Resistir para Existir: Povo Mura realiza I Assembleia da Organização Indígena da Resistência Mura de Autazes (OIRMA)
Concretizando a proposta dos mais de 300 indígenas Mura de criar uma organização autônoma, legítima e representativa, as aldeias Trincheira, Capivara, Soares, Murutinga e Moyray criam a OIRMA
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I Assembleia da Organização Indígena da Resistência Mura de Autazes (OIRMA). Foto: Gabriel Mura
Reafirmando a resistência diante da invasão de seu território e das diversas estratégias e armadilhas armadas para que o povo Mura entregue seu território à mineração de potássio, as aldeias Trincheira, Capivara, Soares, Murutinga e Moyray, do município de Autazes (AM), com apoio de outras cinco aldeias Mura, realizaram a I Assembleia da Organização Indígena da Resistência Mura de Autazes (OIRMA), no dia 21 de fevereiro, na aldeia Moyray, com o objetivo de fortalecer a luta pelos direitos territoriais, a preservação cultural e a autonomia do povo Mura de Autazes.
O povo Mura luta há décadas para ter seu território demarcado e homologado. Já passaram por diversas ameaças de dispersão e expulsão de suas terras. Atualmente, a ameaça continua e está mais ousada do que em tempos remotos. Em nome do desenvolvimento e sem consultar os indígenas, a empresa Potássio do Brasil se instalou na Terra Indígena Soares/Uricurituba, em 2013, para explorar silvinita, minério base para a produção de potássio, insumo para agricultura utilizado em larga escala pelo agronegócio.
De lá para cá, a empresa, junto a fortes aliados políticos e do poder econômico local, vem tentando de diversas formas e com se estabelecer e iniciar a exploração à revelia dos mais antigos moradores do lugar: o povo Mura.
Irregularidades nos estudos de impacto ambiental; licenciamentos do Instituto de Proteção Ambiental do Estado do Amazonas (Ipaam), quando a competência para tal é de instância federal por ser território indígena; alianças e parcerias com instituições de ensino superior e especialistas sociais e ambientais que desconheciam as irregularidades do processo e dos estudos ambientais; ausência de consulta prévia, livre e informada ao povo Mura garantida pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário; notícias falsas na mídia comercial alegando desenvolvimento, geração de empregos e economia forte para a região; apoio de políticos de alto escalão estadual e federal e, nos últimos anos, cooptação de lideranças que, organizadas no Conselho Indígena Mura (CIM), disseram que estão favoráveis ao empreendimento e afirmaram, erroneamente, que representam todo o povo Mura.
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I Assembleia da Organização Indígena da Resistência Mura de Autazes (OIRMA). Foto: Gabriel Mura
A pressão exercida pela empresa, políticos e aliados com tantos ataques não venceu a resistência Mura. Grande parte do povo continua resistindo e não querendo a mineração, diferente do que o CIM diz e a mídia comercial propaga. “Cortaram nossos galhos, mas não arrancaram nossas raízes, por isso somos a resistência”, afirmaram as mais de 300 lideranças que participaram do VII Encontro do Povo Mura realizado em novembro de 2024, na aldeia Moyray, em Autazes.
Na ocasião, os indígenas fortaleceram e ampliaram sua resistência frente à invasão da mineradora, concordaram que o CIM não mais os representaria e que fundariam uma organização que os representasse com legitimidade. Ideia amadurecida, criaram a OIRMA para unir e fortalecer o povo Mura em uma organização que, verdadeiramente, os represente.
O evento do dia 21 contou com a presença de lideranças, jovens, mulheres, homens e anciãos que trocaram saberes e reafirmaram o compromisso com a resistência e a valorização da identidade Mura. Também compartilharam sua cultura por meio do artesanato e das tradições que os tornam únicos.
A luta da OIRM é contra os ataques e as violações de seus direitos e territórios, para buscar melhorias para o povo Mura e defender os interesses daqueles que resistem aos ataques da mineradora. Segundo seu coordenador eleito, Roni Braga, “a criação é para buscar conhecimento para o povo Mura ser ouvido, levar informações corretas, buscar projetos para as aldeias. A OIRMA não foi criada para brigar com ninguém, mas para que todos os Mura sejam ouvidos”, afirmou.
