Organização de Mulheres Indígenas do povo Mura lança documentário que denuncia as constantes ameaças em seu território
O filme registra e denuncia as diversas frentes de invasão que o povo Mura enfrenta e, também, das formas de resistências que mulheres assumem

Organização das Mulheres Mura (Omim). Foto: Ranyele Mura
No dia 30 de março de 2025, um marco histórico foi celebrado na aldeia Murutinga Tracajá, território do povo Mura, em Autazes (AM), com o lançamento do documentário “Mulheres Indígenas e Território”. A iniciativa realizada pela Organização de Mulheres Indígenas Mura (Omim) em parceria com o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Regional Norte 1, trouxe à tona a luta das mulheres indígenas.
Mura pela preservação de seus territórios e modos de vida
O filme é um registro poderoso da resistência das guerreiras do povo Mura contra o desmatamento e a invasão de suas terras. Nele, são retratadas as dificuldades enfrentadas devido ao avanço da pecuária, principalmente de búfalos, que afeta diretamente suas vidas, causando a escassez da caça e da pesca, além da contaminação dos rios com lama e dejetos do gado. Árvores utilizadas na tradição cultural, como a palheira, são destruídas, assim como os roçados e plantios que garantem a sobrevivência das comunidades e a transmissão do conhecimento ancestral às futuras gerações. É o que explica a professora Amélia Mura, da aldeia Murutinga.
“Nossa madeira está acabando, por motivo dos fazendeiros atacando a nossa madeira. Os búfalos [que eles criam] estão acabando com nossos peixes porque afugentam eles. Na vazante, os fazendeiros derrubam todas as árvores que são comida dos peixes. Por isso, os peixes vão embora. Com isso, hoje, os nossos alunos, não conhecem mais peixe-boi, pirarucu, tambaqui. Nem caça. Não conhecem mais uma anta ou o porco do mato. Porque não tem mais”, explica a professora.
“Nossa madeira está acabando, por motivo dos fazendeiros atacando a nossa madeira”

Exibição do documentário produzido pelas mulheres Mura. Foto: Dirley Mura
Para a Amélia, não conhecer o ambiente em que vivem é um problema muito grande, pois há o “apagamento” de uma forma de vida e isso é um extermínio. Para isso não acontecer, a demarcação do território é imprescindível e urgente. “E é o que a Funai parece não estar preocupada”, diz. O documentário, para ela, ao mostrar a realidade em que vivem e a desconfiança com o órgão responsável pelas vidas indígenas, é um apelo para que o processo de demarcação seja agilizado e concluído.
“Tem muitas coisas lá [no documentário] que hoje refletem dentro da nossa aldeia. Principalmente porque nós precisamos do nosso território. Hoje, nossa terra, Murutinga, não é demarcada. Nós precisamos dela ser demarcada. Já vem de décadas e décadas a gente pedindo a demarcação de Murutinga Tracajá. E eu não sei o que eles fazem. O documento só pode estar engavetado”, lamenta Amélia, comentando o tamanho da aldeia e a quantidade de pessoas que vivem no território.
“Não conhecer o ambiente em que vivem é um problema muito grande, pois há o apagamento é um extermínio”

