ONU pede ao Brasil conclusão dos procedimentos demarcatórios envolvendo as terras do povo Guarani e Kaiowá
“Como ONU Direitos Humanos, lembramos que os direitos humanos dos povos indígenas não são negociáveis”, declarou Jan Jarab ao lembrar dos 75 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos
O chefe do Escritório Regional de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) na América do Sul, Jan Jarab, em comunicado divulgado nesta terça-feira (6), tratou os recentes ataques às retomadas do povo Guarani e Kaiowá na Terra Indígenas Lagoa Panambi, em Douradina (MS), como “mais uma mostra dos riscos que afrontam os povos indígenas no Brasil na defesa de seus direitos às terras e territórios” e que os procedimentos de demarcação devem ser concluídos.
Conforme o pronunciamento do chefe da ONU, o Estado brasileiro “deve impulsionar ações de prevenção de novos conflitos e atos de violência contra populações indígenas, garantindo a conclusão dos processos de demarcação e desintrusão das terras bem como a implementação de medidas estruturais contra a discriminação e violência que sofrem os povos indígenas no país”.
“A recuperação de terras ancestrais por parte de comunidades indígenas é com frequência resistida com ataques armados por parte de agentes privados, e seus responsáveis costumam ficar impunes”, declarou Jarab. Para ele, o Estado brasileiro deve investigar de forma célere e diligente a recente onda de ataques. Nesta terça-feira (6) a Força Nacional teve o comando regional trocado e o pelotão reforçado: agora composto por 60 agentes e 24 viaturas, recepcionados pela ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara.
No marco dos 75 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, como ONU Direitos Humanos, lembramos que os direitos humanos dos povos indígenas não são negociáveis, diz Jan Jarab
Entre quinta-feira (1) e domingo (4), as retomadas Guaaroka, Yvy Ajere, Kurupa’yty e Pikyxyin sofreram ataques que deixaram ao menos 11 feridos – o jovem Eliezer Guarani e Kaiowá, mesmo com alta hospitalar, segue com um projétil alojado no crânio. Em face do quadro, delegação Guarani e Kaiowá está em Brasília para cumprir agenda motivada por encontro com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em Corumbá, na semana passada. Lula afirmou que voltaria a encontrá-los nesta semana, mas até o momento a audiência não ocorreu.
“No marco dos 75 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, como ONU Direitos Humanos, lembramos que os direitos humanos dos povos indígenas não são negociáveis”, declarou Jarab no comunicado. O chefe da ONU reiterou que a tese jurídica do marco temporal, que estabelece limitações para o reconhecimento e demarcação de terras indígenas, “é contrária aos padrões internacionais de direitos humanos e, portanto, não deve ser implementada pelas autoridades no Brasil”.
Histórico de manifestações
O povo Guarani e Kaiowá é alvo de atenção da ONU há mais de uma década, com visitas de relatorias especiais ao Mato Grosso do Sul, recomendações ao Estado brasileiro, exortações ao governo federal e com a presença de indígenas em Nova York e Genebra, sedes do organismo internacional, para pronunciamentos em assembleias e articulações com grupos de direitos humanos espalhados pelo mundo.
Em julho de 2022, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e o Escritório Regional de Direitos Humanos da ONU na América do Sul reiteraram “grande preocupação com a série de ataques, ameaças e intimidações relatadas por vários povos indígenas no Brasil”. As entidades exortaram o Estado brasileiro a investigar e sancionar esses casos: “bem como a implementar medidas urgentes e eficazes para proteger a vida e a integridade, tanto daqueles que fazem parte desses povos quanto dos que defendem seus direitos”.
Na ocasião, citaram casos ocorridos em 24 de junho de 2022 em que duas comunidades Guarani e Kaiowá foram vítimas de ataques armados por grupos formados por policiais militares e pessoas civis. “Ambas as situações ocorreram no âmbito de processos de despejo de pessoas indígenas de terras que as comunidades Guarani e Kaiowá reivindicam como ancestrais”.
Massacre de Caarapó
Entre junho e julho de 2021, a Conselheira Especial da ONU para a Prevenção do Genocídio, Wairimu Nderitu, manifestou preocupação inédita com a situação os povos indígenas no Brasil durante uma atividade da 47ª Sessão do Conselho de Direitos Humanos do organismo internacional, em Genebra, na Suíça. Entre os casos mencionados por ela está o massacre de Caarapó, que havia completado cinco anos no dia 14 de junho de 2021, sem que nenhum dos responsáveis pelo ataque tivesse sido punido.
Ocorre que há manifestações anteriores, demonstrando o quanto a situação Guarani e Kaiowá é agravada pela morosidade do Estado brasileiro em garantir seus direitos. A então Relatora Especial da ONU sobre os direitos dos povos indígenas, Victoria Tauli-Corpuz, exortou o governo federal, em agosto de 2015, “a garantir que os direitos humanos dos povos indígenas Guarani e Kaiowá sejam plenamente respeitados, em estrita conformidade com as normas internacionais que protegem os direitos dos povos indígenas.”