04/10/2024

Jovens indígenas Mura de Autazes e Careiro da Várzea (AM) participam da 1ª Oficina de Comunicação Indígena Mura

Com o lema “Comunicadores e comunicadoras indígenas: em defesa da vida e do território”, a oficina contou com a representação de 22 jovens das comunidades do povo Mura da região do baixo rio Madeira

Comunicadores indígenas Mura. Foto: Quézia Martins/Cimi

Por Filipe Gabriel da Silva e Silva Mura, tuxauas da aldeia Lago do Soares, Terra Indígena Soares

“Nosso povo tem muito a contribuir como também aprender com as ferramentas certas, onde podem fortalecer a nossa identidade, nossas vidas e vivências. Assim, cada oficina que é proporcionada aos parentes, principalmente para uma juventude que vêm se perdendo com a tecnologia [como a internet e celulares] que está em suas mãos, permite utilizar essas ferramentas para criar possibilidades de divulgação da nossa cultura, do nosso ser Mura. Apesar de estar longe dos prédios, nós estamos juntos da natureza e podemos chegar em vários lugares através das ferramentas da comunicação”.

Esse foi o depoimento de Diego Filgueira Mura, professor e vice tuxaua da Aldeia Moyray, em Autazes, no Amazonas, local onde aconteceu a 1ª Oficina “Comunicadores Indígenas: em Defesa da Vida e do Território”, nos dias 24 a 26 de setembro. O evento contou com a participação de jovens do povo Mura das aldeias Jutaí, Santo Antônio, Ponciano, Trincheira, Lago do Soares, Mura Tukumã, Gavião, Murutinga, Ponta das Pedras e Moyray, dos municípios de Autazes e Careiro da Várzea.

“A oficina de comunicação foi vital, pois mobilizou os pensamentos e as criatividades para engajar notícias e publicidade verdadeira”

Para Diego, “a oficina de comunicação foi vital, pois mobilizou os pensamentos e as criatividades para engajar notícias e publicidade verdadeira. Isso anima a juventude, fortalece as habilidades, que as vezes nem eles sabem que têm, mas que em uma oficina podem se descobrir e se destacar”, assegura.

Realizada em parceria com o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) Regional Norte 1, o coletivo Juventude Indígena Mura (JIM) e aldeia Moyray, e apoio da Organização de Lideranças Indígenas do Careiro da Várzea (OLIMCV) e da Organização das Mulheres Indígenas Mura (OMIM), a oficina teve como objetivo principal “mobilizar os pensamentos e a criatividade com as ferramentas que já têm em mãos na defesa da vida e da nossa identidade”, afirma Diego. O professor Mura reforça que é fundamental que a juventude indígena Mura faça sua comunicação, mostrando suas conquistas e denunciando ameaças a sua vida e cultura.

O povo Mura da região de Autazes e Careiro da Várzea, no Amazonas, tem nos últimos anos enfrentado a grande ameaça da instalação da mineração de silvinita pela empresa Potássio do Brasil. Conforme vêm sendo denunciado pelos indígenas e divulgado na imprensa nacional, o empreendimento tem descumprido leis ambientais e de proteção do povo Mura, chegando ao ponto de disseminar informações falsas sobre os indígenas Mura.

A empresa tem aliciado e assediado lideranças com promessas de emprego, melhoria de vida e desenvolvimento para todos. Ela desconsidera, contudo, a existência e os direitos do povo Mura em serem consultados de forma prévia, livre e informada sobre o empreendimento, como preconiza a Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Em tempos em que o povo Mura foi dividido pelo “desenvolvimento”, faz-se necessário mostrar às pessoas a verdadeira realidade por aqueles que vivem nas aldeias, devendo a denúncia ser feita por eles mesmos.