A Assembleia de criação da OIRMA foi um momento histórico e pretendido. Nos debates, as manifestações revelaram que a organização era desejada e esperada. Soza Dias Mura, liderança eleita como vice tesoureiro, disse que sua criação foi importante para todos os Mura.
“Foi muito importante o passo que a gente deu, na nossa assembleia geral construímos a nossa organização. Para nós indígenas que estamos nessa resistência é uma alternativa pra levar a nossa voz, levar os nossos anseios e dúvidas, tirar as nossas conclusões. Nossos outros parentes estão falando por todos nós, mas não os autorizamos a falar. Não estão respeitando a nossa parte. Isso para nós é mais importante: ser respeitado como nós pensamos e nos organizamos”, advertiu seu Soza, manifestando a expectativa de viver em um ambiente livre.
“Temos a esperança de mostrar para a sociedade que a gente quer um meio ambiente livre, um meio ambiente que a gente possa estar caminhando, passeando por ele, sem nenhum ponto de interrogação [sem dúvidas]”, concluiu.
O Povo Mura da Resistência, como se autodeclaram os indígenas que não querem o empreendimento da Potássio em seu território, relata que a luta persiste há anos. Eles afirmam que a OIRMA é um espaço que consolida o passado, se forma no presente e estará no futuro, nas mãos das próximas gerações. Milena Mura, coordenadora da Organização de Mulheres Indígenas Mura (OMIM), acredita na credibilidade e competência da diretoria eleita e na união de todos, parceiros e indígenas.
“Criamos essa organização com uma diretoria séria e competente para fortalecer as nossas aldeias que precisam de apoio, de parceiros e parentes de outras regiões. Nossos aldeados acreditam que vamos conseguir projetos de sustentabilidade e capacitação para os líderes, que irão deixar o seu legado na nossa história. Esse é um passo de muitos que virão para defender os interesses do povo Mura”, reforça Milena.
O tuxaua da aldeia Capivara, Eliabe Neves Mura, falou com orgulho da fundação da OIRMA. “A OIRMA é resultado da luta de um povo que foi deixado de lado, abandonado. Ela não é nada mais e nem nada menos que os ideais de um povo esquecido no meio de uma tormenta de opressão pela mineração em terras indígenas”, lamentou o tuxaua, citando as necessidades levantadas para a criação da organização.
“A partir de várias reuniões e discussões sobre diversos temas, como demarcação de território, saúde, educação e direitos indígenas, nós vimos a necessidade de uma organização que trouxesse respostas não só para estas demandas, mas também para as futuras, como projetos de sustentabilidade para nossas aldeias”, afirmou.
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Diretoria eleita da OIRMA. Foto: Gabriel Mura
Uma diretoria que une anseios
A diretoria eleita da OIRMA é composta por oito integrantes: Coordenador, Roni Braga Mura; Vice Coordenadora, Leide Lane Mura; Secretária Thainá Ariadne; Segunda Secretária, Maxline Filgueira; Tesoureiro, Irlan Santos Mura; Vice Tesoureiro, Soza Dias; Conselheiro Fiscal, Eliabe Oliveira das Neves; Vice Conselheira, Conceição Marques Lima, e Terceiro Fiscal, Ilson Nascimento Mura.
O coordenador Roni, após a eleição da diretoria, assumiu o compromisso de atuar coletivamente e em diálogo com aldeias e parceiros.
“Nós vamos estar juntos, de mãos dadas, para que a OIRMA seja uma organização respeitada nas nossas aldeias, no nosso território, no nosso município. Vamos fazer uma gestão com responsabilidade e compartilhar ideias e ações junto com nossas lideranças, jovens, professores, pajés e parceiros de lutas. Vamos trazer projetos [de fortalecimento] da cultura Mura, concluiu.
