07/08/2024

Após suspensão de despejo e sob olhar da Força Nacional, fazendeiros destroem barraco de família Avá-Guarani no Paraná

Ação truculenta ocorreu nesta terça (7), após decisão do TRF-4 que suspendeu reintegração de posse contra indígenas. Comunidades da TI Tekoha Guasu Guavirá seguem sofrendo ataques e ameaças

Por Assessoria de Comunicação do Cimi

Na tarde desta terça-feira (7), homens numa camionete destruíram o barraco de uma família Avá-Guarani do tekoha Ara Poty, uma das retomadas estabelecidas pelos indígenas no interior da Terra Indígena (TI) Guasu Guavirá, em Terra Roxa, na região oeste do Paraná. A ação truculenta, filmada pelos próprios fazendeiros, foi realizada poucos dias após a decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) que suspendeu a reintegração de posse contra comunidades do território. Os Avá-Guarani relatam que os disparos e as ameaças contra as retomadas continuam.

Segundo o relato de uma liderança que, por segurança, não será identificada, os fazendeiros que destruíram o barraco da família indígena na tarde desta terça-feira estavam acompanhados da Força Nacional de Segurança Pública (FNSP). O destacamento especializado foi deslocado para a região em janeiro de 2024, por determinação do Ministério da Justiça, e atua desde então nos municípios de Guaíra e Terra Roxa, que abrangem a TI Tekoha Guasu Guavirá.

“Em torno das duas e meia da tarde, entrou uma camionete [na área de retomada], que veio acompanhada pela Força Nacional”, relatou a liderança. “Veio de repente e já chegou em um barraco. O proprietário conseguiu arrancar todo aquele barraco, colocou na camioneta e levou tudo. Foi um ataque. Naquele barraco mora um casal, quatro crianças e um idoso. Foi bem rápido. Quando fomos nos juntar para ver, a camionete saiu e foi embora. O casal ficou sem barraco. Foi um crime, queremos justiça”.

O vídeo gravado de dentro da camionete mostra o veículo parando ao lado do barraco da família Avá-Guarani, que imediatamente começa a ser desmontado por dois homens que descem do carro. Os indígenas assistem à cena perplexos, enquanto sua moradia é destruída.

“Foi combinado com o Jairo, vocês sabem, né?”, diz um dos homens, enquanto eles arrancam a lona que cobria o barraco e removem as estacas que dão sustentação à moradia improvisada dos indígenas. Os ruralistas alegam aos indígenas que a ação teria anuência da Funai. “Vocês vão lá na Funai e falem com o Jairo”, afirma o homem aos indígenas, conforme registrado no vídeo.

A retomada Ara Poty foi uma das nove estabelecidas pelos Avá-Guarani no interior da TI Tekoha Guasu Guavirá em julho. No caso desta comunidade, ela fica na área sobre a qual está sobreposta uma propriedade conhecida como Fazenda Brilhante.

Segundo as lideranças, o despejo ilegal da família indígena foi realizado por cinco pessoas e acompanhado de perto pela Força Nacional. “O proprietário foi [retirar o barraco] com a Força Nacional, que acompanhou tudo o que o proprietário fez e saiu junto com ele”, relata um Avá-Guarani.

“O Avá-Guarani não consegue sair da retomada para procurar alimento para as crianças, materiais de higiene. Quando a gente sai, o proprietário já está em algum lugar caçando o Avá-Guarani, dando tiro em cima”

Reintegrações suspensas, ataques continuam

Na sexta-feira (2), uma decisão do TRF-4 suspendeu as reintegrações de posse contra os Avá-Guarani da TI Tekoha Guasu Guavira, atendendo a um recurso da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e da Advocacia-Geral da União (AGU) contra a decisão do juiz federal João Paulo Nery dos Passos Martins, da 2ª Vara Federal de Umuarama (PR).

Os órgãos federais argumentaram que a ordem de despejo contra os indígenas “só acirraria os conflitos, impedindo ou postergando a efetiva solução da questão, devendo o pedido de interdito e reintegração ser indeferido”.

O argumento foi acatado pelo desembargador Luiz Antonio Bonat, que também suspendeu a proibição de que a Funai prestasse assistência aos indígenas em retomadas na TI. O juiz da 2ª Vara Federal de Umuarama havia proibido a Funai de entregar lonas, madeira, ferramentas e outros materiais que possam ser usados para construção de abrigos/moradias às retomadas Avá-Guarani.

As decisões, contudo, não garantiram o fim dos ataques, das ameaças e da violência contra os indígenas. Segundo uma liderança Avá-Guarani, a comunidade Ara Poty já sofreu ao menos dois ataques a tiros desde que a decisão do TRF-4 foi proferida.

