Pelo direito à Consulta Prévia, Livre, Informada e de Boa-fé, povo Apurinã realiza formação de direitos indígenas
Lideranças de sete comunidades das terras Indígenas Itanury Pupỹkary, Seruin | Marienê e Catipari / Mamoriá participaram da oficina, no Sul do Amazonas

Oficina de Formação Político-Jurídica sobre direitos indígenas. Foto: Aila Santos | Cimi Regional Norte 1
A aldeia Penedo, na Terra Indígena Itanury Pupỹkary, antes chamada de Baixo Seruini ou Baixo Tumiã, no município de Pauini (AM), foi cenário da Oficina de Formação Político-Jurídica sobre direitos indígenas, realizada entre os dias 5 e 7 de abril deste ano. Durante o encontro, indígenas do povo Apurinã se debruçou em especial sobre o Direito à Consulta Prévia, Livre, Informada e de Boa-fé e a construção do Protocolo de Consulta pelos Aputinã
Construído coletivamente, o documento é uma obrigação do Estado brasileiro de perguntar, adequada e respeitosamente, aos povos indígenas sua posição sobre decisões administrativas e legislativas capazes de afetar suas vidas e seus direitos. Além de ser um direito dos povos indígenas de serem consultados e participarem das decisões do Estado brasileiro por meio do diálogo intercultural marcado pela boa-fé.
“Construído coletivamente, o documento é uma obrigação do Estado brasileiro de perguntar, adequada e respeitosamente, aos povos indígenas”
Participaram da oficina caciques e lideranças Apurinã das aldeias: Penedo (que sediou o evento), Nova Vida, Kamarapa, Santa Vitória e Sãkoã, todas localizadas na Terra Indígena Itanury Pupỹkary, que se encontra em processo de demarcação; Bom Jesus, da Terra Indígena Seruini / Marienê; e Kacury, da Terra Indígena Catipari / Mamoriá.
A oficina corresponde a uma demanda apresentada pelo povo Apurinã por compreenderem a necessidade de ter esse direito garantido. A Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e sua assessoria jurídica vêm contribuir com esse pedido, indica o missionário Queops Melo, da equipe Lábrea do Cimi Regional Norte 1.
“A oficina corresponde a uma demanda apresentada pelo povo Apurinã por compreenderem a necessidade de ter esse direito garantido”

Oficina de Formação Político-Jurídica sobre direitos indígenas. Foto: Aila Santos | Cimi Regional Norte 1
“As aldeias da área do rio Seruini passam por vulnerabilidade e pressão em toda sua história, sobretudo nos eventos mais recentes, de invasão do território e com a chegada de empresas com propostas para aqui dentro, sem trazer a devida informação para que o povo possa tomar decisões. Então, junto com o povo trouxemos essa formação sobre direitos [dos povos indígenas] e protocolo de consulta”, disse Queops, reforçando que o protocolo é ferramenta fundamental para fortalecimento e autonomia dos indígenas.
“A gente vê o protocolo como uma ferramenta de luta e de defesa, e também de autoafirmação aqui dentro do território. O conhecimento sobre como o protocolo deve acontecer, é para que eles possam dizer para as pessoas de fora como querem ser consultados, qual o modo próprio do povo existir e ser ouvido e respeitado”, afirmou.
“As aldeias da área do rio Seruini passam por vulnerabilidade e pressão em toda sua história”
Os objetivos da oficina foram informar e fortalecer os conhecimentos dos participantes sobre seus direitos à Consulta Prévia, Livre, Informada e de Boa-fé, garantida pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário. E, também, sobre os artigos 231 e 232 da Constituição Federal de 1988, que reconhecem e asseguram aos povos o direito de aceitar ou não as mudanças e impactos sociais e ambientais que empreendimento podem causar em seus territórios: “Os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses”, define o artigo 232.
Tais aprendizados adquiridos e compartilhados pelas lideranças presentes na oficina fortalecem a defesa e a proteção dos territórios, especialmente da Terra Indígena Itanury Pupỹnkary que ainda está em processo de demarcação, além de reforçar a luta dos Apurinã diante das crescentes ameaças, invasões e intrusões que vêm acontecendo já há vários anos.
“A gente vê o protocolo como uma ferramenta de luta e de defesa, e também de autoafirmação aqui dentro do território”