O desafio em maior escala
A resistência nas aldeias é base para a resistência em outras instâncias, em outras pontas da rede de poderes que entrelaçam os interesses na exploração da silvinita/potássio no território Mura.
Apesar do Supremo Tribunal Federal (STF) reconhecer a tese do marco temporal como inconstitucional, o Congresso Nacional aprovou a Lei 14.701/2023 que a regulamenta, acrescentando “outras maldades”.
Dando continuidade aos ataques, em 2024, sob a justificativa de terminar com os conflitos entre fazendeiros e indígenas, o ministro Gilmar Mendes criou o projeto de conciliação, colocando na mesma mesa de negociação, os promotores das violências contra os povos indígenas e as vítimas dessas violências.
Após alguns meses, o ministro redige a proposta de alteração da Lei do marco temporal com sugestões dos “conciliadores”, trazendo mais maldades. Um deles, Luís Inácio Lucena Adams, integra a equipe de advogados e sócios da empresa Potássio do Brasil e representa, na negociação, o Partido Progressista (PP), que, não por coincidência, inclui no Artigo 21 da Proposta a permissão para exploração de recursos minerais em território s indígenas.
Fácil saber que, se aceitas, as alterações na Lei 14.701 favorecerão a empresa que instala suas estruturas na Terra Indígena Soares/Uricurituba do povo Mura, sendo a aldeia Soares a principal área afetada pela exploração de silvinita/potássio, pois a mina está, a despeito de todas as irregularidades, com suas obras em andamento.
Em entrevista à Amazônia Real, que revela o “lobby da mineração de potássio chegando ao STF”, o tuxaua do Lago do Soares, Gabriel Mura, desabafa.
“Quando a gente vê uma notícia dessas, a gente fica de mãos atadas porque a gente vê que o outro lado consegue caminhar a passos mais longos que nós. A gente vai atrás da Funai, vai atrás do Ministério dos Povos Indígenas e parece que pouco somos ouvidos. Quando se fala do povo Mura, quando se fala de potássio, parece que a gente é totalmente esquecido. Mas a gente não vai parar de lutar”.
Conscientes de que a exploração transformará suas vidas porque afetará diretamente seu território e sua cultura, o povo Mura exige que a Funai não perca mais tempo e dê prosseguimento ao processo demarcatório de suas terras com a máxima urgência, pois a exploração já teve início e acontece, praticamente, ao lado de suas casas, sem consulta ou qualquer forma de diálogo, se sobrepondo em território indígena tradicional com mais de 200 anos de ocupação.
Em 26 de fevereiro, três relatorias especiais da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre meio ambiente, mudanças climáticas e direitos indígenas condenaram a minuta da Câmara de Conciliação presidida pelo ministro Gilmar Mendes sobre o marco temporal indígena.
“Expressamos nossa profunda preocupação com a proposta apresentada pela Comissão Especial de Conciliação do STF, que contradiz diretamente a Constituição do Brasil, as decisões do próprio Supremo Tribunal Federal e o direito internacional dos direitos humanos”, diz o comunicado, anunciando ser “um grande retrocesso para os direitos dos povos indígenas, para a proteção ambiental e para as ações voltadas para a emergência climática.
Diante desse quadro de atropelos e violações abertas e às claras, o MPF reforçou em novembro de 2024, o pedido de urgência que havia feito em maio à Justiça Federal, em ação civil pública, na análise do cenário de violações de direitos humanos contra o povo Mura e o avanço do empreendimento da empresa Potássio do Brasil, em Autazes (AM).
A Ação Civil Pública (ACP) foi contra o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), o Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (IPAAM) e a empresa Potássio do Brasil. Requereu, também, a suspensão dos efeitos das licenças de instalação concedidas pelo IPAAM.
À revelia dos requerimentos, “as obras continuam avançando na localidade, sendo urgente a intervenção judicial para frear as violações graves em andamento”, publica o MPF em seu site.
Para o povo Mura que não aceita a mineração em suas terras e para a sua mais recente organização, a OIRMA, é necessário “resistir para existir”, pois “direito à vida não se negocia”.