Rubiane Mura representante da Organização das Mulheres Indígenas Mura. Foto: Dirley Mura
“A nossa aldeia Murutinga é muito grande. Nós somos mais de 470 famílias. Estamos chegando a três mil pessoas só na aldeia Murutinga. E isso é uma preocupação. A gente não ter esse apoio do governo. E nós precisamos, porque a terra é a nossa mãe. É de lá que tiramos os nossos alimentos, fazemos nossa roça para a nossa sobrevivência. É de lá que nós tiramos a nossa farinha, nossa tapioca, o nosso tudo”, explica a professora.
O filme mostra a luta dessas mulheres e reflete a realidade dos povos indígenas em todo o Brasil. Seus territórios, ricos em biodiversidade, são constantemente cobiçados por invasores que enxergam apenas oportunidades econômicas, enquanto as comunidades originárias veem a terra como vida, cultura e herança sagrada. Nas áreas protegidas pelos indígenas, a floresta se mantém viva, a fauna é preservada e os rios seguem abundantes, garantindo o equilíbrio ambiental.
“O lançamento representa não apenas um momento de resistência, mas um chamado à conscientização”
O lançamento de “Mulheres Indígenas e Território” representa não apenas um momento de resistência, mas um chamado à conscientização. Este filme documenta a coragem e a força das mulheres Mura na defesa de seu direito à terra e ao modo de vida tradicional. O dia 30 de março de 2025 ficará marcado na história como um símbolo da luta incansável dessas guerreiras pelo reconhecimento e demarcação de suas terras, essenciais para sua existência e para a preservação da natureza.
Milena Mura, que protagoniza o documentário contando as ameaças e os sofrimentos, se ver na tela narrando essa história foi um momento de emoção.
“O sentimento foi de dever cumprido e muita emoção e gratidão a todos que fizeram acontecer esse momento histórico”

Amélia e Leiciane, ambas compõe a Omim, com o material da Semana dos Povos Indígenas 2025 organizado pelo Cimi em mãos. Foto: Ranyele Mura
“Para nós da Omim, e principalmente para mim enquanto coordenadora-presidente, o sentimento foi de dever cumprido e muita emoção e gratidão a todos que fizeram acontecer esse momento histórico. O vídeo fala de um dos maiores desafios que nós enfrentamos como povo e que afeta diretamente nós, mulheres agricultoras que dependem da Mãe Terra para sobreviver”, analisou e dimensionou a situação apresentada aos demais povos indígenas de outros lugares dizendo que diante da força das companheiras ela se fortalece.
“Nossos desafios são os mesmos de outros povos de outros países. Isso me entristeceu. Porém, em seguida, me fortalece mais porque as linhas de frente são as mesmas. Lutamos por nossos Territórios, [porque] somos mulheres que não fugimos da luta”, disse mostrando com orgulho a luta de sua mãe. “Assim como muitas que estão presentes no evento, minha mãe professora Rita Mura, dá orgulho e força ver essas guerreiras Mura ecoando suas vozes, pedindo para ir aos setores competentes e denunciar [os invasores]”, completa Milena.
“Posso afirmar que a luta coletiva da Omim pela demarcação dos territórios junto às mulheres Mura da resistência, estará mais forte do que nunca”
A resistência recebe mais força e legitimidade com a participação das mulheres: “posso afirmar que a luta coletiva da Omim pela demarcação dos territórios junto às mulheres Mura da resistência, estará mais forte do que nunca, e mesmo que tentem cortar nossos galhos não vão arrancar nossas raízes, porque as mulheres Mura são resistência”, concluiu.
Defender os direitos dos povos indígenas, principalmente o direito ao território, é missão estruturante do Concelhio Indigenista Missionário (Cimi). Assim, apoiar a produção de materiais de visibilidade da resistência indígena é assumir essa missionariedade. O apoio à Omim e a produção do documentário “Mulheres Indígenas e Território” significa contribuir com o fortalecimento do protagonismo das mulheres Mura ao assumirem os rumos de sua própria história, explica Quézia Martins, missionária do Cimi Regional Norte 1 que atua junto ao povo Mura de Autazes e Careiro da Várzea.
“O filme significa contribuir com o fortalecimento do protagonismo das mulheres Mura ao assumirem os rumos de sua própria história”

A produção registra e denuncia as diversas frentes de invasão que o povo Mura enfrenta. Foto: Ranyele Mura
“Apoiar a Omim é contribuir diretamente para o fortalecimento do protagonismo das mulheres Mura na luta histórica pela demarcação de seus territórios, por uma educação escolar indígena e saúde de qualidade. Mulheres Mura, como muitas outras indígenas, sempre estiveram na linha de frente dessas batalhas, mas frequentemente foram invisibilizadas, suas vozes silenciadas diante das estruturas de poder”, explica Quezia, indicando que mudanças estruturais na sociedade acontecem com a participação das mulheres.
“Acreditamos que para que haja uma mudança estrutural nos paradigmas político-econômicos sustentados pelo sistema capitalista, patriarcal, machista e genocida, é essencial reconhecer, valorizar e promover a participação das mulheres indígenas nos espaços de controle social e nas implementações de políticas públicas em diversas áreas”, condiciona Quézia, mostrando que a luta das mulheres é para conquistas maiores para toda a sociedade.
“A luta das mulheres indígenas não é apenas uma luta pela sobrevivência de seus povos, mas pela preservação de um modo de vida”

