02/02/2010

Belo Monte: várias foram as falhas nas audiências públicas

Número de audiências insuficientes, mudanças de local na última hora, uso da Força Nacional para impedir o livre acesso, marcaram as reuniões para discutir o projeto.

 

Protestos por um Xingu Vivo

 

Muitas são as justificativas para construção de grandes obras na região Amazônica, até mesmo a geração de energia “limpa”. Com as hidrelétricas que estão sendo construídas no Rio Madeira, em Rondônia, foi assim e com a proposta da Usina Hidrelétrica de Belo Monte não é diferente. Prevista no Programa de Aceleração de Crescimento (PAC) do governo, a UHE de Belo Monte pode trazer mudanças profundas e irreversíveis para a região do rio Xingu, no Pará.

 

Diversos pesquisadores afirmam que os impactos sociais e ambientais da UHE Belo Monte ainda não foram totalmente dimensionados. Apesar disso, é grande a pressão a favor da construção da obra, principalmente de grandes empresários e políticos da região. Diversas comunidades que devem ser afetadas, no entanto, questionam o projeto, pois temem perder para sempre suas fontes de subsistência física e referência sociocultural. Em meio a este embate, o Ministério Público Federal (MPF) vem, há anos, ajuizando ações para suspender a construção da Usina.

 

Audiências limitadas

 

As discussões sobre a grande obra se intensificaram no mês de setembro, quando foram realizadas as quatro audiências públicas sobre o projeto. Os eventos ocorreram entre os dias 9 e 15 de setembro, respectivamente nas cidades de Brasil Novo, Vitória do Xingu, Altamira e Belém, o que significa um percurso de mais de 700 quilômetros.

 

As audiências foram marcadas por protestos do MPF, movimentos sociais, indígenas, ribeirinhos, pescadores, ambientalistas, estudiosos… Antes das reuniões, o MPF questionou o número de audiências a serem realizadas, pois considerava insuficientes apenas quatro encontros, dado o tamanho do projeto e o número de comunidades afetadas. Depois de receber apelos de lideranças comunitárias das agrovilas e travessões da rodovia Transamazônica e de comunidades ribeirinhas do Xingu, o MPF enviou ao Ibama recomendação para que se agendassem mais audiências públicas para debater o projeto – o que não aconteceu.

 

Belo Monte e o Circo no Xingu

 

Procuradores da República anunciaram no dia 23 de setembro, que a Justiça Federal de Altamira receberia ainda naquela semana uma ação civil pública pedindo a realização de nova rodada de audiências públicas para debater o projeto da Usina Hidrelétrica de Belo Monte. O MPF considera que as audiências realizadas não permitiram a participação efetiva da sociedade e, principalmente, dos afetados pelo empreendimento.

 

“Detectamos várias falhas nas audiências, devidas à pressa com que o processo é realizado. Especialmente os fatos que ocorreram na audiência em Belém expressam sem dúvidas a falta de vontade do Ibama de permitir o debate”, declarou o Procurador da República no Pará, Ubiratan Cazetta.

 

No último dia 15, pouco antes da audiência começar em Belém, o Ibama transferiu a audiência para um teatro com apenas 480 lugares. Como resultado, dezenas de pessoas foram impedidas de entrar ou tiveram a entrada dificultada por homens da Força Nacional, incluindo representantes dos índios Tembé e movimentos sociais contrários à hidrelétrica. Representantes do MPF se recusaram a continuar na audiência nessas condições.

 

Nos dias que se seguiram ao episódio, o Ministério Público Federal recebeu um abaixo assinado com mais de 150 assinaturas de pessoas que não conseguiram entrar na audiência. Representantes dos índios Tembé também oficializaram suas queixas. “Fomos barrados na entrada do Centur e constrangidos nos nossos costumes e tradições. Trataram nossos adereços tradicionais como armas perigosas”, diz o documento dos indígenas. A iniciativa do MPF recebeu apoio do Movimento de Mulheres de Altamira, do Fórum da Amazônia Oriental e do Conselho Indigenista Missionário.

 

Nas demais audiências houve maior presença da população, mas também foram detectados obstáculos à participação. Os representantes do Ministério Público, responsáveis pela fiscalização de licenciamentos ambientais, foram impedidos de participar da mesa diretora das audiências.

 

O rito da audiência pública prevê que a população faça perguntas sobre os impactos, para obter respostas e compromissos quanto aos impactos. No entanto, nas diversas audiências, muitas perguntas ficaram sem respostas. E, o volume de perguntas de representantes dos movimentos sociais, políticos, empresários, Ministério Público mostraram que a população tem dúvidas diretas e relevantes sobre o empreendimento.

 

Movimento Xingu Vivo para Sempre

 

 

Indígenas e professores são impedidos de entrar em audiência sobre Belo Monte, em Belém

 

No dia 15 de setembro, cerca de 300 manifestantes entre indígenas, ambientalistas, sindicalistas e membros dos movimentos sociais se concentraram em frente ao Centro Cultural Tancredo Neves (Centur) em Belém para manifestar solidariedade aos povos do Xingu e protestar contra a realização da 4ª audiência pública de Belo Monte.

 

Era unânime entre os manifestantes a opinião de que a audiência estaria acontecendo apenas para legitimar a decisão do governo em construir a UHE de Belo Monte. Todas as formas de participação estavam limitadas. Uma audiência “acanhada” como bem disse o procurador do Ministério Público estadual Dr. Raimundo Moraes.

 

Todas as falas foram de repúdio ao projeto e à forma antidemocrática que o governo está impondo para a construção de um projeto que irá beneficiar as empresas barrageiras e autoprodutoras entre as quais a Vale do Rio Doce.

 

Com a mudança de local da audiência, todos os manifestantes se locomoveram para o auditório, onde foram informados que não poderiam adentrar por portarem faixas, bordunas. Foram momentos de tensão e pressão para forçar a entrada dos manifestantes. Os índios Tembé continuaram cantando e os demais manifestantes gritando palavras de ordem e protestos. Depois de uma hora de tentativas, os manifestantes entraram gradualmente.

 

Na audiência, o procurador Rodrigo Costa, do MPF em Altamira, afirmou sua frustração quanto ao andamento das audiências. Colocou com firmeza que as audiências estão sendo conduzidas de forma antidemocráticas, que não colocavam o debate, mas somente exposições. Também afirmou que a metodologia não chamava ao debate e nem aos esclarecimentos necessários.

 

Em seguida, o promotor Raimundo Moraes, do Ministério Público Estadual no Pará, reforçou as críticas ao formato das audiências e se retirou do evento, acompanhado pelos procuradores e por diversos participantes, que continuaram o ato público fora da plenária.

 

Claudemir Monteiro

Cimi Regional Norte II

 


Fonte: Jornal Poranim - Outubro de 2009
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