Lideranças de 26 povos denunciam em Brasília efeitos da Lei 14.701 sobre seus territórios
Ao longo da última semana, 56 lideranças de povos do Amazonas, Rondônia e Mato Grosso se reuniram com mais de uma dezena de órgãos públicos e embaixadas internacionais
Entre os dias 12 e 16 de agosto uma delegação composta por mais de 50 lideranças indígenas, pertencentes a 26 povos dos estados do Amazonas, Rondônia e Mato Grosso, desembarcaram em Brasília para buscar providências quanto à paralisia na demarcação de suas terras e protestar contra as medidas legislativas que vem atravancando seus processos.
As lideranças dos povos Kujubim, Migueleno, Puruborá, Cassupá, Karitiana, Karipuna, Oro Waram Xijem, Oro Waram, Oro Mom, Kwazá, Aruá, Akainã, Wajoro, Sabanê, Mamaindê, Oro Eo, Tawandê, Guasasugwe, Katitahulu,Mura, Kambeba, Kulina, Kokama, Tenharin, Deni e Kanamari se reuniram com representantes de mais de uma dezena de órgãos do Estado e embaixadas internacionais.
Uma delegação composta por mais de 50 lideranças indígenas, pertencentes a 26 povos […] desembarcaram em Brasília para buscar providências quanto à paralisia na demarcação de suas terras
Durante a semana, acompanharam audiências no Supremo Tribunal Federal (STF) e participaram de reuniões na Sexta Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal (MPF), na Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), na Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), no Ministério dos Povos Indígenas (MPI) e na Secretaria Geral da Presidência da República.
São inúmeras as especificidades dos problemas que atravessam cada um desses povos, mas também não são poucas as questões que compartilham. As violências e ataques contra as comunidades de seus territórios em decorrência da falta de demarcação e das invasões de suas terras pelo garimpo, pela mineração e pelo avanço da monocultura são algumas dessas preocupações em comum.
São inúmeras as especificidades dos problemas que atravessam cada um desses povos, mas também não são poucas as questões que compartilham
“Cada dia que passa as coisas estão se acabando. A destruição está acabando com a mãe natureza. Nós estamos muito preocupados porque Rondônia era um estado que pouco se falava em grãos. Eles falam que é desenvolvimento, mas esse desenvolvimento sustentável a gente não sabe para quê, nem para quem. Nós temos medo de acabarmos junto com a nossa floresta”, externou Hozana Puruborá, da Terra Indígena (TI) Puruborá do Rio Manuel Correia que aguarda desde 2013, sob ataque e ameaças de invasores, o andamento do Grupo de Trabalho (GT) criado para identificar e delimitar suas terras.
Ademais da paralisia nos processos de demarcação, as invasões territoriais e as ameaças impostas pelo garimpo, pela mineração e pelo “veneno da soja”, os indígenas também tem enfrentado as graves consequências oriundas da vigência da Lei 14.701 e da tramitação da PEC 48. Ambas são medidas legislativas que buscam instituir a tese do marco temporal, já superada pelo STF em setembro do ano passado, mas reavivada pelo Congresso Nacional por meio da promulgação da Lei 14.701.
“Nós estamos muito preocupados porque Rondônia era um estado que pouco se falava em grãos”
“Não temos segurança física, nem segurança jurídica em nossos territórios. A Lei 14.701 vai contra nossas vidas. Somos ameaçados por defendermos nossos territórios. Foi uma luta conseguir esses dois artigos [231 e 232 da Constituição Federal] e vem uma lei e para tudo. Os GTs estão todos parados, as demarcações estão paradas”, afirmou, indignado, Willian Filguera, do povo Mura, em reunião com o procurador Luciano Mariz Maia da Sexta Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal (MPF), presente de forma remota.
As medidas legislativas também tem empoderado invasores a adentrar em terras indígenas demarcadas e não demarcadas, incitando a violência e o conflitos contra as comunidades. “Estamos pedindo socorro para outros países porque o Estado brasileiro não está cumprindo seu dever de demarcar e proteger nossas terras. São várias terras invadidas e as terras não demarcadas estão nas mãos de fazendeiros, que estão envenenando nossas terras. Nós indígenas como vamos ficar? Nós não vivemos de soja, não vivemos de boi”, relatou Hozana em diálogo com representantes da Embaixada da Alemanha.
“A Lei 14.701 vai contra nossas vidas. Somos ameaçados por defendermos nossos territórios”
Durante a incursão em Brasília, os indígenas foram recebidos por representantes de cinco embaixadas: Espanha, Alemanha, Canadá, Suíça e União Europeia. As visitas às embaixadas buscavam denunciar as violações do Estado brasileiro contra os direitos dos povos indígenas, relatar as ameaças vividas em seus territórios e dar projeção internacional a suas denúncias.
Na ocasião das visitas, os indígenas entregaram documentos e pediram ajuda à Embaixada para repercutir internacionalmente as denúncias dos povos indígenas brasileiros. “Leve ao seu país a nossa demanda. Nossos territórios estão sendo ameaçados. O marco temporal é um extermínio para os povos indígenas e se hoje existe floresta em pé é porque existem os povos indígenas”, pediu André Karipuna em diálogo com representantes da embaixada da Alemanha no Brasil.