mudanças Climáticas aprovada pelo Congresso Nacional. Foram vetadas as propostas presentes no Art. 10, que indicavam passos para “a substituição gradativa dos combustíveis fósseis”. Em outras palavras, o governo não aceita ir superando a dependência da hidroeletricidade, e muito menos que haja normas legais que relativizem o uso do etanol e do petróleo como fontes que “garantam a segurança energética necessária para o desenvolvimento do país”.
É incrível que o Governo Federal continue mais cego do que o Congresso em relação à imensa oferta gratuita de sol e de vento como fontes de energia elétrica. Países da Europa e da Ásia, com muito menos sol aberto do que o Brasil, avançam em novas tecnologias para contar cada vez mais com energia solar e eólica em sua matriz energética. A teimosia brasileira só pode ser entendida como dependência governamental das grandes empresas empreiteiras, interessadas nas grandes obras das usinas hidrelétricas, da transposição das águas do rio São Francisco e na transformação da água e da energia em mercadorias.
Além disso, os vetos retiram da Lei a promoção, por organismos públicos de pesquisa e desenvolvimento científico-tecnológico, de estudos e pesquisas científicas e de inovação tecnológica de fontes renováveis de energia em substituição aos combustíveis fósseis, bem como a promoção da educação ambiental, formal ou não formal, a respeito das vantagens e desvantagens e da crescente necessidade de utilização de fontes renováveis de energia em substituição aos combustíveis fósseis… Em outras palavras, nada que relativize os combustíveis fósseis pode fazer parte da Política Nacional sobre Mudanças Climáticas.
Devemos juntar a este cenário as disputas em relação à legislação ambiental existente, de modo especial ao Código Florestal Brasileiro. Apesar da luta insistente dos movimentos camponeses e de entidades da sociedade civil para que o Código Florestal não seja destruído, o Governo Federal faz questão de ouvir apenas o agronegócio e sua bancada no legislativo.
Após meses de diálogo com os movimentos do campo – e da total ausência de debate com os ruralistas, já que estes se furtam do debate – o governo federal simplesmente descartou o acumulo feito junto com as organizações populares e lançou um dúbio programa, chamado Mais Ambiente, onde abre concessões perigosas para o agronegócio e seus desmatadores. Além disto, tem pressionado o Congresso para que aprove logo modificações no Código Florestal, a fim de atender aos interesses dos latifundiários: anistia de multas e de áreas desmatadas, mercantilização das áreas que devem ser preservadas, diminuição das áreas de reserva legal na fronteira agrícola.
A proposta dos movimentos sociais levada ao governo é a única que interessa à sociedade brasileira e ao meio ambiente: incentivos para a recuperação das áreas, com tecnologias viáveis e com geração de renda, baseando o desenvolvimento no campo na agroecologia e na cooperação, na soberania energética, alimentar e hídrica das comunidades. Essa proposta foi sumariamente descartada pelo Governo Federal, em mais uma demonstração de coerência com sua aliança com o agronegócio e com o desenvolvimentismo retrógrado.
COMPROMISSOS
Frente a isso, o Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Social assume os seguintes compromissos:
1) junto com outras redes, movimentos e pastorais sociais, pressionar o governo brasileiro a retirar sua assinatura do “acordo” elaborado às pressas em Copenhague e, coerentemente, não participar das pressões e ameaças que estão sendo feitas para que os países o aceitem como documento da ONU;
2) com rejeição dos vetos pelo Congresso Nacional ou sem ela, mobilizar a sociedade em favor de mudanças profundas da matriz energética brasileira, exigindo que o sol e os ventos sejam priorizados como fontes, reduzindo progressivamente a dependência das fontes fósseis, do etanol e da hidroeletricidade, todas elas fontes que interferem no meio ambiente;
3) reforçar as iniciativas que visam levar informação, gerar consciência crítica e mobilizar a sociedade a mudar a política de distribuição e uso da energia elétrica, que até agora privilegia as indústrias eletrointensivas, como a Vale, a CSN e a Votorantim, priorizando a promoção de um modelo de desenvolvimento centrado no direito de bem viver de toda a população e nos direitos da Mãe Terra.
4) apoiar as mobilizações dos povos indígenas e das demais pessoas de todo o país contra o absurdo e desnecessário projeto de construção da Hidrelétrica do Xingu, insistindo que há outras fontes para a geração da energia elétrica e que é urgente definir outro modelo de desenvolvimento, centrado na vida das pessoas e da própria Terra, como é proposto pela Campanha da Fraternidade Ecumênica deste ano;
5) denunciar as falsas soluções para as Mudanças Climáticas, desmascarando sua pretensa “sustentabilidade” e destacando seus impactos nas comunidades de todo o Brasil;
6) mobilizar as forças sociais em favor da Conferência dos Povos da Terra, convocada pelo Presidente da Bolívia, Evo Morales, a ser realizada em Cochabamba por ocasião do Dia da Terra, 22 de abril.
Brasília, 18 de fevereiro de 2010.
(construção coletiva coordenada por Ivo Poletto e Luiz Zarref)