Oficina de Formação Político-Jurídica sobre direitos indígenas. Foto: Aila Santos | Cimi Regional Norte 1
O local escolhido para a realização da oficina, aldeia Penedo, não foi ao acaso. Penedo, assim como as demais aldeias da região próximas a ela, enfrenta um histórico de vulnerabilidade bastante extenso e vivem constantes ameaças por agentes externos.
O cacique Dario Lopes Apurinã, da aldeia Bom Jesus da TI Seruini/ Marienê, que é parte do território Suirini já demarcado desde 2000, lembra que a luta pela demarcação começou ainda na época do Serviço de Proteção ao Índio (SPI), órgão anterior à Fundação nacional dos Povos Indígenas (Funai), e que a TI Seruini deveria ter sido demarcada em toda a sua extensão, justamente porque todo o território já enfrentava invasões e ameaças desde aquela época.
“Toda vida o povo do Seruini usou o território, da cabeceira até a boca do rio. Por isso que dizemos que o Seruini é nosso”
“Nós tínhamos a ameaça ‘dos patrões’, dos tempos antigos. ‘Os patrões’ também queriam a terra. Diziam ‘esse é meu, esse é meu’. Aí comandava os índios, o SPI também. Mas, nós, com essa luta lá no SPI, conseguimos a Terra Indígena Seruini/Marienê. Só que esse é só um pedaço. Toda vida o povo do Seruini usou o território. Da cabeceira até a boca [do rio]. Por isso que dizemos que o Seruini é nosso”, contou o cacique, explicando que apenas na década de 1990 os conhecimentos sobre os direitos indígenas que estão na Constituição brasileira começaram a chegar e foi assim que conquistaram a demarcação.
Atualmente, a situação dos povos indígenas da região é agravada pela escassez de serviços públicos, como educação e saúde, e pela contínua e inalterável omissão das autoridades executivas municipais e estaduais, que frequentemente fazem promessas que não se concretizam. A precariedade das condições de vida é um desafio que os Apurinã enfrentam cotidianamente, o que torna a luta pela demarcação integral de seu território ainda mais urgente.
“A situação dos povos indígenas da região é agravada pela escassez de serviços públicos e pela contínua e inalterável omissão”

Oficina de Formação Político-Jurídica sobre direitos indígenas. Foto: Aila Santos | Cimi Regional Norte 1
Para o cacique Dario, a demarcação é fundamental para a existência, cultura e modos de vida dos Apurinã, além de ser uma fonte vital de renda. “É de importância para nós viver, não só viver eu, mas viver o nosso povo. Porque a gente tem a luta do movimento, nós temos conhecimento, não de leitura, minha palavra é o rio, para deixar para os meus netos e meus filhos. Nós produzimos, as mulheres produzem. Os caras sempre desfazem, mas nós não desfazemos”, afirmou.
Indignado pela ousadia dos invasores, o cacique Euclides Souza Apurinã, da aldeia Penedo, disse que os conhecimentos trocados e adquiridos na oficina dão força para enfrentar quem vem invadir. “A gente está sendo enganado, a gente precisa ser consultado e não abrir a mão, a gente tem que meter o pé na parede para essas pessoas não chegarem ao nosso território. O Mistério Público tem que acompanhar essas pessoas, saber o que elas fazem”, sustentou.
“A gente está sendo enganado, a gente precisa ser consultado e não abrir a mão dos direitos”
Liderança da aldeia Nova Vida, Augusta Soares Apurinã, concorda com os parentes e diz que os aprendizados vêm para que a luta seja para manter a floresta em pé. “Nós não queremos acabar com a floresta, nós queremos preservar, é daqui que nós tiramos o nosso cipó para fazer paneiro, vassoura, tiramos o talo de tucumã para fazer os nossos artesanatos, para vender também. Tem fruta no mato que a gente se alimenta. E tudo isso se os fazendeiros invadirem, nós não temos como mais como tirar nosso sustento. Então, nós queremos que a floresta continue em pé”, conta Augusta. Sobre a oficina ela destaca que “saber tudo isso é saber onde que vamos buscar nossos direitos”.
Compartilhando da opinião de Augusta sobre “saber onde buscar os direitos”, o cacique Alcimar Gomes Apurinã, da aldeia Nova Vida, chama a atenção: “é para deixar nós mais alerta para nós ficar brigando pelo nosso território”, indica.
“Saber sobre o direito à Consulta Prévia, Livre, Informada e de Boa-féo é saber onde que vamos buscar nossos direitos”

