19/02/2025

Polícia Federal deflagra operação contra quadrilha de grilagem de terras Akroá-Gamella e Guegue do Sangue, no PI

O grupo criminoso é formado por lideranças indígenas, empresários, funcionários públicos, líderes sindicais e corretores de imóveis

Grilagem em território reivindicado pelos Akroá-Gamella de Uruçuí e Guegue do Sangue tem distribuição de placas com nomes e telefones dos beneficiados. Foto: Comunidade Akroá-Gamella

Por Assessoria de Comunicação – Cimi Regional Nordeste

A Polícia Federal (PF) deflagrou na manhã desta quarta-feira (19) a Operação Aldeia Verde, nos estados do Piauí e do Paraná. Foram realizadas prisões e cumpridos mandados de busca e apreensão com o intuito de desbaratar quadrilha envolvida em grilagem de terras dos povos Akroá-Gamella e Guegue do Sangue.

No esquema, conforme a investigação, empresários investem elevadas cifras, mas ainda assim bem abaixo dos valores praticados no mercado, para a aquisição de terras indígenas por meio da utilização de falsos posseiros, que atuavam como “laranjas” de intermediários, em processos administrativos forjados no Instituto de Terras do Piauí (Interpi).

A quadrilha tem a participação de agentes públicos com acesso ao órgão fundiário, além de dirigentes sindicais e funcionários de cartórios de registros públicos.

“Os documentos eram falsificados para a venda ilegal das terras da União, incluindo áreas de proteção ambiental e terras indígenas”, diz trecho de manifestação da PF à imprensa. A Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), órgão indigenista oficial do Estado, tem procedimento demarcatório nas áreas griladas desde 2018.

Episódios de grilagem se intensificaram durante o período eleitoral com ameaças de morte

Conforme informações do Ministério Público Federal (MPF) do Piauí, órgão que instaurou o inquérito da operação (Ação Penal Processo n.º 1000917-79.2025.4.01.4003), foram cumpridos dois mandados de prisão preventiva e cinco mandados de busca e apreensão em Teresina (PI), Currais(PI), Bom Jesus(PI), Mamboré (PR) e Maringá (PR) para o aprofundamento das investigações.

No ano passado, episódios de grilagem se intensificaram nessas terras indígenas, sobretudo durante o período eleitoral, levando ameaças de morte, agressões e conflitos para as aldeias. Um ‘Feirão da Terra Pública’ foi denunciado pelas lideranças indígenas, além de um sistema de distribuição e venda de terras organizado por whatsapp.

Famílias de posseiros chegam ao território indígena gerando tensão, ameaças e ataques aos Akroá-Gamella. Foto: Divulgação/Comunidade Akroá-Gamella

Funcionamento do esquema

As investigações conduzidas pelo MPF tiveram início em 2022 com a instauração de procedimento investigatório criminal a partir de representação oferecida por um dos investigados. Ele procurou o MPF, em Floriano(PI), para narrar a existência de conflitos e grilagem de terras na região das comunidades indígenas Jacu e Morro D’Água.

Segundo o MPF, “entre meados de 2021 e meados de 2023, um grupo formado por dez pessoas – entre empresários, lideranças indígenas locais, lideranças sindicais, corretores de imóveis e funcionários públicos – promoveu a invasão de aproximadamente 6.600 hectares de terras tradicionalmente vinculadas à etnia indígena Akroá-Gamella (e Guegue do Sangue).

Quadrilha também forneceu armas de fogo e munições para invasores que atuavam sob sua direção

São territórios tradicionais situados em localidades como Morro d´Água e Barra do Correntinho, nos municípios de Baixa Grande do Ribeiro, Uruçuí, Bom Jesus e Currais.

“Visando regularizar a posse dos terrenos invadidos, e assegurar o proveito econômico da conduta criminosa, os denunciados praticaram atos de grilagem de terras, forjando processos de regularização fundiária junto ao Interpi, mediante a apresentação de declarações falsas e a corrupção dos agentes públicos”, diz o MPF.

De acordo com as investigações, o grupo também forneceu armas de fogo e munições para invasores que atuavam sob sua direção, para proteger a ocupação das terras indígenas do interesse do esquema criminoso.

Flagrande de desmatamento do Cerrado e o início da construção de casas em área grilada do território em processo de identificação e delimitação pela Funai desde 2018. Foto: Comunidade Akroá-Gamella do Uruçuí

Identificação de áreas

Conforme o MPF apurou, “intermediadores identificavam as áreas passíveis de apropriação, como terras devolutas tradicionalmente ocupadas pela etnia indígena. Em seguida, procuravam empresários ligados ao agronegócio, dispostos a adquirir as terras por valores muito abaixo dos praticados no mercado, principalmente considerando o seu caráter inalienável”.

Com os recursos obtidos com os empresários/corretores, os intermediadores cooptavam pequenos trabalhadores rurais da localidade, incluindo indígenas, “mediante a entrega de dinheiro e o fornecimento de alimentos, materiais de construção e de armas, para que ocupassem as terras de interesse dos empresários” e, assim, garantir a invasão.

Bando criminoso pagava propina a empregado terceirizado do Interpi

Em contrapartida, aponta o MPF, os posseiros emitiam procurações para que o intermediário exercesse o direito de posse em nome dos “laranjas” perante os órgãos públicos (fundiários, ambientais, de segurança etc.) e realizasse negócios jurídicos com os empresários interessados em adquirir as terras.

“Com essas procurações, ele apresentava requerimentos de regularização fundiária junto ao Interpi, visando a titulação das áreas para o seu grupo criminoso, utilizando-se dos benefícios concedidos pela Lei Estadual nº 7.294/2019. Para tanto, contava com o auxílio e a facilitação obtidos por meio de propina paga a empregado terceirizado do Interpi, técnico em georreferenciamento, que garantia o sucesso do empreendimento”, conclui o MPF.

Para garantir a procedência dos requerimentos junto ao Interpi, ainda de acordo com as investigações, o intermediário buscava o auxílio de dirigentes sindicais e funcionários de cartórios da região, que mediante pagamento de valores expressivos (entre 30 mil e 50 mil reais), expediam certidões fraudulentas.

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