“Tem uma estrada de chão bem perto da retomada. Sempre que passam ali, atiram. E até hoje não parou. Os tiros acontecem a qualquer momento, a qualquer hora. Ontem [6 de agosto] à noite, pelas nove e meia, deram tiros bem próximos à nossa retomada. Depois que suspenderam a reintegração de posse, já deram tiros em cima de nós duas vezes. A camionete passa e atira”, relata a liderança.

Ele conta que os ataques costumam ser rápidos, o que dificulta o registro das ações violentas em vídeo pelos indígenas, que estão sem poder se locomover.

“A gente nem sempre consegue gravar, porque é muito rápido. Eles atiram e já saem”, descreve. “O Avá-Guarani não consegue sair da retomada para procurar alimento para as crianças, materiais de higiene. Quando a gente sai, o proprietário já está em algum lugar caçando o Avá-Guarani, dando tiro em cima”.

A violência contra os Avá-Guarani tem sido contínua e disseminada contra todas as retomadas da região. Nesta quarta-feira (7), outra comunidade indígena da TI Tekoha Guasu Guavirá também sofreu ameaças

Não indígenas reunidos em frente ao tekoha Y'Hovy, em Guaíra (PR), TI Tekoha Guasu Guavirá, na tarde do dia 7 de agosto. Foto: povo Avá-Guarani

Não indígenas reunidos em frente ao tekoha Y’Hovy, em Guaíra (PR), TI Tekoha Guasu Guavirá, na tarde do dia 7 de agosto. Foto: povo Avá-Guarani

Ameaça de despejo com trator

A violência contra os Avá-Guarani tem sido contínua e disseminada contra todas as retomadas da região. Nesta quarta-feira (7), outra comunidade indígena da TI Tekoha Guasu Guavirá também sofreu ameaças e tentativa de expulsão. A comunidade Y’Hovy – uma retomada cuja área ocupada foi ampliada pelos Avá-Guarani em julho – foi alvo de investidas e ameaças durante o dia inteiro e a noite.

Pela manhã, famílias foram ameaçadas por um homem que chegou ao local num trator. Segundo relato das lideranças da comunidade, localizada em Guaíra, o trator é o mesmo que foi utilizado em outras ações contra os indígenas – inclusive numa ação violenta contra a retomada do tekoha Tatury, também em Guaíra.

Na última sexta-feira (2), data em que decisão de reintegração de posse contra os Avá-Guarani foi suspensa, o mesmo veículo foi utilizado para tentar atropelar os indígenas no tekoha Y’Hovy, conforme registrado pela Comissão Guarani Yvyrupa (CGY) em vídeo publicado nas redes sociais.

“Por volta das 8 horas da manhã, o mesmo trator que quase atropelou os Guarani na semana passada foi até a comunidade Y’Hovy. Ele se deslocou até o local com a tentativa de entrar mais uma vez na ampliação do tekoha Y’Hovy, mas os Avá-Guarani conseguiram impedir, e em seguida a Força Nacional chegou no local”, relata outra liderança, que por segurança também não será identificada.

Segundo os relatos, a situação seguiu tensa durante a tarde, com muitos não-indígenas se aglomerando nas proximidades da comunidade. À noite, houve duas tentativas de invasão ao tekoha, efetivada por homens encapuzados.

“Por volta das 8 horas da noite, algumas pessoas encapuzadas, com roupa toda preta, chegaram num barraco que estava um pouco mais afastado, e mais uma vez os Guarani fizeram eles correrem. Mais tarde, à 1h da madrugada, teve mais uma tentativa deles entrarem, mas sem sucesso”, relata a liderança.

Os relatos indicam que a tensão continua e a comunidade teme sofrer novos ataques.

Violência ininterrupta

Desde o início de julho, os Avá-Guarani foram alvo de sucessivos ataques de fazendeiros na região oeste do Paraná. Os ataques começaram após a retomada dos tekoha Ara Poty e Arakoé, realizada no dia 4 de julho. Missionários do Cimi chegaram a ser perseguidos e intimidados ao tentar prestar assistência às comunidades, onde alimentos, roupas e pertences dos indígenas foram queimados pelos fazendeiros.

Pelo menos um indígena foi ferido à bala e outros dois foram atropelados de forma proposital durante os ataques. Em resposta à violência, os indígenas decidiram retomar novas áreas no território, identificado e delimitado pela Funai em 2018 com 24 mil hectares. O processo demarcatório foi suspenso por decisão da Justiça Federal, da qual os indígenas e a Funai recorreram.

Atualmente, há pelo menos nove retomadas estabelecidas na TI, e todas elas sofreram ataques neste período: Arakoé, Ara Poty, Yvyju Avary e Tekoha Tata Rendy, no município de Terra Roxa, e Tatury, Yvyju Avary, Y’Hovy, Jevy e Hite, em Guaíra.

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