Oficina de Formação Político-Jurídica sobre direitos indígenas. Foto: Aila Santos | Cimi Regional Norte 1
Chamar a atenção e orientar a juventude também é um dos motivos que o cacique Dario considera importante conhecer os direitos indígenas. “É importante para jovens, para o futuro, durante toda a vida nossa. Para a natureza, para ter as matas vivas e nós vivos. Eu posso ir embora um dia, mas é importante deixar o conhecimento com quem fica para poder defender o nosso mundo”, preveniu.
Comprovando que a juventude está preocupada em receber os conhecimentos para poder continuar a defesa de suas vidas, a jovem Missiane Nobre, da aldeia Sãkoã, diz que para evoluir precisamos uns dos outros. “Eu aprendi que a gente tem que lutar pelos nossos direitos, sobre a importância dos protocolos. Hoje, temos poucos apoios e estamos aprendendo uns com os outros, para avançar mais, ao favor dos nossos direitos”, observa, valorizando o compartilhamento de conhecimentos.
“Eu aprendi que a gente tem que lutar pelos nossos direitos, sobre a importância dos protocolos”
Compartilhar foi a ideia do cacique Teixeira Lopes Apurinã, da aldeia Kamarapa, ao lembrar dos parentes que ficaram em sua aldeia distante e que precisam, também, conhecer os seus direitos e saber que o protocolo de consulta deve ser construído coletivamente.
“Nesse momento tomamos conhecimentos que vamos levar para nossa aldeia, nosso povo que ficou lá. A gente [da aldeia Kamarapa] tem dificuldade de chegar aqui, porque é meio longe, mas valeu a pena chegar, conhecer nossos direitos e poder levar pros parentes”, afirma o cacique. Construir um documento desta importância foi desafiador, apresentar os problemas e exigir o reconhecimento da Terra Indígena explica Teixeira. “Nós elaboramos um documento e vamos mandar para as autoridades reconhecer nós aqui da Terra Itanury Pupỹnkary”, concluiu.
“Nesse momento tomamos conhecimentos que vamos levar para nossa aldeia, nosso povo que ficou lá”

Oficina de Formação Político-Jurídica sobre direitos indígenas. Foto: Aila Santos | Cimi Regional Norte 1
Para Vanildo Pereira da Silva Filho, assessor jurídico convidado para contribuir com a oficina, o território do povo Apurinã impressiona pela beleza natural, mas também pela situação de vulnerabilidade que se encontra.
“É um lugar muito bonito, que impressiona, mas também impressiona pela vulnerabilidade social que está esse povo, pela situação de antiguidade do requerimento de demarcação deles. São mais de dez anos que está nesse processo inconcluso do estudo de identificação e delimitação. É uma situação que impressiona também pelas pressões de grandes empreendimentos sobre o território. Eles precisam desse apoio, para se manterem alertas e empoderados nessas grandes frentes de luta, sobretudo no campo do direito indígena”, avaliou o advogado.
“São mais de dez anos que está nesse processo inconcluso do estudo de identificação e delimitação”
A gravidade diagnosticada pela qual passam os Apurinã do Sul do Amazonas, torna os conhecimentos sobre direitos indígenas ainda mais relevante. Construção coletiva do protocolo de consulta, políticas públicas indigenistas e organização interna foram os assuntos conversados pelas lideranças e apoiadores.
A Organização dos Povos Indígenas Apurinã e Jamamadi (OPIAJ) também esteve presente, demonstrando compromisso com as comunidades Apurinã que representa. Da mesma forma, foram fundamentais os apoios da Coordenação Regional Médio Purus da Funai, em Lábrea, e da Coordenação Técnica Local da Funai (CTL/Funai) de Pauini.
Com essa formação, os Apurinã dão passos importantes rumo à conquista de um território livre, à autonomia e à garantia de seus direitos. A luta pelo Bem Viver e pela proteção da Terra Indígena Itãnury Pupynkary é um reflexo da busca por dignidade e pelo reconhecimento de sua ancestralidade e cultura.