“Comunicação não é apenas ato de transmissão de conhecimentos, mas um processo de cooperação mental e emocional que se estabelece entre quem envia e quem recebe a informação”

Comunicador Indígena Mura. A notícia da comunidade fortalece nossa luta. Foto: Quézia Martins/Cimi

Na oficina, os jovens aprenderam sobre o conceito de comunicação. “Comunicação não é apenas ato de transmissão de conhecimentos, mas um processo de cooperação mental e emocional que se estabelece entre quem envia e quem recebe a informação, buscando o desenvolvimento humano das pessoas que se envolvem na comunicação”, como relata Lígia Apel, da assessoria de comunicação do Cimi Regional Norte I, mediadora da formação.

Os jovens também diagnosticaram e levantaram os fatos que acontecem na comunidade e que podem virar notícias, mostrando as conquistas, cultura e vida indígena, bem como os problemas e ameaças que o povo Mura vive em seu território. Além disso, aprenderam a estruturar um texto jornalístico com segurança e informações fundamentadas; como fazer uma entrevista com respeito aos conhecimentos da pessoa entrevistada e aprimoraram técnicas de fotografia e vídeo, ferramentas fundamentais para a defesa de seus territórios.

Dentre as notícias identificadas, além da questão das ameaças pela instalação da mineração, os participantes da oficina apontaram outros problemas enfrentados pela comunidade.  Na educação, a ausência de prédios escolares nas aldeias, a insegurança no transporte escolar, oferta de ensino médio e formação continuada dos professores indígenas. Já na saúde indígena, apontaram a falta de postos de saúde, condições de trabalho dos agentes indígenas de saúde (AIS) e a valorização da medicina tradicional. Quanto ao meio ambiente, identificaram que os maiores problemas estão relacionados à seca extrema que trouxe como consequência a dificuldade de acesso à água potável, escassez de alimentos e queimadas descontroladas.

As fumaças decorrentes dos incêndios trouxeram graves problemas de saúde, como doenças respiratórias. E, em relação ao esporte e cultura, entenderam que há necessidade de incentivos e valorização por parte do poder público para a realização de Jogos Tradicionais e campeonatos esportivos.

“Foi interessante ver que a juventude percebeu sua capacidade de identificar as pautas que são de interesse do coletivo, da aldeia da própria juventude”

Comunicador Mura apreentando a atéria produzida pelo grupo a partir da entrevista Foto Ligia Apel/Cimi

Para Quézia Martins, missionária do Cimi Regional Norte I, Equipe Borba, a oficina alcançou seu objetivo na medida que proporcionou a descoberta da capacidade de diagnosticar as informações que podem se tornar notícias na comunidade, apresentando soluções. “Foi interessante ver que a juventude percebeu sua capacidade de identificar as pautas que são de interesse do coletivo, da aldeia da própria juventude. Numa demonstração de que não estão alheios aos fatos de sua vida”, comentou, reforçando a importância de falar por eles  mesmos para suas comunidades e fora delas, avaliou.

Ao final, a oficina deu início, também, à Rede de Comunicadores e Comunicadoras Indígenas Mura, fortalecendo o recém-criado grupo da Juventude Indígena Mura (JIM).

Enriquecimento da Juventude

Para Raquel Santos, de 19 anos, jovem da Aldeia Trincheira de Autazes, “A oficina de comunicação na aldeia Moyray, para mim, foi um espaço dedicado ao desenvolvimento de habilidades e práticas que melhoraram particularmente a minha comunicação. Me senti à vontade para expressar ideias e preocupações, pois acho que é isso que a comunicação promove”, avaliou Raquel, complementando com aprendizados de “escutar ativamente, dar feedback construtivo e resolução de conflitos, a lidar com soluções desafiadoras de forma eficaz, promovendo um clima de harmonia e cooperação”, afirmou.

A presidente da OMIM, Milena Mura, que participou da entrega dos certificados dos participantes, a oficina foi um momento de mostrar sua resistência em defesa da vida Mura. “Hoje, a comunicação faz uma grande revolução no meio da sociedade. As informações [que levamos] através das mídias trazem um impacto muito forte, porque as pessoas veem o que nós vivenciamos no nosso território. Foi muito importante eles mostrarem essa resistência de luta, essa cultura, essa tradição, os nossos costumes. Então, isso só vai aprimorar e fortalecer mais ainda a nossa luta”, assegurou com esperanças: “Ver esses jovens traçando um outro caminho, nos motiva a continuarmos a valorizar esses jovens, adolescentes, principalmente agora as comunicadoras”.

