“Essas leis trazem sofrimento, mas a esperança dos povos permanece viva”, ressalta Diocese de Roraima durante Jubileu dos Povos Indígenas
O evento, realizado na TI Raposa Serra do Sol, reuniu povos originários de diversas regiões do estado, missionários, religiosas e representantes da Diocese de Roraima

Jubileu dos Povos Indígenas em Roraima. Foto: Pablo Sérgio Bezerra – Apoio Rádio Monte Roraima
Entre 25 e 26 de abril, a Diocese de Roraima celebrou o Jubileu dos Povos Indígenas, com o tema “Somos peregrinos e peregrinas da esperança”. Realizado na Terra Indígena Raposa Serra do Sol, o evento reuniu povos originários de diversas regiões do estado, missionários, religiosas e representantes de toda a Diocese de Roraima.
Dom Evaristo Spengler, bispo de Roraima, explicou que, na tradição judaico-cristã, o jubileu é um ano de libertação, de restauração. “Durante o ano jubilar, as dívidas dos pobres eram perdoadas, os escravos eram libertados e as terras que haviam sido vendidas por alguma necessidade eram devolvidas aos seus donos originários”.
“Muitas dessas terras foram invadidas por fazendeiros, por garimpeiros e por outros exploradores. Os indígenas que aqui viviam eram explorados como escravos. Perderam suas terras, seus direitos, sua liberdade. Esse jubileu de Roraima é real e tem um sentido profundo ao ser celebrado, essa terra em que nós pisamos é tradicionalmente dos povos indígenas”, ressaltou o bispo.
Durante o jubileu, Djavan André tornou-se o primeiro indígena a assumir a ordenação diaconal da Diocese de Roraima. Além da ordenação, o Jubileu foi espaço para manifestações culturais, danças, rezas tradicionais e relatos de luta e resistência. As comunidades presentes denunciaram ameaças aos seus territórios, impactos ambientais, desrespeito aos seus direitos e clamaram por justiça e paz para seus povos.
Na carta final do evento, a Diocese de Roraima afirma que a harmonia da Casa Comum foi rompida pelos projetos de conquista e colonização, causando violências, dor e extermínio.
“Denunciamos a tese do Marco Temporal, que ameaça os direitos indígenas. Esta tese impõe e viola conquistas históricas e a Constituição Federal. Temos como exemplo a proposta da PEC 48 e da Lei 14.701/23, atualmente em vigor. Some-se a isso a criação da Câmara de Conciliação e Arbitragem pelo Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a questão. Ela ameaça retirar direitos e favorecer interesses econômicos. O nosso marco é ancestral!”.
Confira a carta final na íntegra:
CARTA DO JUBILEU DA ALIANÇA COM OS POVOS INDÍGENAS DE RORAIMA
“É um privilégio ter os povos indígenas em nossa Diocese” (Dom Aldo Mongiano)
No dia 24 de dezembro de 2024, o Papa Francisco deu início ao Jubileu da Esperança, um tempo de renovação da fé, da justiça e do cuidado com a criação. As palavras do Papa Francisco nos inspiram a “transbordar de esperança” (cf. Rm 15,13). Este Jubileu convida a viver a misericórdia, o perdão e a defesa da vida. É um chamado para devolver as terras aos povos originários, cancelar dívidas que oprimem os pobres e lutar pela libertação de todas as formas de escravidão (cf. Lv 25).
Os povos indígenas são guardiões das florestas, dos lavrados, bem como de tantos outros biomas. Vivem em harmonia com a Casa Comum. Exemplo disso é a importante liderança indígena e xamã, Davi Kopenawa, que recolhe os anseios de seu povo. Ele destaca em seus discursos que Omama, nome com o qual os Yanomami se referem ao criador e principal ancestral, criou e deu a floresta (urihi) a eles. Os Yanomami podem dispor de tudo o que precisam e têm a responsabilidade de cuidar da floresta. Há milênios, os indígenas protegem não apenas seus territórios, mas também o equilíbrio do planeta.
No entanto, o modelo econômico, que idolatra o lucro e o dinheiro, provoca uma ruptura. Os avanços da derrubada da floresta, da pecuária extensiva, do monocultivo, dos megaprojetos e da mineração ameaçam a sobrevivência dos povos indígenas e a de todos nós. A harmonia da Casa Comum foi rompida pelos projetos de conquista e colonização, realizados de modo cruel, causando violências, dor e extermínio.
Há 300 anos a Igreja em Roraima caminha ao lado dos povos indígenas, ouvindo seus clamores e sonhos. Juntos, construímos iniciativas que fortalecem suas comunidades: as cantinas (venda de produtos básicos a preços acessíveis) e o projeto M-Cruz (criação de gado), que garantem autonomia econômica; a formação em educação, saúde e gestão coletiva, que valoriza seus saberes; a luta pela demarcação de terras e a resistência contra invasões ilegais; o diálogo entre a fé cristã e as tradições indígenas, que cria pontes de respeito mútuo.
Denunciamos a tese do Marco Temporal, que ameaça os direitos indígenas. Esta tese impõe e viola conquistas históricas e a Constituição Federal. Temos como exemplo a proposta da PEC 48 e da Lei 14.701/23, atualmente em vigor. Some-se a isso a criação da Câmara de Conciliação e Arbitragem pelo Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a questão. Ela ameaça retirar direitos e favorecer interesses econômicos. O nosso marco é ancestral!
Essas leis trazem dor e sofrimento, mas a esperança dos povos indígenas permanece viva. Eles clamam pelo respeito a seus territórios, culturas e modos de vida. Renovamos nossa aliança e convidamos todos a se unirem nesta luta:
• Exigindo a derrubada dessas leis injustas e tantas outras tentativas de retirada de direitos;
• Apoiando a demarcação de terras indígenas;
• Protegendo a floresta e seus guardiões.
A Páscoa de Cristo é a nossa ESPERANÇA, garantindo que a VIDA vence a morte. A cruz não O derrotou – Ele a venceu! Esta Esperança não pode ser silenciada! Celebrar este Jubileu reforça que a vida triunfa. Juntos, escrevemos uma história de justiça e de paz para os povos indígenas e para toda a humanidade. Unidos, lutemos pela justiça e pela vida, testemunhando a Páscoa!
Diocese de Roraima
Missão Surumu, Raposa Serra do Sol, 25 e 26 de abril de 2025.