17/04/2025

“Essa Mesa é uma arma apontada para nossa cabeça”, afirmam indígenas em Brasília pelo fim da Mesa de Conciliação

Mais de 200 indígenas dos povos Munduruku, Guarani e Kaiowá permaneceram esta semana em Brasília para reforçar o “pedido de socorro” pelo fim da Câmara de Conciliação no STF

Ato Munduruku, Guarani e Kaiowá em frente ao STF, contra Mesa de Conciliação e Lei 14.701/2023. Foto: Tiago Miotto/Cimi

Por Maiara Dourado, da Assessoria de Comunicação do Cimi

Nesta semana, cerca de 230 indígenas dos povos Munduruku, Guarani e Kaiowá permaneceram mobilizados em Brasília contra a Mesa de Conciliação e a Lei 14.701, conhecida como Lei do Marco Temporal. A mobilização persistiu mesmo após o encerramento do Acampamento Terra Livre (ATL), na última sexta-feira (11), que realizou protestos e discussões sobre tais medidas.

Em Brasília, eles circularam por entre gabinetes e salas de reunião de membros e órgãos do Estado para fazer o que Norivaldo Guarani Kaiowá, coordenador executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) pela Aty Guasu, chamou de “um pedido de socorro”. “A gente quer que essa Mesa saia de pauta. Essa lei está em vigor há um ano e quatro meses. O nosso povo está morrendo. A gente está fazendo esse pedido, esse grito de socorro”, clamou Simão, durante uma das várias reuniões realizadas com representantes do governo.

Ao longo da semana, os indígenas se reuniram com representantes da Funai, Sesai, MJ, MPI e da AGU

Povo Munduruku participa de reunião na Funai e pede saída do órgão da Mesa de Conciliação. Foto: Maiara Dourado/Cimi

Ao longo da semana, os indígenas se reuniram com representantes da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), da Secretaria de Saúde Indígena (Sesai), do Ministério da Justiça (MJ), do Ministério dos Povos indígenas (MPI) e da AGU. Também participaram de audiência pública na Comissão de Direitos Humanos, Minorias e Igualdade Racial da Câmara Federal e realizaram um ato em frente ao STF.

Além da reivindicação contra a Lei do Marco Temporal e a Câmara de Conciliação, os indígenas também cobraram o andamento na demarcação de seus territórios, a proteção contra fazendeiros e jagunços, no Mato Grosso do Sul, e a desintrusão das áreas invadidas pelo garimpo, na região do Tapajós. O pedido para que o governo federal se retire da Mesa de Conciliação foi reforçado à AGU, ao MJ e a Funai.

Reunião sob pressão

O ato contra as medidas anti-indígenas, realizado na última terça-feira (15), uniu os três povos e ocorreu enquanto lideranças do povo Munduruku se reuniam com o ministro Gilmar Mendes, relator das ações de inconstitucionalidade da Lei que deram origem à Mesa de Conciliação. Na ocasião, indígenas Guarani e Kaiowá também foram atendidos pela Ouvidoria da Suprema Corte e por assessores da presidência do STF.

A reunião com o Gilmar Mendes foi uma das exigências deste povo que, em protesto à Lei e a tentativa de conciliação de seus direitos, bloqueou durante 14 dias a BR 230, em Itaituba, no sudoeste do Pará.

“Essa reunião só aconteceu pela pressão do agronegócio, porque a gente estava em uma BR por onde passa toda a logística do sul do Brasil”

Ato Munduruku, Guarani e Kaiowá em frente ao STF, contra Mesa de Conciliação e Lei 14.701/2023. Foto: Tiago Miotto/Cimi

“Essa reunião, no entanto, só aconteceu pela pressão do agronegócio, porque a gente estava em uma BR por onde passa toda a logística do sul do Brasil, que é a soja para ser transportada para países desenvolvidos. E nós estávamos com crianças, com mulheres, com pajé, com os caciques, e a gente decidiu não sair enquanto Gilmar Mendes não ouvisse nossas demandas”, explicou Alessandra Korap, liderança do povo Munduruku.

Para Juarez Saw Munduruku, também liderança deste povo,  “o recado foi dado” ao ministro. “Ele [os ministros]  vai ter que pensar o que ele vai fazer com essa Lei. Se continuar com ela, o culpado de tudo vai ser ele, porque com certeza os invasores vão chegar no nosso território assassinando liderança, cacique, guerreiro. Eles já estão bem próximos do nosso território”, considerou Juarez.

Conciliação

A Mesa de Conciliação, criada um ano atrás nos mesmos dias em que os povos indígenas realizavam a 20ª edição do ATL em Brasília, discute no âmbito do Supremo Tribunal Federal (STF) as ações de inconstitucionalidade da Lei 14.701, promulgada em dezembro de 2023. A Lei, considerada pelos povos genocida e anti-indígena, institui a tese do marco temporal e  tenta, dentre outros entraves, barrar as demarcações de terras indígenas no Brasil a fim de liberá-las para exploração econômica.

A lei também foi questionada pelo povo Xokleng, com apoio de outros povos indígenas e de organizações aliadas, no Tema 1031, que ainda aguarda o julgamento dos embargos de declaração. Para o movimento indígena e aliados, mais do que qualquer mesa, essa é a instância apropriada para debater os direitos constitucionais dos povos indígenas. Não a toa, em agosto do ano passado, a Apib se retirou da Mesa de Conciliação.

Desde sua criação, foram realizados dois pedidos de prorrogação para continuidade da Mesa

Em Brasília, delegação Guarani e Kaiowá pede à AGU retirada da União da Mesa de Conciliação. Foto: Maiara Dourado/Cimi

Sua continuidade, no entanto, a despeito da participação de representantes do movimento indígena tem causado enorme revolta entre os povos indígenas, que têm se indignado também com a tentativa do Congresso e do governo federal de dar andamento à Mesa com sucessivos pedidos de prorrogação.

Desde sua criação, foram realizados dois pedidos de prorrogação para continuidade da Mesa: um primeiro, feito pela União através da AGU, no final do mês de fevereiro, cujo aceite adiou a discussão conciliatória até o início deste mês (2); e um segundo, requerido no último dia 9, em pleno ATL, pelas advocacias da Câmara e do Senado Federal e, por mais uma vez, pela União.

“Toda vez que tentarem continuar com essa Conciliação, vai morrer Guarani, vai ressoar como morte lá”

Delegação Guarani Kaiowá realiza reza em frente a AGU e pedem o fim da Mesa de Conciliação. Foto: Maiara Dourado/Cimi

Para Valdelice Veron, uma das lideranças Guarani Kaiowá, prorrogar a Mesa de Conciliação é dar continuidade a política de morte imposta ao seu povo. “Toda vez que tentarem continuar com essa Conciliação, vai morrer Guarani, vai ressoar como morte lá. A mesa de conciliação é literalmente uma arma apontada para nossa cabeça, para negociar nossos direitos. Nós não queremos a mesa de conciliação”, declarou a liderança durante o ato realizado em frente ao STF.

Em carta entregue à AGU, lideranças Guarani Kaiowá foram contundentes ao pedir a saída da União da Mesa. “Exigimos que se retirem da Mesa de Negociação e que retirem a posição pela continuidade da mesma. Caso contrário a história mostrará o que estão fazendo, em cada gota de sangue do nosso povo que for derramada sobre a terra que vocês deixaram de demarcar e proteger ou que tenham negociado”, afirmam em um trecho da carta.

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