16/03/2025

Articulando lutas: reflexões das lideranças no encontro nacional em Panambi – Lagoa Rica

Durante três dias, estiveram em pauta os desafios enfrentados pelos povos originários e o urgente chamado à ação em defesa dos seus direitos, corpos e territórios; a união e a troca foram centrais, e as estratégias conjun-tas, a esperança

Encontro nacional de lideranças indígenas na TI Panambi – Lagoa Rica (MS) | 18-20/03/2025

Por Tiago Miotto da Assessoria de Comunicação do Cimi* – Matéria publicada originalmente na edição 473 do Jornal Porantim

O Encontro Nacional de Lideranças Indígenas, realizado em Panambi – Lagoa Rica, reuniu representantes de ao menos 24 povos de 14 estados do Brasil, em um esforço coletivo para refletir sobre os desafios que os povos originários enfrentam no cenário atual. Durante os três dias no tekoha Ita’y, as lideranças compartilharam suas histórias de luta a partir de suas regiões, realidades e desafios, e buscaram articular estratégias conjuntas enquanto confrontam a ameaça constante aos seus territórios e à própria existência.

No encontro, a determinação e as histórias de luta não foram apenas palavras, mas um chamado urgente à ação em defesa dos direitos constitucionais. Abaixo, reunimos uma amostra das reflexões das diferentes lideranças sobre o atual momento vivenciado pelos povos originários no Brasil.

“Eles estão a favor da nossa morte, porque, se eles fossem a favor da nossa vida, mandavam demarcar todas as terras indígenas”

Alessandra Korap Munduruku no Encontro nacional de lideranças no tekoha Ita’y, na TI Panambi – Lagoa Rica, em março de 2025. Foto: Tiago Miotto/Cimi

Alessandra Korap Munduruku, coordenadora da Associação Indígena Pariri – Médio Tapajós, Pará: “O que vocês estão enfrentando aqui no Mato Grosso do Sul, a gente também está enfrentando lá no Tapajós. Os garimpeiros, os madeireiros, os fazendeiros, os grileiros estão tomando as nossas terras também.

Nós temos no papel, na Constituição, a garantia de estar no território, de reivindicar a demarcação das terras indígenas. O que está acontecendo hoje é uma mudança na Constituição. Estão criando leis para barrar a demarcação.

Quando [a discussão] chega em Brasília, eles querem que a gente sente numa mesa redonda com fazendeiros, mineradoras, com vários inimigos nossos.

Isso é muito grave, quando a gente coloca inimigos no nosso meio. Não podemos colocar fazendeiro na nossa reunião aqui hoje, por exemplo. Se o fazendeiro chegar bem aqui, se o sojeiro chegar bem aqui, todo mundo vai aceitar? Por que, então, nós temos que aceitar a mesa de conciliação? Eles é que estão matando os nossos filhos, as nossas mulheres, os nossos homens.

Por que nós temos que aceitar fazendeiro aqui, se eles querem a nossa terra? A gente sempre fala: não sentamos com garimpeiros, não sentamos com madeireiros, não sentamos com as mineradoras.

E as mineradoras estão lá porque a maioria investe nesses políticos que querem a nossa terra. Nesses políticos que estão lá querendo mudar a lei para entrar na nossa terra. E o Gilmar Mendes, ou pode ser qualquer um dos ministros, eles não estão a favor da Constituição.

Eles estão a favor da nossa morte. Porque, se eles fossem a favor da nossa vida, do nosso território, eles mandavam demarcar todas as terras indígenas, como estava escrito dia 5 de outubro de 1988. Esse é o papel dos ministros.

E não esse, de querer fazer nós sentar com nossos inimigos, com o inimigo que está estuprando nossos filhos, que está trazendo droga para nossas aldeias, bebida alcoólica para dentro das nossas aldeias.

São esses inimigos que estão sentados lá na mesa da conciliação. São esses inimigos, parentes, que eles dizem que é bonzinho, pegando na mão da gente e dizendo: ‘bora resolver o problema’. Que não é problema nosso, é problema deles.

