04/04/2025

Justiça Federal determina paralisação de obras e demolição de parque aquático erguido na TI Xukuru Kariri

Juíza cita falta de consulta prévia nos termos da Convenção 169 da OIT e afirma que Câmara e Prefeitura de Palmeira dos Índios sabia que área comprada estava em Terra Indígena

Parque foi batizado com o nome do escritor natural de Palmeira dos Índios. Foto: Divulgação/Povo Xukuru Kariri

Por Assessoria de Comunicação – Cimi Regional Nordeste

Em decisão judicial publicada no início desta semana, a 8ª Vara Federal determinou a paralisação e demolição das obras do Parque Aquático Maria do Carmo, empreendimento que vinha sendo erguido na Terra Indígena Xukuru Kariri, em Palmeira dos Índios, Alagoas, sem o consentimento dos indígenas.

Camila Monteiro Pullin atendeu parcialmente o pedido da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e julgou procedente a demanda para condenar o município e a empresa VP de Omena a cessar definitivamente todas as obras, construções e atividades em andamento na área indígena declarada.

“Bem como a desfazer as construções realizadas dos polos industriais, parques aquáticos ou quaisquer empreendimentos privados dentro do território indígena Xukuru-Kariri”, disse na sentença. A juíza explica em sua decisão que há farta informação sobre a área estar em Terra Indígena, além de atentar a provas apensadas comprovando que tanto a Câmara Municipal quanto a Prefeitura foram avisadas de que estavam cometendo uma irregularidade ao seguir adiante com o projeto.

Para a juíza, foi violado o direito de consulta. De acordo com a decisão, há “previsão expressa na ordem jurídica internacional desde a adoção pela OIT da Convenção n° 169, em 27 de junho de 1989. De acordo com o art. 6º da Convenção n° 169, os governos devem consultar os povos interessados toda vez que houver medidas legislativas ou administrativas capazes de afetá-los, devendo a consulta ser feita por meio de procedimentos apropriados. Ainda segundo o art. 6º, o direito de consulta deve ser livre, sem opressões e de boa-fé, com a exposição clara e acessível de todas as informações necessárias aos povos afetados”.

A área total do empreendimento, conforme os autos, é estimada em aproximadamente 30 mil metros quadrados

Por outro lado, a juíza não condenou os réus a recuperar a área degradada pelas construções irregulares na Terra Indígena adotando todas as medidas necessárias para restaurar o ecossistema local. Para a magistrada, a petição inicial não especificou os danos.

O Parque Aquático e um Polo Industrial vinham sendo construídos na Terra Indígena às margens da rodovia AL-210.  A Justiça Federal havia mandado parar a obra, mas a Prefeitura conseguiu uma liminar no final de 2024 autorizando a reabertura do canteiro.

Segundo informações da Prefeitura de Palmeira dos Índios, divulgadas na imprensa local, o terreno foi adquirido junto a um posseiro pelo Poder Público por R$ 1 milhão e doado à empresa VP de Omena.

Local já conta com piscinas e outras estruturas. Obras avançaram mesmo com avisos de irregularidades. Foto: Divulgação/Povo Xukuru Kariri

Histórico da invasão

O parque teve a pedra fundamental inaugurada pelo Poder Público no último dia 31 de março de 2014. A entrada do parque seria pela rodovia AL-210. Ainda conforme informações da Prefeitura, “o município entrou com apoio fiscal e locacional, a partir de uma lei aprovada pela Câmara de Vereadores”.

Enquanto os Xukuru Kariri se tornam referência na produção de alimentos a partir de práticas agroecologias, e estão na lista de doadores do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) do governo federal, a Prefeitura cedeu de forma ilegal parte da Terra Indígena do povo para a construção do parque e do Polo Industrial.

De acordo com a Coordenação Regional da Funai, a Prefeitura havia sido comunicada pelas autoridades públicas federais de que não poderia seguir adiante com o projeto por se tratar de área demarcada como Terra Indígena. Os avisos, feitos em mais de uma ocasião.

“Enquanto estamos levando comida para a mesa da população, a Prefeitura invade as nossas terras para construir um parque. O Poder Público desrespeita as leis ao invadir a Terra Indígena e despreza quem se beneficia do nosso trabalho, da nossa partilha”, analisa a liderança Gecinaldo Xukuru Kariri

A doação de alimentos feita pelos Xukuru Kariri beneficia cerca de 500 pessoas da Associação Comunitária Padre Cícero de Vila Nova, bairro de Palmeira dos Índios, além de outras 195 pessoas cadastradas pelo Movimento Pró-Desenvolvimento Comunitário.

As lideranças afirmam que não contam com o apoio da Prefeitura neste trabalho que faz da Terra Indígena um recurso importante para a segurança alimentar também da população não indígena.

Povo Xukuru-Kariri, de Alagoas, está em Brasília para lutar por seus direitos.

Povo Xukuru Kariri trava uma luta contra posseiros, fazendeiros, empresas e toda sorte de invasores da Terra Indígena já demarcada. Foto: Renato Santana/Cimi

Sem demarcação, a pressão continua

Para as lideranças Xukuru Kariri, a morosidade do governo federal para homologar e realizar a desintrusão da Terra Indígena tem oferecido liberdade para os invasores consolidarem-se no território tradicional – que já sofreu uma substancial redução.

Antes da publicação da demarcação, em 2010, a Terra Indígena chegou a ter estudo de delimitação garantindo 36 mil hectares aos indígenas. A redução acabou sendo drástica, para os quase 7 mil hectares publicados.

Durante a reunião do Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI), no dia 18 de abril do ano passado, na Esplanada dos Ministérios, se esperava que Lula assinasse a homologação de seis terras indígenas, entre elas a Xukuru Kariri.

No entanto, Lula assinou apenas duas homologações e entre elas não estava a do povo de seu Antônio Celestino Xukuru Kariri, que, com quase 90 anos, saiu de Palmeira dos Índios e foi a Brasília na esperança do ato administrativo da Presidência.

Uma nova esperança surgiu com a possibilidade do presidente Lula assinar a homologação no final do mês de outubro. No entanto, um acidente doméstico obrigou o presidente a ficar internado por mais de uma semana.

Em dezembro, os Xukuru Kariri chegaram a ir para Brasília, mas Lula precisou ser novamente internado para tratar de sequelas do acidente ocorrido em outubro. Havia expectativas de que a homologação saísse no início deste ano, mas até o momento ainda não foi publicada.

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