Crianças e adolescentes Apurinã do Rio Seruini discutem o direito à educação de qualidade, em Pauini (AM)
Formação reúne aldeias do corredor Seruini e destaca a importância de ouvir a voz das novas gerações indígenas

Primeiro módulo da formação voltada às crianças e adolescentes. Foto: Cimi Regional Norte 1
Entre os dias 18 e 21 de outubro, a Aldeia Penedo, no rio Seruini, Terra Indígena Itanury Pupỹkary, do povo Apurinã do município de Pauini, estado do Amazonas, recebeu o primeiro módulo de uma formação voltada às crianças e adolescentes. A atividade abordou o direito à educação diferenciada, bilíngue e de qualidade, e despertou reflexões sobre os desafios enfrentados pelas escolas indígenas e a juventude do território.
Educação diferenciada como direito
Neste módulo, o tema central foi o direito à educação de qualidade, diferenciada, específica e bilíngue, conforme prevê a legislação brasileira. Durante quatro dias, os participantes vivenciaram momentos de aprendizado, dinâmicas e reflexões sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) e outros instrumentos que garantem o direito à educação escolar indígena.
“O encontro abordou o direito à educação diferenciada, bilíngue e de qualidade, e despertou reflexões sobre os desafios enfrentados pelas escolas indígenas e a juventude do território”

O tema central foi o direito à educação de qualidade, diferenciada, específica e bilíngue, conforme prevê a legislação brasileira. Daniel dos Santos Lima | Cimi Regional Norte 1
Corredor Seruini: resistência e abandono
O chamado Corredor Seruini, onde estão as aldeias Maloca, Penedo, Nova Vida, Kamarapa, Bom Jesus, Marienê, Virada Nova, Kasiriã, Sãkoã e Santa Vitória é uma das regiões mais esquecidas pelo Estado brasileiro. A ausência de políticas públicas é visível: faltam escolas adequadas, atendimento em saúde e a demarcação definitiva da terra segue em ritmo lento.
As escolas funcionam em estruturas improvisadas, construídas pelas próprias comunidades. Com o passar do tempo e sem manutenção, esses espaços se tornaram cada vez mais precários. “Não há carteiras suficientes, os estudantes precisam se revezar; o material escolar e a merenda também são insuficientes”, relataram os estudantes e lideranças.
Esperança renovada, apesar da evasão escolar
A professora Fabiana Gomes de Oliveira, da Aldeia Nova Vida, relatou que a formação trouxe novo ânimo aos estudantes e ajudou a combater o desânimo causado pela precariedade das escolas:
“Essa formação que o Cimi veio fazer com a pauta de direito da criança e do adolescente foi importante para os alunos, porque já tinha alguns que não queriam mais estudar. É por causa da escola e da precariedade que é. Não ter cadeira, às vezes não ter material, não ter alimentação, não ter uma escola adequada. Então, essa formação fez com que as crianças voltassem com outra visão. Apesar das dificuldades, elas voltaram com força e garra para continuar. A educação no nosso município não está nota 10, mas com essa formação meus alunos ficaram otimistas. As crianças têm sonhos e objetivos; não é porque surge um problema que a gente vai deixar de fazer o que tem vontade.”
“A educação no nosso município não está nota 10, mas com essa formação meus alunos ficaram otimistas”

O tema central foi o direito à educação de qualidade, diferenciada, específica e bilíngue, conforme prevê a legislação brasileira. Daniel dos Santos Lima | Cimi Regional Norte 1
As vozes das crianças e adolescentes
Durante a programação, as crianças e adolescentes fizeram uma análise da situação da educação em suas aldeias e elaboraram um documento com reivindicações que será encaminhado às autoridades competentes.
Entre os pontos levantados, denunciaram a falta de segurança nas escolas e no transporte escolar. O deslocamento é feito em pequenas canoas, muitas vezes com risco de alagar e sem proteção contra sol e chuva, o que já causou perda de materiais escolares, que são poucos e difíceis de reposição. Vale lembrar que a segurança escolar é um dever do Estado brasileiro, que deve garantir condições adequadas para o aprendizado e o bem-estar das crianças.
Para Augusta da Silva Soares Apurinã, liderança da Aldeia Nova Vida, o encontro foi um momento importante de escuta e fortalecimento:
“É necessário dar continuidade a essas atividades, pois elas preparam as crianças e adolescentes para fortalecer as lutas pelos direitos. É bom ouvir o ponto de vista deles, porque sempre são os adultos que falam por eles. A voz das crianças também é muito importante.”
“É bom ouvir o ponto de vista deles, porque sempre são os adultos que falam por eles. A voz das crianças também é muito importante”