Eles que colocaram o problema, que chegou nessa situação porque não demarcaram as terras indígenas. E precisa ser demarcado, sim. Dizem que não somos capazes de derrubar uma lei, como essa 14.701. Nós provamos, sim, que somos capazes de derrubar.

No estado do Pará, nós conseguimos derrubar uma lei [Lei 10.820, que desestruturou a educação escolar indígena no estado], que o Helder Barbalho colocou até os próprios parentes para serem o escudo dele. E nós fomos lá com o cocar, com o canto, com a pintura, com a língua e dissemos: ‘nós vamos derrubar essa lei’. E nós derrubamos. Com a nossa força política, parentes.

Tem que procurar caminhos, porque nós temos que botar nosso corpo, as nossas vozes para ir para a luta, para defender o que é nosso. Com nossa força, vamos derrubar a lei 14.701.”

“A perda de um pai, de um filho, de um irmão, de um amigo de luta, vai minando, tentando minar a nossa resistência, mas é necessário que a gente siga firme”

Kretã Kaingang no Encontro nacional de lideranças no tekoha Ita’y, na TI Panambi – Lagoa Rica, em março de 2025. Foto: Tiago Miotto/Cimi

Kretã Kaingang, coordenador da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) – Paraná: “As bases das regiões precisam se levantar. Movimento é movimento e governo é governo, e essas duas partes não se misturam. Uma é responsável por garantir o direito, a outra é responsável por lutar pelo direito.

Toda a minha família, em algum momento na história, ela lutou. Em 1988, meu avô estava na Constituinte. Os artigos 231 e 232 tiveram a participação do meu avô na construção e na garantia desses direitos. Então, eu tenho responsabilidade, como neto dele, a todo custo, de lutar para garantir esse direito constitucional que ele nos deixou como legado.

Eu venho de uma geração do meu pai [Ângelo Kretã], quando deu início a luta pelos nossos territórios no estado do Paraná, nos anos 1970, que em 1980 foi assassinado. Eu entendo bem as dores que cada um de nós aqui sente, da perda de um pai, da perda de um filho, da perda de um irmão, da perda de um amigo de luta. Que vai minando, tentando minar a nossa resistência. Mas é necessário que a gente siga firme.

Em 2021, durante a pandemia, nós, em 60 guerreiros, guerreiras, os anciões e as crianças que estavam conosco, nos levantamos no sul. Partimos rumo a Brasília e decidimos que, se nós tivéssemos que morrer, teríamos que morrer em Brasília, no campo de batalha que era Brasília, na época, contra o PL 490 [que deu origem à Lei 14.701/2023].

A maioria daqui participou desse momento que foi histórico. Ali vimos o exemplo do que é a base se levantando. As lideranças precisam se manifestar, sim, e precisam fazer esse chamado de luta em todo o Brasil, porque o momento é grave.

Nós estamos com essa câmara de conciliação aí, que nós chamamos de mesa de negociação, porque ela é um perigo letal para nós. Hoje, o que se está discutindo dentro da Câmara de Conciliação é pior ainda do que era o PL [490]. E com toda a maldade que estava dentro desse projeto de lei, ainda não era tão ruim como agora ficou essa Câmara de Conciliação, porque ela vem como terra arrasada.

A gente sempre imagina que os projetos de lei saem do legislativo. Mas o STF, que deveria ser o guardião da Constituição brasileira, hoje é o genocida da desconstitucionalização do Brasil. Hoje, eles é que estão acabando com o nosso direito.

Eu tinha oito anos quando meu pai morreu. Quando eu era bem criança, eu lembro que meu pai saía, fazia reunião com as lideranças, saía de novo, ele estava se preparando para fazer as retomadas lá no estado do Paraná, assim como foi em Santa Catarina, no Rio Grande do Sul. Eu venho dessa geração.

