25/03/2025

Romaria das Águas mobiliza organizações sociais em Manaus (AM) para refletir, sensibilizar e agir em defesa da Água

Mais de 60 organziações navegaram até o encontro das águas dos rios Solimões e Negro para manifestar sua incondicional defesa das águas, um Bem Comum essencial à vida no planeta

Romaria das Águas, março de 2025. Foto Ligia Apel | Cimi Regional Norte 1

Romaria das Águas, março de 2025. Foto Ligia Apel | Cimi Regional Norte 1

Por Ligia Apel, da Assessoria de Comunicação do Cimi Regional Norte 1

“Na terra sagrada de Ajuricaba, no coração hídrico do mundo, onde esses gigantes se encontram e as águas que nascem como goteira dos Andes e fluem pelos povos e territórios até aqui para se encontrarem, o segredo da unidade na diversidade é revelado. A voz da terra se levanta e os filhos e filhas das águas e das florestas ouvem o seu chamado e o amplificam”. Assim poetizou Mateus Amazônia, representante da organização Converge Amazônia, durante a Romaria das Águas, promovida pelo Fórum das Águas do Amazonas, realizada no dia 22, com concentração no Porto da Ceasa, em Manaus, seguindo até o encontro das águas dos rios Solimões e Negro.

Lugar de confluência de dois grandes rios que formam o rio Amazonas, o encontro de suas águas simboliza a união e a ligação dos povos que habitam florestas, comunidades, aldeias e cidades amazônicas, situadas às margens dos rios amazônicos.

“Romaria das Águas celebra o Dia Mundial da Água e reforça a importância da preservação deste recurso essencial à vida””

Romaria das Águas, março de 2025. Foto Ligia Apel | Cimi Regional Norte 1

Romaria das Águas, março de 2025. Foto Ligia Apel | Cimi Regional Norte 1

Com o tema “Nossas vozes na COP 30 em defesa da água e da vida na Amazônia” e o lema “Luta por preservação e acesso para todos!”, a Romaria das Águas “celebra o Dia Mundial da Água e reforça a importância da preservação e do acesso universal a esse recurso essencial à vida”, preconiza o Fórum.

Reunindo mais de 60 organizações sociais e religiosas, a Romaria foi “um ato de fé, resistência e esperança. No território Encontro das Águas, testemunhamos a grandiosidade e a fragilidade dos nossos mananciais, cada vez mais ameaçados pelas mudanças climáticas, degradação ambiental e desigualdades sociais. A defesa das águas é a defesa da vida!”, enaltece a comissão organizadora, na perspectiva de “que essa data nos inspire a continuar mobilizados por políticas públicas, justiça socioambiental e um futuro sustentável para a Amazônia e para o mundo”.

“No território Encontro das Águas, testemunhamos a grandiosidade e a fragilidade dos nossos mananciais”

Romaria das Águas, março de 2025. Foto Ligia Apel | Cimi Regional Norte 1

Romaria das Águas, março de 2025. Foto Ligia Apel | Cimi Regional Norte 1

A alusão ao líder indígena Ajuricaba, do povo Manaós, originário da região onde a cidade de Manaus foi construída, traz essa unicidade para a resistência. Ajuricaba resistiu à colonização portuguesa, negando-se à escravidão e lutando pela libertação dos povos indígenas no século XVIII.

Para Mateus, na atualidade, os povos da Amazônia resistem espelhados na ancestralidade diante dos ataques que o bioma e suas diversas formas de vida enfrentam. Assim como, a escravização dos tempos coloniais utilizava e negava vidas humanas visando a exploração dos recursos naturais, os poderes econômico e político, hoje, subjugam as populações amazônidas com a finalidade de explorar sem critérios de sustentabilidade as riquezas naturais da região.

“A defesa das águas é a defesa da vida!”

Romaria das Águas, março de 2025. Foto Ligia Apel | Cimi Regional Norte 1

Romaria das Águas, março de 2025. Foto Ligia Apel | Cimi Regional Norte 1

Na Semana Mundial das Águas, a resistência dos povos se materializou nas ações do movimento Converge Amazônia Rumo à COP 30, “conectando saberes tradicionais, populares, acadêmicos e coletivos sociais na construção de soluções sustentáveis para o futuro”, explica Mateus.

“Durante três dias de intensas trocas e articulações, o Converge Amazônia reuniu representantes de povos e comunidades tradicionais, territórios e organizações socioambientais, servidores públicos, academia e especialistas em um grande movimento de resistência e inovação pela sustentabilidade da Amazônia, compondo e difundindo a Semana Mundial das Águas Rumo a Cúpula dos Povos e a COP 30”.

A Romaria das Águas, evento que culminou a programação da Semana, organizado pelo Fórum das Águas Amazonense, navegando no Encontro das Águas do Rio Negro e Solimões, “reafirmou a espiritualidade e a ancestralidade dos povos da floresta, trazendo para o centro do debate a urgente luta pelo acesso à água potável e ao saneamento básico, direitos ainda negados a milhares de comunidades amazônicas”, denuncia o Converge Amazônia, e preconiza: “a defesa da floresta, de seus rios e de seus povos é uma missão global e urgente”.

“A defesa da floresta, de seus rios e de seus povos é uma missão global e urgente”

União na espiritualidade

Evocando as divindades amazônicas, Iara, Iemanjá, Oxum, Cobra Grande entre outras Mães, Pai Alberto Jorge, coordenador-geral da Articulação Amazônica dos Povos e Comunidades Tradicionais de Matriz Africana (Aratrama), convocou os participantes da Romaria das Águas a se sintonizarem com o lugar, a natureza e o Sagrado que envolvia tudo e todos.

