Rede de Proteção a crianças, adolescentes e mulheres indígenas é tema de Roda de Conversa em aldeia Kokama, em Tefé (AM)
Mais de 50 participantes entre jovens, adultos, crianças e adolescentes, dos povos Kokama, Kambeba e Miranha, debateram estratégias de enfrentamento às violências e abusos que sofrem
O povo Kokama da aldeia Boarazinho, na Terra Indígena Ilha do Panamim-Boará-Boarazinho, em Tefé, região do médio rio Solimões (AM), recebeu no dia 21 de junho, lideranças indígenas das aldeias Boará de Cima, Vasques e Boarazinho, dos povos indígenas Kambeba, Kokama e Miranha, e também amigos e instituições parceiras, para uma Roda de Conversa sobre como combater a violência e o abuso contra mulheres, crianças e adolescentes, e refletir sobre estratégias de ampliação e fortalecimento da Rede de Proteção a esse público.
A atividade se insere no projeto “Povos indígenas do Médio Rio Solimões e Afluentes atuando na defesa e garantia dos direitos individuais e coletivos”, realizado pela equipe do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), na Prelazia de Tefé, Regional Norte I. O objetivo é “fortalecer as ações autônomas dos indígenas nos cuidados necessários das crianças e adolescentes, das mulheres, acesso aos direitos sociais, reparação de direito, proteção à maternidade e à infância, acesso à cidadania e articulação com a Rede de Proteção atuante em Tefé”.
“O objetivo é fortalecer as ações autônomas dos indígenas nos cuidados necessários das crianças e adolescentes, das mulheres”
O projeto vem ao encontro da Política de Proteção a Crianças, Adolescentes e Adultos em Situação de Vulnerabilidade do Cimi que “considera inaceitável qualquer violação de direitos de crianças, adolescentes e adultos em situação de vulnerabilidade no âmbito de sua atuação”. Nesse sentido, promover o debate, levar informações sobre a Rede de Proteção no município e estado, dos órgãos e instituições que a compõe e o funcionamento de cada um, é crucial para a defesa, proteção e fortalecimento da autoproteção dos indígenas.
Para os participantes, a “roda de conversa foi muito importante, pois proporcionou aprofundamento dos conhecimentos sobre direitos sociais, os meios para acessar estes direitos e denunciar a violação e as violências sofridas nas instituições e órgãos competentes”, disse Raimundo Nonato, missionário da equipe do Cimi na Prelazia de Tefé, reforçando a necessidade de se “ter um olhar mais atento e cuidadoso para com as crianças, adolescentes e mulheres”, ponderou.
“A roda de conversa proporcionou conhecimentos sobre direitos sociais, os meios para acessar estes direitos e denunciar a violação e as violências”
Quanto à rede de Proteção às Crianças e Adolescentes de Tefé e às mulheres que sofrem violências seja no âmbito familiar, da comunidade ou em outros espaços, Raimundo reforçou a importância da atuação conjunta e disse que “a soma dos esforços, junto com o Cimi equipe Tefé, formam uma rede de aliados da causa indígena atuando na defesa dos direitos desses povos que estão mais vulnerabilizados pela sua condição indígena”, afirmou, lembrando que o preconceito contra indígenas ainda é forte.
A Roda de Conversa contou com a participação e parceria do Conselho Tutelar de Tefé, Centro de Referência de Atendimento à Mulher- CRAM/Tefé e da professora e comunicadora indígena Nayara Kambeba, que voluntariamente contribuiu com as reflexões.
“A soma dos esforços, junto com o Cimi equipe Tefé, formam uma rede de aliados da causa indígena atuando na defesa dos direitos desses povos que estão mais vulnerabilizados”
Nayara, em sua trajetória profissional em Tefé, já se deparou com sérias e cruéis violências contra crianças indígenas e constata o crescente aumento dessas situações.
“A gente percebe que nos últimos meses, e até anos, a violência e abuso contra as crianças tem aumentado drasticamente. E isso é muito preocupante quando se trata de crianças indígenas que estão no seu território e, muitas vezes, por falta de informação para os adultos, acabam caindo nessa trágica fatalidade”, observa, Nayara. Que diz quer estar junto nesse debate por seu compromisso com os povos indígenas. “Para mim, como professora e comunicadora indígena, se torna muito mais importante estar nesse debate por conta de toda a responsabilidade e compromisso de professora indígena que a gente tem”, afirmou.
“A gente percebe que nos últimos meses, e até anos, a violência e abuso contra as crianças tem aumentado drasticamente”
Do povo Kokama, a professora indígena Valcidheice Pereira, da aldeia Boará de Cima, também vê que a falta de informação, principalmente sobre a que órgão recorrer quando se vive ou se depara com uma violência, é o que deixa os indígenas vulneráveis. “Nossas crianças são muito frágeis e elas só têm a gente pra defender. Se a gente como mãe, como responsável, como adulto, não souber o que fazer ou pra quem pedir ajuda quando presenciar uma cena, fica muito difícil”, lamenta, reforçando a importância das informações e conhecimentos trazidos na Roda de Conversa. “É muito bom receber essas informações desses órgãos porque a gente já não vai ficar despreparada, a gente já não vai ficar ali à mercê da injustiça”, afirmou.
Quanto à proteção da mulher indígena, Valcidheice considera, da mesma forma, que a informação é a melhor medida. “Tem mulheres que não sabem como fazer isso [a quem recorrer em caso de violência], tem mulheres que pensa que a violência só é aquelas que o homem bate, agride, que é só quando o homem toca nela que o abuso acontece, mas não. A gente aprende que o simples fato de se sentir incomodada com uma ação que a gente não quer, aquilo ali já é um crime, né?”, esclareceu, dizendo que o debate trouxe “muita clareza, abriu os olhos da gente e [os conhecimentos sobre os órgãos] são instrumentos que a gente pode usar, agora a gente sabe a quem recorrer”, concluiu.
“É muito bom receber essas informações, porque a gente já não vai ficar despreparada, a gente já não vai ficar ali à mercê da injustiça”
O projeto desenvolvido pela equipe do Cimi, Prelazia de Tefé, tem suas ações planejadas a partir da realidade que vivem os indígenas da região, visando o fortalecimento das lideranças para sua proteção e para a luta por garantia de direitos.
“O projeto é focado na realidade dos indígenas, fortalecendo capacidades e estratégias para o enfrentamento das violências e ameaças sofridas nos territórios e sequelas deixadas pelos impactos das mudanças climáticas (secas e cheias dos rios), incidências por garantia de direitos, articulações e ações conjuntas com instituições e organizações indígenas, a luta por garantia das políticas públicas de qualidade, para o combate à violência contra as mulheres e na promoção de espaço de formação aos jovens sobre os direitos e compreensão do funcionamento do Estado brasileiro. Assim, a perspectiva é de renovação e continuidade de luta e resistência”.
“O projeto é focado na realidade dos indígenas, fortalecendo capacidades e estratégias para o enfrentamento das violências e ameaças sofridas nos territórios”
Com esses horizontes, as Rodas de Conversa sobre direitos indígenas, especialmente a Rede de Proteção à Crianças, Adolescentes e Mulheres, vão continuar nos territórios indígenas de Tefé. A próxima acontecerá na Terra Indígena Porto Praia de Baixo, do povo Kokama.