Durante protesto Pataxó na BR-101, retomada da TI Comexatibá é atacada e indígena é morto; PM tentou despejo ilegal
Pataxó levou um tiro no abdômen, passou por cirurgia e seu estado de saúde é considerado estável, conforme DSEI. Uma pistola foi deixada para trás pelos pistoleiros
Diante da morosidade na conclusão dos procedimentos demarcatórios dos territórios Pataxó no sul e extremo-sul da Bahia, além da violência contra as aldeias com episódios crescentes nos últimos meses, um protesto fechou a BR-101, na manhã e tarde desta sexta-feira, 4, na altura do município de Itamaraju.
Enquanto o protesto acontecia, no município do Prado a retomada da Fazenda Japara Grande, parte da Terra Indígena Comexatibá, foi atacada por homens armados. O indígena João Celestino Lima Filho, de 50 anos, foi alvejado por arma de fogo, passou por cirurgia e morreu no sábado, 5. Os Pataxó se mantêm na retomada.
Baleado no abdômen, durante luta corporal com um dos criminosos, o indígena foi encaminhado para o Hospital Regional Costa das Baleias, em Teixeira de Freitas, onde passou por cirurgia. Seu estado de saúde era grave, mas considerado estável, de acordo com o Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI). No entanto, o projétil afetou órgãos internos. Na madrugada de sábado o indígena não resistiu e foi a óbito.
Os Pataxó afirmam que fazendeiros e pistoleiros participaram da ação. No momento da fuga, um homem deixou para trás uma pistola – não é possível afirmar se o tiro que atingiu o indígena partiu do armamento. Um Boletim de Ocorrência foi lavrado pela Polícia Civil, mas nele consta apenas a informação do indígena baleado.
Cacique denuncia que policiais chegam sem documentos, indígenas são baleados e presos, enquanto grileiros avançam sobre terras indígenas
A TI Comexatibá teve o Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação (RCID) publicado em 2015. As aldeias costumam sofrer ataques de pistoleiros, tentativas de despejos ilegais e já esteve envolvida em quase uma dezena de reintegrações de posse – quase a totalidade derrubada pela própria Justiça Federal.
O cacique Nailton Muniz Pataxó Hã-hã-hãe expressou em vídeo da mídia Pataxó (assista acima) sua indignação com a conivência do Estado, a omissão do governo e a inoperância dos órgãos competentes. Ele denuncia que policiais chegam sem documentos, indígenas são baleados e presos, enquanto grileiros avançam sobre terras indígenas.
“Se o governador pode trazer obras sociais para alguns, por que não garante a nossa segurança? E o ministro da Justiça, por que não assina as cartas declaratórias que reconhecem nossas terras? Sem essa assinatura, continuamos vulneráveis à violência dos fazendeiros e da polícia”, disse.
PM tenta despejo ilegal
Conforme apuração, a Polícia Militar esteve prestes a cumprir um despejo ilegal, sem mandado judicial, à guisa de reintegração de posse, na área retomada atacada nesta sexta. Apenas no fim da tarde os Pataxó foram comunicados que ordens superiores vetaram a ação.
Cacique Aruã Pataxó, coordenador Regional da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) do sul da Bahia, recebeu a informação de que o despejo forçado iria ocorrer, mesmo sem mandado. A partir de então teve início uma intensa mobilização para demover a ideia do governo estadual.
Quando há decisão judicial, os processos de reintegração de posse envolvendo terras indígenas devem ser remetidos prioritariamente à Câmara de Mediação e Conciliação do Poder Judiciário antes de seguirem para julgamento
Na Bahia, em face dos ataques constantes de fazendeiros e pistoleiros, além da violência policial, o governador Jerônimo Teixeira (PT) foi pressionado a dar uma resposta e montou uma Força Tarefa para estabelecer diálogo entre os indígenas e os não indígenas que se dizem proprietários de áreas dentro das terras indígenas.
No final do mês de março, os secretários de Justiça e Direitos Humanos, Relações Institucionais e a secretária de Promoção da Igualdade Racial e dos Povos e Comunidades Tradicionais (Sepromi), Patrícia Pataxó, estiveram em Prado para conversar com as partes em uma tentativa de arrefecer os ânimos.
O Conselho de Caciques Pataxó, em nota pública, destacou que as ações das polícias estaduais nas terras indígenas são ilegais, fruto de retaliação e realizadas com a participação de fazendeiros e pistoleiros. A Repórter Brasil também denunciou irregularidades em operação.

Indígenas Pataxó protestam na BR 101 contra a violência crescente e pela demarcação das terras indígenas do povo. Foto: Mídia Pataxó
Protesto na BR-101: liberdade para os presos
A manifestação na rodovia, como destaca a mídia Pataxó, foi mais uma resposta à crescente violência contra as comunidades indígenas da região.
No último dia 20 de março, uma ação violenta e com várias irregularidades da PM acabou com a detenção de 11 indígenas – foram quase 20 detidos, mas uma parte dos presos foi liberada no mesmo dia.
“O povo Pataxó reivindica a soltura imediata dos indígenas presos de forma arbitrária e ação urgente do governo para garantir a demarcação das Terras Indígenas Pataxó Barra Velha, Tupinambá de Olivença e Tupinambá de Belmonte, que já foram reconhecidas e delimitadas, mas ainda não receberam a homologação necessária”, diz nota do povo.
“ Estado brasileiro se omite diante da violência e da inércia, deixando as comunidades indígenas vulneráveis a ataques cada vez mais frequentes. É hora de o governo agir e garantir os direitos dos povos indígenas!”, diz nota dos Pataxó

Povo Pataxó durante audiência Pública no MPF: as terras indígenas estão prontas para serem demarcadas, falta vontade política. Foto: Tiago Miotto/Cimi
Agenda em Brasília por demarcação
Cerca de 300 indígenas dos povos Pataxó e Tupinambá estiveram em Brasília entre os dias 10 e 13 de março para cobrar a conclusão do processo demarcatório de suas terras indígenas, localizadas nas regiões sul e extremo sul da Bahia.
Estavam presentes lideranças das Terras Indígenas Tupinambá de Olivença, Tupinambá de Belmonte, do povo Tupinambá, e Barra Velha, Comexatibá e Coroa Vermelha, do povo Pataxó.
Os indígenas participaram de uma série de reuniões e incidências junto a instituições do Estado e órgãos do governo federal. Além da conclusão das demarcações, pelas quais aguardam há décadas, as lideranças também cobraram a garantia de políticas públicas diferenciadas, como educação e saúde.
Ao término da agenda, sem uma resposta efetiva do governo federal sobre suas reivindicações, os Pataxó prometeram que seguiram com protestos e retomadas até que os procedimentos demarcatórios sejam concluídos e os territórios destinados ao usufruto exclusivo do povo.