“[Vamos] entrar em nossos corações e alcançar a sintonia com a grande força, o grande poder que está passando entre nós. Estamos flutuando sobre dois grandes rios que formam outro grande rio. Estamos nas águas de Iemanjá, de Oxum, de Iara, nas águas Sagradas do Amazonas, um templo de Deus, que tem sido desrespeitado, profanado”, alertou o Pai de Santo, conclamando a todos a assumir a responsabilidade de resistir e proteger as águas que geram vida.

“Estamos flutuando sobre dois grandes rios que formam outro grande rio”

Romaria das Águas, março de 2025. Foto Ligia Apel | Cimi Regional Norte 1

Romaria das Águas, março de 2025. Foto Ligia Apel | Cimi Regional Norte 1

A exemplo da coragem que moveu organizações sociais e religiosas, ativistas, comunidades ribeirinhas, indígenas, coletividades negras, mulheres e jovens, comprometidos com a causa ambiental a enfrentarem as águas dos rios e as águas da chuva que se abateu sobre a região no dia do evento, Pai Jorge convida:

“[Todos] que não tiveram medo, que tiveram fé e venceram o medo da chuva, do banzeiro, do frio e dos ventos, mostraram que o acreditar foi muito maior e, por isso, eu convido a expandir essa força que nos move, que está dentro dos corações e que precisa contagiar outros corações. É preciso que Manaus venha, encha os barcos de pessoas que gritem: vamos salvar nosso rio, vamos salvar nossas águas. Elas pertencem a nós, não à [empresa] Águas de Manaus, não pertence ao governador, não pertence aos políticos, mas ao povo. Unamos nossas forças e nossa fé e peçamos ajuda a Deus e aos irmãos para continuarmos na luta em defesa das águas e da vida”, concluiu.

“O encontro reafirmou a espiritualidade e a ancestralidade dos povos da floresta, trazendo para o centro do debate a urgente luta pelo acesso à água”

Romaria das Águas, março de 2025. Foto Ligia Apel | Cimi Regional Norte 1

Romaria das Águas, março de 2025. Foto Ligia Apel | Cimi Regional Norte 1

Vozes na COP 30

Padre Sandoval Alvez Rocha, doutor em Ciências Sociais, membro do Serviço Amazônico de Ação, Reflexão e Educação Socioambiental (Sares) e coordenador-geral do Fórum das Águas, adverte que “apesar da riqueza hídrica da Amazônia, milhões de pessoas sofrem com a falta de acesso à água potável e ao saneamento básico” e afirma que, em Manaus, os serviços de abastecimento estão privatizados há 25 anos e, em todo esse tempo, vem gerando tarifas elevadas e atendimento precário, especialmente nas periferias.

Dados e informações como essas levaram a organização da Romaria das Águas e da Semana das Águas em Manaus, mostrando que esse Bem Comum está sendo seriamente ameaçado pelas catástrofes climáticas, consequências dos ataques à natureza para exploração econômica indiscriminada dos seus recursos.

“Apesar da riqueza hídrica da Amazônia, milhões de pessoas sofrem com a falta de acesso à água potável e ao saneamento básico”

Romaria das Águas, março de 2025. Foto Ligia Apel | Cimi Regional Norte 1

Romaria das Águas, março de 2025. Foto Ligia Apel | Cimi Regional Norte 1

Pe Sandoval avalia que “a racionalidade econômica que caracteriza o mundo contemporâneo está levando a humanidade ao precipício, deixando a sociedade sem tempo de respostas”.

No entanto, a sociedade apresenta soluções para a crise climática e, em novembro desse ano, quando o Brasil acolherá a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 30), as vozes da Amazônia serão ouvidas pelos chefes de Estado que estarão traçando acordos para a contenção dos impactos climáticos já sentidos no planeta.

“A racionalidade econômica que caracteriza o mundo contemporâneo está levando a humanidade ao precipício, deixando-nos sem tempo de respostas”

Romaria das Águas, março de 2025. Foto Ligia Apel | Cimi Regional Norte 1

Romaria das Águas, março de 2025. Foto Ligia Apel | Cimi Regional Norte 1

Visando a sensibilização daqueles que podem impedir as catástrofes climáticas, as reflexões e ações impulsionadas pelos eventos de Manaus serão levadas à COP 30. “A sociedade civil da Amazônia se une para reivindicar um modelo de desenvolvimento que respeite a vida, os povos e os territórios”, dizem as organizações que compõem o Fórum das Águas, que tem como objetivo “sensibilizar a sociedade e os poderes públicos em relação à necessidade da criação de políticas públicas voltadas para o cuidado das águas e a necessidade da universalização do saneamento básico, água e esgoto sanitário” afirma Sandoval.

“As reflexões e ações impulsionadas pelos eventos de Manaus serão levadas à COP 30”

Romaria das Águas, março de 2025. Foto Ligia Apel | Cimi Regional Norte 1

Romaria das Águas, março de 2025. Foto Ligia Apel | Cimi Regional Norte 1

Nessa perspectiva, o coordenador da Romaria disse que ela atingiu seu objetivo: “a gente conseguiu chegar à sociedade, vieram vários meios de comunicações e movimentos sociais se aproximaram”, congratula e diz que é preciso que os poderes públicos, tanto locais como mundiais, também se sensibilizem.

“Acredito que sensibilizamos os poderes públicos [locais] para essa necessidade de olhar para o cuidado das águas, penso que também essa sensibilidade vai chegar na COP 30, sendo também impulsionada pelos outros movimentos sociais, a cúpula dos povos, enfim, todos os que estarão presentes em Belém, para poder de alguma forma influenciar as deliberações e as decisões dos representantes dos países”, concluiu.

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