Retomada Kanhgág Fág Tentu (Três Pinheiros): caminhos pela vida
Lideranças afirmam que retomada realizada no dia 28 de agosto pelo povo Kaingang em Campo Bom, no Rio Grande do Sul, é um movimento em defesa da vida, da terra e das famílias indígenas
De acordo com as lideranças indígenas, a Retomada Fág Tentu (Três Pinheiros), em Campo Bom, no Rio Grande do Sul, realizada no dia 28 de agosto de 2024 pelo povo Kaingang – Kanhgág Coroado, é um movimento natural em defesa da vida, da terra e das famílias que precisam de áreas para constituir seus espaços de moradia e exercer os seus modos tradicionais de ser.
José Vergueiro, uma das lideranças, disse que a Terra está toda sendo tomada, que não há mais os lugares sagrados, tudo foi destruído pela ganância dos brancos. Segundo ele, na natureza sobraram pequenos restinhos, que se não forem cuidados por nós vão sucumbir, desaparecer.
Dona Salete, mulher forte, lembra que os Kaingang sempre foram assim, que nunca ficam no mesmo lugar, precisam se movimentar para formar suas famílias e garantir que a cultura e as tradições se fortaleçam. Que eles não suportam viver sob ambientes onde as liberdades e os jeitos de ser acabam substituídos pelas violências trazidas pelos brancos.
Dorvalino diz que a vida dos Kanhgág, que foram denominados de Kaingang pelos brancos, é guiada pelos mais velhos e pelos Kujã, que a palavra e a espiritualidade deles dão a direção e têm valor. Segundo Dorvalino, esses movimentos de retomadas, de ocupação das terras pelos Kanhgág, são orientações vindas em conversas e sonhos dos mais velhos, por isso eles percorrem esses caminhos pela vida.
A retomada Fág Tetu, em Campo Bom, fica dentro de um espaço público que é de propriedade do estado do Rio Grande do Sul. Segundo os indígenas, a área tem aproximadamente 15 hectares, onde há os prédios da Escola Estadual Quatro Colônias, abandonada e sendo deteriorada pelas intempéries do tempo. No período das enchentes, quando não havia lugar para abrigar as pessoas desalojadas, os Kaingang lembraram com tristeza que naquela escola abandonada existem inúmeras salas vazias e uma quadra de futebol enorme e coberta, onde poderiam ter acolhido dezenas e dezenas de famílias.
Há, numa parte da área, uma clínica veterinária administrada pelo município de Campo Bom, onde prestam assistência aos animais domésticos e realizam castrações.
Os Kanhgág buscam, com essa retomada, assegurar um espaço para viver e continuar trabalhando na confecção e comercialização de seus artesanatos. Eles pedem, de imediato, o fornecimento de água potável, que no momento está em falta, embora tenha havido a visita dos técnicos de saneamento básico da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) para averiguar a situação. Eles se comprometeram em religar a água no local.
Os Kanhgág também requerem do Ministério dos Povos Indígenas (MPI) que as condições postas no Termo de Cooperação assinado em 31 de agosto de 2024 entre o estado do Rio Grande do Sul e o governo federal – através do qual se busca resolver as demandas fundiárias das comunidades que ocupam áreas do estado – se estendam para essa retomada.
A comunidade Kanhgág aguarda que a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e os demais órgãos responsáveis pela assistência e pela regularização fundiária atuem no sentido de assegurar os seus direitos. Também requer que o Ministério Público Federal (MPF) acompanhe a comunidade, defendendo-a perante os órgãos da administração pública e de uma eventual demanda judicial.
A luta pela garantia da terra não se limita aos espaços tradicionalmente rurais ou dentro das grandes florestas. Ela também alcança as parcelas de áreas onde, guiados e guiadas pelos sonhos, pelas memórias e ancestralidades, fortalecidos pela religiosidades e espiritualidades, num movimento corajoso dos corpos, os povos indígenas geram esperança por justiça e pelo Bem Viver a todas e todos os seres.
Porto Alegre, 8 de setembro de 2024