30/04/2025

CNDH se manifesta em nota sobre violação de direitos de indígenas encarcerados e vítimas no Massacre do Compaj

No episódio, 56 pessoas foram brutalmente assassinadas; delas cinco eram indígenas, cuja identidade só foi reconhecida após Massacre

O Massacre do Compaj ocorrido em janeiro de 2017 na cidade de Manaus, no Amazonas, vitimou 56 pessoas, das quais cinco eram indígenas. Arte: Verônica Holanda/ Cimi

Por Assessoria de Comunicação do Cimi

Em nota publicada no dia 10 de abril, o Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), se manifestou sobre o caso de violação de direitos de pessoas indígenas encarceradas que ficou conhecido como Massacre do Compaj.

O Massacre, ocorrido em janeiro de 2017 no Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj), na cidade de Manaus, no Amazonas, vitimou 56 pessoas, das quais cinco eram indígenas. O reconhecimento de suas identidades, no entanto, só ocorreu posteriormente.

“O próprio governo do Estado e o estabelecimento penitenciário negavam a existência dessas identidades. A invisibilização da identidade indígena de pessoas acusadas ou presas é o maior desafio para identificação da violação de direitos humanos específicos, bem como para refletir sobre as políticas diferenciadas e o desencarceramento”, diz um trecho da nota.

Segundo o relatório do Grupo Especial de Monitoramento e Fiscalização (GEMF) do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), trata-se do episódio “mais grave de violação dos direitos humanos das pessoas privadas de liberdade de que se tem notícia em nosso país.”

No documento, o CNDH pede providências na apuração dos fatos ao Ministério Público Federal e demais órgãos de fiscalização, além de medidas que repreendam práticas que violem direitos humanos de pessoas e povos indígenas no sistema penal brasileiro.

Confira abaixo a nota na íntegra:

 

NOTA CNDH 19/2025

Nota Pública do CNDH sobre violação de direitos das pessoas indígenas no sistema prisional – ACP 1000482-70.2017.401.3200 JFAM – COMPAJ, 2017 

O Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH), órgão colegiado instituído pela Lei nº 12.986, de 02 de junho de 2014, tem por finalidade a promoção e a defesa dos direitos humanos previstos na Constituição Federal, nos tratados e atos internacionais celebrados pela República Federativa do Brasil

No uso de suas atribuições legais, o CNDH recebeu denúncias de que o conhecido “Massacre do Compaj”, em Manaus, ocorrido no dia 1º de janeiro de 2017, foi o estopim de um ciclo de violências no sistema prisional brasileiro, que se espalhou por todas as regiões do país e vitimou ao menos 169 pessoas presas nos primeiros 30 dias daquele ano. De acordo com o relatório do Grupo Especial de Monitoramento e Fiscalização (GEMF), do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), trata-se do episódio “mais grave de violação dos direitos humanos das pessoas privadas de liberdade de que se tem notícia em nosso país.”

Apenas no Complexo Penitenciário Anísio Jobim, o Compaj, 56 pessoas foram brutalmente assassinadas, entre elas, 5 pessoas foram identificadas posteriormente como indígenas. Posteriormente, o próprio Governo do Estado e o estabelecimento penitenciário negavam a existência dessas identidades. A invisibilização da identidade indígena de pessoas acusadas ou presas é o maior desafio para identificação da violação de direitos humanos específicos, bem como para refletir sobre as políticas diferenciadas e o desencarceramento.

Não se pode esquecer que a Constituição da República de 1988 assegura, em seus arts. 5º,§2º, 231 e 232, os princípios multiculturais e, especialmente, reconhece a quebra da tutela orfanológica exercida pela FUNAI sobre as pessoas e povos indígenas, ao mesmo tempo em que impõe ao Estado o dever de proteger suas culturas e identidades.

Nesse mesmo sentido, o Estatuto do Índio — Lei nº 6.001 —, em seu artigo 56, parágrafo único, dispõe que as penas de reclusão e de detenção deverão ser cumpridas, sempre que possível, em regime especial de semiliberdade, no local de funcionamento do órgão federal de assistência aos índios mais próximo da residência do condenado. Além disso, o Estatuto reconhece as formas próprias de organização social, cultural e jurídica dos povos indígenas. A medida em que isso for compatível com o sistema jurídico nacional e com os direitos humanos internacionalmente reconhecidos, deverão ser respeitados os métodos aos quais os povos indígenas recorrem tradicionalmente para a repressão dos delitos cometidos por seus membros.

Tais dispositivos somam-se à Convenção nº 169 da OIT, ratificada pelo Brasil, que reconhece a autodeclaração como critério para a identificação dos povos indígenas e estabelece que o encarceramento deve ser evitado quando se trata de pessoas indígenas, recomendando a adoção de formas alternativas de sanção que respeitem suas instituições e tradições. Ademais, determina que os povos indígenas devem ser previamente consultados sempre que atos do Estado possam impactar seus modos de vida e suas formas próprias de organização social.

Esse conjunto normativo impõe ao Estado o dever de respeitar os direitos territoriais, culturais e identitários das populações indígenas, inclusive nas esferas do sistema de justiça criminal, onde se faz necessário considerar medidas alternativas à prisão que estejam em consonância com os valores e instituições desses povos.

Diante desses fatos, o CNDH manifesta extrema preocupação em relação à elaboração e aplicação de políticas públicas para as pessoas indígenas no âmbito prisional e do tratamento jurídico- penal.

O CNDH se solidariza com as vítimas e insta o Ministério Público e demais órgãos de fiscalização para uma adequada e rigorosa apuração dos fatos, esperando que sejam coibidas possíveis práticas violadoras dos Direitos Humanos e diferenciados das pessoas e povos indígenas no sistema penal brasileiro.

 

Brasília, 10 de abril de 2025.

 

CONSELHO NACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS

 

 

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