Milena Mura, coordenadora-presidente da Omim. Foto: Dirley Mura
“A luta das mulheres indígenas não é apenas uma luta pela sobrevivência de seus povos, mas pela preservação de um modo de vida que propõe uma relação de respeito com a natureza e com a vida em coletividade. Apoiar a Omim é, portanto, uma forma de apoiar uma transformação profunda e necessária para a construção de uma sociedade mais justa”, conclui afirmando que o mundo precisa se deixar “inspirar pelos saberes e práticas” das mulheres indígenas para “as mudanças urgentes e necessárias para a superação das crises climáticas e as inúmeras injustiças socioeconômicas que afetam a sociedade”.
A exibição do filme “Mulheres Indígenas e Território” das mulheres Mura reforça, portanto, a importância de visibilizar e fazer ecoar as vozes das mulheres indígenas, protagonistas da resistência e guardiãs do território. Que esse registro inspire mais ações de proteção, respeito e reconhecimento dos direitos dos povos originários, garantindo um futuro onde suas terras sejam respeitadas e preservadas para as próximas gerações.
“O filme reforça a importância de visibilizar e fazer ecoar as vozes das mulheres indígenas, protagonistas da resistência e guardiãs do território.”
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Sobre a produção do documentário “Mulheres Indígenas e Território”
O filme “Mulheres Indígenas e Território” foi produzido no âmbito da Dinâmica Regional Latino-Americana do programa Comunidades Resilientes (CoRe), apoiado pela Agência Francesa de Desenvolvimento (AFADE) e Cáritas França. Ele fez parte da programação do intercâmbio temático Mulheres Indígenas e Território, que ocorreu entre os dias 26 e 30 de abril de 2024, nas cidades de Tarapoto e Lamas, no Peru. Este intercâmbio reuniu mulheres indígenas de diferentes países da América Latina, incluindo Peru, Bolívia e Brasil, e contou com a participação de instituições como Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Centro Amazónico de Antropología y Aplicación Práctica (CAAAP) e Centro de Investigación y Promoción del Campesinado (CIPCA).
Cada instituição, junto a cada mulher indígena participante, produziu um documentário de 10 minutos, que apresentava uma breve contextualização dos desafios e das experiências de luta e resistência vivenciadas pelas mulheres indígenas de diversos povos, em contextos distintos da América Latina.
Objetivos do Intercâmbio
- Refletir sobre a participação das mulheres na gestão e defesa dos territórios indígenas.
- Refletir sobre os desafios enfrentados pelas mulheres para participar da gestão e defesa dos territórios indígenas.
- Compartilhar boas práticas e lições aprendidas com a participação das mulheres na gestão e defesa desses territórios.
Tivemos a oportunidade de ouvir mulheres de diferentes povos e contextos, que compartilharam os desafios comuns enfrentados por elas e pelos seus territórios. As violências e os responsáveis por elas são, em sua maioria, sempre os mesmos: multinacionais, projetos extrativistas, tanto legais quanto ilegais, iniciativas governamentais e medidas legislativas que desrespeitam direitos e atacam o que é mais sagrado — o território e todas as vidas que nele habitam.
As experiências compartilhadas reforçam ainda mais o fato de que as mulheres indígenas, de maneira histórica e imemorial, têm desenvolvido ações de gestão, proteção e defesa de seus territórios. Elas têm nos mostrado formas de relação que devem, urgentemente, impactar e influenciar o nosso sistema político, social e econômico em uma escala global.