Hoje, quando a gente vê essa situação da Câmara de Conciliação, ela não tem que nos amedrontar. A gente tem que continuar firme, forte e se manter vivo. É isso que eu peço para a juventude. Eu perdi minha filha no ano passado, por causa dessa expectativa que tem muitas vezes dentro da comunidade, porque nós vivemos sob pressão. Quem mora em retomada vive sob pressão. Infelizmente perdi minha guerreira para essa doença, que é uma doença que afeta os jovens principalmente, que é a saúde mental. Uma guerreira. Eu estava na expectativa de um dia ela me substituir nessa luta, por ela ter se criado em uma retomada, com os irmãos.

Sei tudo isso que nós passamos dentro de uma retomada, não ter água para a gente tomar, ter que ir mais de três quilômetros para pegar um balde de água, falta de alimento. Tudo isso eu passei com essa minha filha. Que agora, através da luz, da energia ela passa para nós, [possamos] continuar firmes, em pé. Então, eu peço para vocês, juventude: é difícil, é difícil, mas vamos nos manter vivos, porque nada, nada do que nós construirmos é para nós. Cada geração é passageira, e o futuro e o presente pertencem a essa juventude que está presente aqui, e a toda juventude indígena do Brasil, que está aí, nas lutas pelos territórios.”

“Eles sofreram ataques a tiros, um atrás do outro. Mas permaneceram lá. O que garante a nossa terra é o nosso sangue. O artigo da demarcação é o nosso sangue”

Simão Guarani Kaiowá no Encontro nacional de lideranças no tekoha Ita’y, na TI Panambi – Lagoa Rica, em março de 2025. Foto: Tiago Miotto/Cimi

Simão Guarani Kaiowá, coordenador da Aty Guasu – Grande Assembleia Guarani e Kaiowá – Tekoha Kunumi Vera, Terra Indígena Dourados-Amambaipegua I, Mato Grosso do Sul: “O que nos traz aqui: morte, massacre. A gente acaba perdendo nossos parentes, derramando o sangue dos nossos parentes. E agora, tem essa proposta do governo, que vem nos atacando.

É uma ameaça. Depois de toda a esperança que a gente teve, agora vem cada dia mais projetos de lei. Com essa mesa de conciliação, eles acabam nos ameaçando: ou nós aceitamos essa conciliação, ou eles acham formas de nos atacar.

Eles querem que a gente negocie o nosso direito. Eles querem que a gente negocie a nossa vida. E a gente não quer isso. A gente quer que eles cumpram o que está dentro da Constituição Federal e que saia a demarcação. Tem terra aí que não tem o trabalho de GT [Grupo Técnico, responsável pela identificação e delimitação das Terras Indígenas]. Essa aqui [Panambi – Lagoa Rica], falta publicar a portaria. Não publicou… E nós estamos aqui ainda. As pessoas estão garantindo o seu território retomando, e quando retomam, são recebidas à bala.

A gente tem aqui vários territórios que estão sendo ameaçados: ou a gente negocia ou não demarca. No meu território, Dourados-Amambaipegua I, nos chamaram para a mesa de conciliação. A gente não sabe o que eles vão dizer lá. E agora estão vindo essas ameaças novamente: ou a gente aceita essa compra de terras, ou a PEC [Proposta de Emenda Constitucional] 48 passa. O nosso povo ainda está aqui, reforçando a reivindicação. E nossa terra ainda está paralisada.

Nós estamos aqui lutando, nos organizando, para que a gente se junte para garantir alguma terra demarcada.

Eu penso assim, parentes: nós, povo Guarani e Kaiowá, de um lado ou de outro a gente sofre as ameaças. Quando não é no Congresso, é aqui mesmo, na base. E, para garantir nosso território, tem que ser na base. É isso que a gente está fazendo: avançar. Quantas vezes a gente vai para Brasília querendo ouvir das autoridades competentes: ‘tal área vai sair’, ‘tal área vai ser publicada’. Mas nunca sai, e agora está vindo essa ameaça novamente.