“Na minha visão, foi um momento muito bom porque deu para aprender um pouco mais sobre comunicação”

Comunicadoras Mura exercitam produção de vídeo comunitário Foto Ligia Apel/Cimi

O jovem Juan Cabral, de 18 anos, da Aldeia Mura Tukumã de Careiro da Várzea, destacou a importância da oportunidade para conhecer a atividade de comunicação. “Na minha visão, foi um momento muito bom porque deu para aprender um pouco mais sobre comunicação porque muitos não gostam de sair de casa, outros preferem ficar no celular”, apontou.

Concordando com o argumento, a assessora Lígia Apel, enfatizou que a oficina foi uma verdadeira interação de saberes. “Foi uma grata surpresa ver o empenho incrível que a juventude teve. Se dedicaram e trouxeram muitos elementos que fazem parte da sua vida e que consideram que podem virar notícia das comunidades. Cultura, saberes, conquistas, mas também as ameaças e os problemas que enfrentam. São informações muito importantes que merecem ser divulgadas e mostram que os Mura existem e vão continuar existindo, lutando e resistindo a tudo que ponha em risco sua existência”, celebrou.

Informar para existir

A juventude Mura seguirá aperfeiçoando e fortalecendo seus conhecimentos nas estratégias de defesa de seus territórios e, como comunicadores e comunicadoras, preservarão o presente para garantir seus futuros.

É o que o professor indígena Herton Mura, da Aldeia Santo Antônio, de Careiro da Várzea, diz: “Hoje nós vivemos em um tempo que a informação, por meio da tecnologia, é um veículo de comunicação muito ágil, rápido e com uma velocidade e capacidade de chegar o mais longe possível. Com isso, é de suma importância que o mundo saiba da existência, da resistência, da luta e da resiliência do povo Mura. E como que vão ficar sabendo dessas informações, de tudo que acontece, inclusive das lutas, dos fatos que estão acontecendo nos últimos tempos? Justamente é aí que entra a força da juventude, é aí que entra essa importância da qualificação da juventude, melhorar sua prática no manuseio de aplicativos, aparelhos de celular, máquina fotográfica, material de audiovisual, produção de multimídia”, comemorou.

Com o início da Rede Comunicadores e Comunicadoras indígenas Mura, os jovens ainda precisarão se estruturar com materiais e equipamentos que os ajudem na produção e divulgação dos conteúdos.

“Essa qualificação não é apenas uma questão de marketing ou de profissionalização, mas é muito simbólica na luta da resistência pela preservação do território”

“Esse material é de suma importância para divulgar a existência e resiliência do povo Mura. Então, essa qualificação não é apenas uma questão de marketing ou de profissionalização, mas é muito simbólica na luta da resistência pela preservação do território, da manutenção da cultura indígena”, afirmou Herton.

Para Quézia a comunicação possibilita que “a produção de notícias da comunidade se torna uma ferramenta que possibilita a desconstrução das visões romantizadas, preconceituosas e racistas, colonialistas e negacionistas da existência do povo, como vêm acontecendo com os Mura ao longo dos últimos anos”, afirma.

“Precisamos assumir nosso protagonismo como jovens na sociedade. Repensemos o futuro combatendo a extinção, educando as nossas crianças a cuidar do próprio território. Atitude e esperança se entrelaçam nessa luta por um mundo melhor de se viver”, foi o consenso geral dos jovens participantes da 1ª Oficina de Comunicação Indígena da Juventude Mura que demonstrou que a esperança por dias melhores está nos olhares e na vontade de realizar um mundo novo.

As notícias produzidas durante a Oficina estruturaram o 1º Jornal da Rede de Comunicadores e Comunicadoras Indígena Mura.

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