O tema central foi o direito à educação de qualidade, diferenciada, específica e bilíngue, conforme prevê a legislação brasileira. Daniel dos Santos Lima | Cimi Regional Norte 1
Juventude em risco e o clamor por um polo educacional
Outro ponto que ganhou destaque durante a formação foi a preocupação com a juventude do rio Seruini, que enfrenta graves ameaças em razão da falta de oportunidades. A ociosidade e a chegada das drogas ao território, somadas ao alto consumo de bebidas alcoólicas e até de gasolina, vêm afetando profundamente as novas gerações.
As lideranças pedem a instalação de um polo educacional que ofereça ensino médio presencial, mediado ou tecnológico, como forma de garantir a permanência dos jovens no território. Para isso, será necessária parceria entre a Prefeitura de Pauini e o Governo do Estado do Amazonas.
A proposta busca reduzir o êxodo dos jovens para as cidades e mitigar os riscos de envolvimento com drogas, subempregos e outros problemas sociais nas periferias urbanas.
O jovem Azaria Henrique de Souza Apurinã, 25 anos, morador da Aldeia Penedo e concluinte do curso de Matemática, reforça esse pedido:
“A gente necessita de um polo que venha a abranger o ensino médio, porque muitos alunos terminam o ensino fundamental e não têm como continuar. Precisam ir para a cidade e, muitas vezes, deixar a família, a casa, o plantio. Muitos não têm recurso para se manter lá. Por isso pedimos a implantação de um polo de ensino médio para os alunos do Corredor Seruini — isso é de grande importância, porque há muitos jovens que concluíram o [ensino] fundamental, mas não têm como seguir”, avalia o jovem.
“A gente necessita de um polo que venha a abranger o ensino médio, porque muitos alunos terminam o ensino fundamental e não têm como continuar”

O tema central foi o direito à educação de qualidade, diferenciada, específica e bilíngue, conforme prevê a legislação brasileira. Daniel dos Santos Lima | Cimi Regional Norte 1
Luta antiga por melhorias
Desde 2022, quando as lideranças locais, com o apoio do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) Regional Norte 1, realizaram uma incidência junto ao Ministério Público Federal (MPF), a população indígena do Seruini aguarda respostas concretas para as demandas apresentadas, especialmente na área da educação. Até o momento, poucos avanços foram percebidos, e a realidade das escolas continua sendo um retrato da negligência do poder público.
O professor e jovem liderança Obede Apurinã, da Aldeia Penedo, reforçou a importância da união entre as aldeias:
“Nós, enquanto povo do Seruini, não podemos lutar sozinhos. Precisamos estar juntos. Se uma aldeia conquista um bem, todos nós ganhamos. Hoje, é essencial estarmos ao lado das crianças e adolescentes, que são o presente e o futuro do nosso povo”, analisa o professor.
Participação e compromisso coletivo
A formação contou com a presença de representantes das Unidades Técnicas Locais de Lábrea e Pauini da Funai, Conselho Tutelar de Pauini, da Secretaria Municipal de Assuntos Indígenas (SEMAI) e da Organização dos Povos Indígenas Apurinã e Jamamadi (OPIAJ).
“É essencial estarmos ao lado das crianças e adolescentes, que são o presente e o futuro do nosso povo”

O tema central foi o direito à educação de qualidade, diferenciada, específica e bilíngue, conforme prevê a legislação brasileira. Daniel dos Santos Lima | Cimi Regional Norte 1
Um passo para o futuro
A formação marcou o início de um caminho coletivo em defesa dos direitos das novas gerações Apurinã no território Itanury Pupỹkary. O encontro, construído com sensibilidade e diálogo, reforça que a luta por uma educação de qualidade também nasce da escuta das crianças e adolescentes — os verdadeiros guardiões do futuro do povo Apurinã.
A Equipe de Lábrea, vinculada ao Cimi Regional Norte 1, reforçou o compromisso de continuar acompanhando a situação junto às comunidades e de buscar diálogo com os órgãos responsáveis, como a Secretaria Municipal de Educação (SEMED) e a Coordenação Regional da Funai.
No dia 16 de outubro de 2025, a Equipe, juntamente com o chefe da UTL de Lábrea e Pauini e representante da Funai em Pauini, Francisco Ferreira, esteve na sede da Secretaria Municipal de Educação (SEMED) do município, Seção de Educação Indígena, e ouviu do subsecretário de Educação, José Lucas, a promessa de que até o mês de março de 2026, pelo menos duas escolas serão construídas no corredor do rio Seruini — uma na aldeia Penedo e outra na aldeia Nova Vida. Os moradores do Seruini, bem como as entidades parceiras, irão acompanhar de perto o cumprimento dessa promessa.





