11/03/2025

Indígenas denunciam a morosidade administrativa em seus processos demarcatórios no Maranhão

Povos Akroá Gamella, Kariú-Kariri, Tremembé de Engenho e Tremembé de Raposa relatam que equipe CTL da Funai não cumpre sua principal atribuição: dar assistência aos direitos indígenas

As lideranças relatam que já buscaram a instituição diversas vezes para cobrar o andamento nos processos administrativos de demarcação dos territórios, sem resposta efetiva. Foto: Jesica Carvalho | Cimi Regional Maranhão

As lideranças relatam que já buscaram a instituição diversas vezes para cobrar o andamento nos processos administrativos de demarcação dos territórios, sem resposta efetiva. Foto: Jesica Carvalho | Cimi Regional Maranhão

Por Andressa Algave, da Assessoria de Comunicação do Cimi Regional Maranhão

Lideranças dos povos Akroá-Gamella, Kariú-Kariri, Tremembé de Engenho e Tremembé de Raposa denunciam a morosidade administrativa em seus processos demarcatórios e o descumprimento das funções da Coordenação Técnica Local (CTL) da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), no Maranhão.

As lideranças relatam que já buscaram a instituição diversas vezes para cobrar o andamento nos processos administrativos de demarcação dos territórios: Caúra, em Raposa (MA); Engenho, em São José de Ribamar (MA); e Taquaritiua, em Viana (MA). Os três ainda sofrem com o racismo, a invasão de fazendeiros e a destruição ambiental causada por empreendimentos privados.

“A Funai tem feito um trabalho muito devagar, é o que temos sentido. A gente precisa que acelere, porque todo dia sentimos nossos direitos ameaçados. Quando acontece essa morosidade, de não vir logo a demarcação do nosso território e os processos ficarem praticamente parados nas gavetas, nós sofremos as consequências e quem está ambicioso por esse nosso lugar se sente no direito de entrar e fazer o que bem quer. O nosso direito parece não existir”, conta Tunycwyj Tremembé, liderança do território Caúra, em Raposa.

“A Funai tem feito um trabalho muito devagar, é o que temos sentido”

Segundo a descrição do Regimento Interno da Funai, cabe às CTLs o planejamento, implementação e proteção dos direitos sociais dos povos indígenas, de etnodesenvolvimento e de proteção territorial, em conjunto com os povos indígenas e sob orientação técnica das áreas afins da Funai. No entanto, os povos relatam a falta de servidores destinados ao suprimento da equipe e que a Funai não responde às dúvidas das lideranças e das assessorias jurídicas.

A demora no andamento dos processos também expõe os povos indígenas ao racismo institucional. Em janeiro deste ano, durante o julgamento de uma ação de inconstitucionalidade contra a Comissão Estadual de Prevenção à Violência no Campo e nas Cidades (COECV), o desembargador Raimundo José Barros de Sousa proferiu a frase: “Eu ouvi dizer que tem até índio! Até índio tinha dentro da terra! Onde que tem índio em Ribamar? Só se for índio do bumba boi de Ribamar, porque índio em Ribamar não tem há muito tempo.”

“Quando acontece essa morosidade nós sofremos as consequências e quem está ambicioso por esse nosso lugar se sente no direito de entrar e fazer o que bem quer”

A declaração evidenciou o tratamento dispensado aos povos indígenas cujos territórios ainda estão em processo de demarcação. Sem a titulação da terra reivindicada, essas comunidades enfrentam desafios no acesso a políticas públicas indígenas e um aumento das invasões e disputas de terra por parte de empresas e do latifúndio.

Para Gabriel Serra, assessor jurídico do Cimi Regional Maranhão, os indígenas sofrem as consequências tanto moralmente quanto fisicamente: “Os riscos são a diminuição do patrimônio ambiental dos territórios, a destruição das áreas de vegetação nativa, fauna e flora, a restrição no acesso às políticas públicas indígenas, bem como as ameaças sofridas pelos não-indígenas que ocupam os territórios em processo administrativo declaratório.”

 

Povos sofrem risco de violência

Em novembro de 2024, os povos Akroá-Gamella, Kariú-Kariri e Tremembé de Raposa iniciaram uma ocupação de sete dias na sede da Coordenação Regional da Funai, em Imperatriz (MA), com o objetivo de dar visibilidade às demandas dos territórios. Dos povos que engajaram na ocupação, somente o processo do território Taquaritiua, do povo Akroá-Gamella, está em etapa de visita do Grupo de Trabalho para andamento dos estudos ambientais e de delimitação do território.

“Queremos a publicação imediata da portaria pela demarcação. Mesmo com as dificuldades que eles nos contaram [para o andamento do processo], estamos em retomada e em vulnerabilidade social. A qualquer momento podemos sofrer consequências graves [da morosidade administrativa]”, contou Caw’cre, liderança Akroá-Gamella.

Após a ocupação, os encaminhamentos prometidos pela Funai foram o início das tratativas do Grupo de Trabalho (GT) de demarcação, mas este andamento já era esperado e já havia sido divulgado pela Instituição, segundo Gabriel Serra. “Não houve, na prática, muitos atos [novos] da Funai. Foi dado início às tratativas com o GT do povo Akroá-Gamella, mas este andamento já havia sido anunciado anteriormente”, explica o advogado do Cimi.

“Queremos a publicação imediata da portaria pela demarcação”

No caso do território Caúra, em Raposa, os indígenas sofrem com a invasão, a poluição e o rastro de destruição da empresa imobiliária Canopus. A empresa despeja o esgoto do condomínio Village Pôr do Sol no igarapé e no manguezal do território, afluentes do rio Paciência e que servem de sustento e alimentação para os indígenas e para as comunidades Itapeua e Cumbique. Em fevereiro deste ano, a empresa obteve uma liminar que excluiu os defensores públicos da comunidade do processo judicial e autorizou a continuidade da construção.

No território Engenho, em São José de Ribamar, o trabalho do GT da Funai foi iniciado em 2024 após condenação do Ministério Público Federal (MPF), mas a invasão das empresas privadas segue. A comunidade, que está estabelecida no território há 70 anos, passou a sofrer pressões para que desocupasse as terras a partir de 2012. Atualmente, a Associação Abrangentes do Estado do Maranhão (AABRAEMA) também passou a disputar o território. O povo denuncia que os invasores destruíram roças e envenenaram animais, suas fontes de renda.

“Estamos em uma situação precária, sem informação nenhuma sobre o trabalho do GT”

João Tremembé, liderança do território Engenho, conta que apesar do trabalho do GT já ter começado, a invasão das empresas continua a gerar violências. “Estamos em uma situação precária, sem informação nenhuma sobre o trabalho do GT. Queremos ver se param de construir no território, porque, se continuar, quando o processo for concluído, não vai mais ter espaço para a gente trabalhar.”

Com o povo Kariú-Kariri, de Estreito, a Funai prometeu articular sua inclusão nas políticas públicas indígenas e a avançar no processo de aquisição do território reivindicado, bem como na formulação do GT responsável. No entanto, segundo Iolanda, liderança do povo, nenhuma dessas ações foi concretizada até hoje. “Temos sido violentados devido à morosidade dos órgãos que deveriam nos proteger. Nosso território está sendo cada vez mais devastado a cada dia”, conclui Iolanda.

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