E com tudo isso, a gente vê a perda dos nossos parentes, derramamento de sangue das nossas crianças. Aqui tem criança baleada, tem senhora baleada… Tem um rapaz que está com a bala no crânio, na cabeça. Tudo isso a gente passa. Eu tô com a bala na capa do coração. Então, a gente passa por essa situação. É por isso que a gente pede que dessa reunião saia uma pressão, todos nós juntos, para que a gente trace uma estratégia firme e forte, para que a gente consiga garantir o nosso território e a nossa vida.

Recentemente, falaram que sairia a demarcação de [Nhanderu] Marangatu. Só que não foi bem assim. A homologação já estava paralisada, foi suspensa em 2002. Com uma canetada só eles podiam ter resolvido tudo. Mas esperaram morrer dez pessoas, esperaram acontecer um massacre para eles derrubarem [a decisão que suspendeu a homologação]. Era uma canetada só. Não precisava de tudo isso. E com essa canetada, eles compraram terra, e o povo que ficou ferido está lá, sem indenização, sem receber benefício nenhum. E isso dói para nós. Tem uma senhora lá que não vai conseguir nem andar mais, porque levou bala no joelho.

Aqui tem pessoas que são de Marangatu. A gente vê aqui as mulheres com marca de bala. Tem um jovem ali com a marca de bala. A gente perdeu nossa liderança no massacre da polícia, no massacre dos fazendeiros. E a gente segue lutando, sem ter garantia de ter nosso território. Mas mesmo assim, com a nossa força, a gente está segurando nosso território.

Agora mesmo, na semana passada, [a comunidade de] Kurusu Amba fez retomada. Eles sofreram ataques a tiros, um atrás do outro. Mas permaneceram lá. Só assim que a gente consegue a nossa terra. A gente não consegue dizer assim: ‘hoje, a gente vai receber nossa terra publicada pelo governo’. Nunca recebemos e nunca vamos receber. É só com a nossa luta. Sempre a gente fala: o que garante a nossa terra é o nosso sangue. O artigo da demarcação é o nosso sangue.”

“Poucos Guarani e Kaiowá, homens e mulheres, não tem marca de bala no seu corpo, e muitos anciãos já se foram, mas vocês não desistiram”

Ilson Nukini no Encontro nacional de lideranças no tekoha Ita’y, na TI Panambi – Lagoa Rica, em março de 2025. Foto: Tiago Miotto/Cimi

Ilson Nukini – Aldeia Campur, Terra Indígena Nukini, Acre: “Vocês, Guarani e Kaiowá, são um povo guerreiro, abençoado, que não se intimida. Eu pude ver com meus próprios olhos aqui um local queimado. Já aconteceu com nós também, parente. E quando eu falei isso, alguém falou que é a segunda vez que eles queimam aqui os nossos trabalhos, nossas casas. A nossa realidade não é diferente. Queimaram uma vez também nossas casas. Nosso território não é demarcado. Mas aqui eu estou levando experiência para a minha aldeia, para o meu povo, para a nossa realidade, da vida cotidiana de vocês, o pouco que eu aprendi.

Um povo, não tão grande em número de pessoas, mas grande em coragem, grande em espírito. Vocês são um povo guerreiro, não somente materialmente, mas espiritualmente também.

Nós somos 32 famílias do povo Nukini, estado do Acre, município de Mâncio Lima. A nossa luta é igual à de vocês, mas eu quero aqui trazer um recado: não desistam, persistam, perseverem, porque a luta é grande, mas a vitória é maior. Poucos Guarani e Kaiowá, homens e mulheres, não tem marca de bala no seu corpo, e muitos anciãos já se foram, mas vocês não desistiram. Isso é muito bonito de se ver, que não é só os homens que estão à frente da batalha. A luta de vocês é de todos nós.”

“Estamos cercados de desmatamento, cercados de veneno, sendo agredidos toda hora”

Encontro nacional de lideranças indígenas na TI Panambi – Lagoa Rica (MS) | 18-20/03/2025

Antonio Apinajé – Terra Indígena Apinayé, Tocantins: “Nós estamos também na luta em defesa do nosso território, já demarcado, mas muito ameaçado pelo desmatamento, pelo eucalipto, pelo fazendeiro. Semana passada, a gente estava reunido, em assembleia, falando sobre as ameaças que estão ocorrendo no entorno do nosso território, na região do Cerrado. E, numa das falas, nossa liderança, Oscar Apinajé, ele falou assim: “eu já chorei muito pelo meu povo, pelo meu pai, pelos meus avós que morreram lutando”.

Então, por que eu vou ter medo de falar? Por que eu vou ter medo de lutar? Não só pelo meu povo Apinajé, mas enquanto tiver um parente sofrendo, a gente tem que se colocar no lugar dele, a gente tem que sentir a dor.

Por isso que a gente está aqui em Mato Grosso do Sul. Por isso que a gente está aqui manifestando nosso apoio e nossa força para ajudar o povo Guarani e Kaiowá. Eu acho impensável que nenhum governo na história tenha conseguido avançar na demarcação das terras Guarani. E apesar da violência, apesar da ameaça, apesar das perdas, o povo Guarani continua ativo. Continua resistente em busca dos seus territórios, porque é o direito sagrado.

Negar a terra é negar o futuro, negar o direito de existir. O povo está enfrentando uma ameaça existencial, está enfrentando uma luta existencial pela vida, pela existência futura. Então, de forma nenhuma, podemos abrir mão.

A gente sabe que conflitos ao redor do mundo estão acontecendo, e o objeto principal é a terra. São os bens da terra, a água, são os meios de produção, a madeira, o minério, o petróleo, o gás e local de plantio.

Não é à toa que existe esse conflito se eternizando no Mato Grosso do Sul. Como é que vamos resolver? Se a situação está chegando lá no Tocantins, lá em Goiás, lá no Maranhão. O avanço do agronegócio não tem limite, é em todo o território. É a pistolagem, é a grilagem, é ameaça, é o veneno, é o madeireiro, é o correntão. Então, como nós vamos enfrentar isso?

Como nós vamos pressionar o governo federal, pressionar o Supremo? Como que nós vamos pressionar o Congresso, se todos eles são fazendeiros? Eles se apropriaram do Congresso Nacional para botar pressão sobre os territórios. Eles estão lá organizados, se apropriam do espaço público para tomar os territórios.

Estão sabotando a Constituição Federal com o marco temporal. Nós não podemos aceitar. Esse espaço aqui é um espaço de organização, de resistência, não só do Guarani, mas de todos. O que vocês falaram aqui tem a ver com toda a nossa luta, no Tocantins e no Brasil. Mexe com a luta dos povos no Maranhão, no Pará, no Tocantins, no Mato Grosso.

O mínimo é regularizar um espaço territorial para viver em paz, criar os filhos, criar os netos. Está na Constituição brasileira. Por que a autoridade não cumpre? Por que Lula não cumpre? Por que o STF vacila? Por que o Congresso se acovarda, trai, sabota o direito dos povos originários dessa terra?

O território brasileiro tem esse tamanho porque o Guarani, o Terena estavam aqui quando formaram as divisas. Então os povos indígenas aqui garantem a soberania, a liberdade e a defesa dos bens deste país. Nós é que estamos defendendo as florestas. Estamos cercados de desmatamento, cercados de veneno, sendo agredidos toda hora.

Estamos feridos na alma, feridos no corpo. E essas feridas não cicatrizam. É por essas e outras que nós estamos aqui, saindo de Tocantins, do Maranhão, do Pará e de várias regiões para dar esse apoio.”

“Dentro do território Xerente é para a gente caçar, pegar o capim dourado, tirar o buriti. Sem terra, nós não temos vida”

Elza Xerente no Encontro nacional de lideranças no tekoha Ita’y, na TI Panambi – Lagoa Rica, em março de 2025. Foto: Tiago Miotto/Cimi

Elza Xerente – Aldeia Traíra, Terra Indígena Xerente, Tocantins: “No estado do Tocantins, a luta é igual. Todos os povos indígenas do Brasil, onde tem fazendeiros, eles não gostam dos povos indígenas. Tanto que tomaram nossa terra, tanto que já plantaram soja, usina de cana, e querem tomar tudo que nós temos.

Lá no território Xerente, nós temos território demarcado, mas é tanta usina que está tendo ao redor do território indígena. Tem barragem. Eu vou falar aqui para os meus parentes: nós temos que aprender a nos defender.

Nós temos canto, temos tudo que Deus deixou para nós. Mas nós temos que aprender a nos prevenir também. Como é que nós vamos defender nossos netos, nossos filhos? Os municípios se juntaram para nos atacar, não têm dó de atacar os nossos parentes. Eu perdi meu pai também, mas dá muita força para eu gritar e levantar. Nós estamos ainda vivos, lutando pelos direitos de todos.

Dentro do território Xerente é para a gente caçar, pegar o capim dourado, tirar o buriti. Sem terra, nós não temos vida, não. A terra que nosso antepassado nos deixou é para a gente criar nossos filhos, nossos netos. Quando nós falecermos, a terra vai ficar para nosso jovem viver. A terra quem deixou para nós foi o Deus, para nós criar, para nós viver, para nós brincar.

Mas se nós pegarmos dinheiro, amanhã não tem mais nada. Nós não vamos aceitar, nós vamos lutar para falar bem o que nós sentimos. Se nós não lutarmos, quem é que vai levantar por nós? É o momento de nós levantarmos.

O mundo está mudando, o político vai vir aqui, quer negociar tudo. E eu estou vendo esse gás carbônico que está tendo, mas os povos indígenas não vão ganhar nada. Nós vamos vender o que Deus deixou para nós? Não é mercadoria, é trabalho de Deus. Ninguém tem esse poder, não. Aqui quem manda somos nós, para defender a nossa vida, não é para transportar para outro país.”

“Nosso povo é formado por várias etnias, de várias aldeias, várias histórias de massacre, de mortes, e para sobreviver tiveram que sair do seu território tradicional”

Juruna Karaxuwanassu no Encontro nacional de lideranças no tekoha Ita’y, na TI Panambi – Lagoa Rica, em março de 2025. Foto: Tiago Miotto/Cimi

Juruna Karaxuwanassu – Retomada Marataro Kaeté, Pernambuco: “Bremen Yruya, Taipweneyá, bom dia, amigos e parentes. Sou pajé Juruna, do povo Karaxuwanassu. Estamos na retomada Marataro Kaeté, localizada em Igarassu, Pernambuco. Nossos ancestrais estão ali conosco, nos fortalecendo. Sem a espiritualidade, não tem como a gente continuar na luta. Porque o mundo lá fora é muito preconceituoso, muita discriminação.

O povo Karaxuwanassu está no território Marataro-Kaeté. Um dos nossos encantados foi quem nos encaminhou a esse local. Estamos lá há dois anos nessa resistência, mas quem nos segura lá não somos nós, mas sim os nossos ancestrais.

Nosso povo é formado por várias etnias, de várias aldeias, várias histórias de massacre, de mortes, e para sobreviver tiveram que sair do seu território tradicional. Foram para Recife, Xukuru de Ororubá, Xukuru-Kariri, Wassu Cocal, Carapotó, até Warao, da Venezuela, foi para Recife.

E todos esses nos reunimos e formamos um novo povo. Karaxuwanassu significa o grande povo guerreiro. É essa luta com os nossos ancestrais. Por mais que sejamos diferentes nas nossas tradições, nas nossas culturas, conseguimos nos reunir e voltar a lutar. Temos que nos unir, nos fortalecer e somar essa força nessa rede. E é isso que a nossa mãe chama, é um chamado da terra.”

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