24/06/2024

Em Brasília, indígenas Tapirapé cobram a imediata desintrusão da Terra Indígena Urubu Branco (MT)

A delegação de quinze lideranças, que esteve na capital de 10 a 14 de junho, assegura que “o que está em jogo hoje é a vida”

A delegação, composta por cerca de quinze lideranças, entre eles jovens e anciões, tiveram audiências com representantes de diversos órgãos de Estado que atuam juntos aos povos indígenas. Foto: Adi Spezia | Cimi

A delegação, composta por cerca de quinze lideranças, entre eles jovens e anciões, tiveram audiências com representantes de diversos órgãos de Estado que atuam juntos aos povos indígenas. Foto: Adi Spezia | Cimi

Por Adi Spezia, da Assessoria de Comunicação do Cimi

Com seu território tradicional completamente invadido por madeireiros, fazendeiros e grileiros, indígenas do povo Tapirapé, autodenominado Apyãwa, da Terra Indígena (TI) Urubu Branco, estiveram em Brasília, de 10 a 14 de junho, para cobrar a desintrusão do território. Além dos constantes conflitos fundiários, os Tapirapé vivem em situação de extrema vulnerabilidade por conta das queimadas e do avanço do agronegócio e a pulverização de agrotóxicos em aviões na região.

A delegação, composta por cerca de quinze lideranças, entre eles jovens e anciões, tiveram audiências com representantes de diversos órgãos de Estado que atuam juntos aos povos indígenas. Em todas as reuniões cobraram a retirada imediata dos invasores do interior da Terra Indígena.

“Não estamos aqui simplesmente para conhecer Brasília, de passeio. Estamos aqui simplesmente para dizer: apoiem a gente”

“Não estamos aqui simplesmente para conhecer Brasília, de passeio. Estamos aqui solicitando uma coisa séria, seríssima. Estamos aqui simplesmente para dizer: apoiem a gente”, explica Genivaldo Tapirapé.

As lideranças apontam que há muito tempo buscavam se reunir com representantes dos ministérios dos Povos Indígenas e da Justiça, da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e da 6ª Câmara de Coordenação e Revisão (6ª CCR) do Ministério Público Federal (MPF). “Peço que vocês ouçam com toda atenção a nossa reivindicação, as nossas preocupações, porque o que está em jogo hoje é a vida”, apela Genivaldo.

“Peço que vocês ouçam com toda atenção a nossa reivindicação, as nossas preocupações, porque o que está em jogo hoje é a vida”

A delegação de quinze lideranças, que esteve na capital de 10 a 14 de junho, assegura que “o que está em jogo hoje é a vida". Foto: Adi Spezia | Cimi

A delegação de quinze lideranças, que esteve na capital de 10 a 14 de junho, assegura que “o que está em jogo hoje é a vida”. Foto: Adi Spezia | Cimi

A proteção da TI, como prevê a Constituição nos Artigos 231 e 232, esteve presente na fala de cada uma das lideranças Tapirapé em tons de denúncia e cobrança.

A ausência do Estado brasileiro leva à situação de extrema vulnerabilidade dos Tapirapé, como mostra o relatório “Cumplicidade na Destruição III – Como Corporações Globais Contribuem Para Violações de Direitos dos Povos Indígenas da Amazônia Brasileira”, publicado pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e pela Amazon Watch, em 2020. O documento revelou a conexão de grandes fundos financeiros com empresas associadas a conflitos em territórios indígenas e violações de direitos.

“A ausência do Estado brasileiro leva à situação de extrema vulnerabilidade dos Tapirapé, como mostra o relatório”

Segundo o estudo, seis instituições financeiras estadunidenses lideram os aportes a estas empresas e somaram, juntas, investimentos de mais de US$ 18 bilhões, entre 2017 e 2020. São elas BlackRock, que sozinha investiu US$ 8,2 bilhões, Citigroup, J.P. Morgan Chase, Vanguard, Bank of America e Dimensional Fund Advisors. Três setores estratégicos para a economia brasileira – mineração, agronegócio e energia – geraram conflitos com povos indígenas da Amazônia nos últimos anos, consta o estudo.

Um dos anciões da TI falou na sua língua, e foi traduzida por Genivaldo: “todos os recursos naturais que a gente utiliza para realizarmos o nosso dia a dia, os rituais, as práticas culturais que são importantes para a comunidade, estão acabando, nós vamos morrer”. A preocupação para com os filhos e netos também esteve presente nas falas, bem como a preocupação quanto aos invasores.

“Todos os recursos naturais que a gente utiliza para realizarmos o nosso dia a dia, os rituais, as práticas culturais, estão acabando, nós vamos morrer”

A ausência do Estado brasileiro leva à situação de extrema vulnerabilidade dos Tapirapé. Foto: Adi Spezia | Cimi

A ausência do Estado brasileiro leva à situação de extrema vulnerabilidade dos Tapirapé. Foto: Adi Spezia | Cimi

“Nós estamos cansamos de esperar, de ser tolerantes. Vamos convocar nossos guerreiros para a guerra, estamos aqui apenas para comunicar, se o Estado não fizer a desintrusão”, alerta o ancião já com expressões de cansaço ao final do dia de mobilização na capital federal.

A preocupação dos Tapirapé está fundamentada na vivencia diária no território invadido por não-indígenas. A Terra Indígena Urubu Branco está entre as mais afetadas por incêndios e devastação. Registros de focos de incêndio e alertas de desmatamento e degradação do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) corroboram as denúncias das lideranças. Os dados do centro de pesquisas apontam que em 2019, especialmente a partir do mês de setembro, aproximadamente 17,5% da TI Urubu Branco foi atingida por queimadas.

“Vamos convocar nossos guerreiros para a guerra, estamos aqui apenas para comunicar, se o Estado não fizer a desintrusão”

“Antes, eram os pequenos que estavam lá, na época era levantamento fundiário. Hoje são os grandes que estão de má-fé, o agronegócio, contaminando a nossa terra. O resultado é muita destruição, porque o nosso alimento está sendo contaminado. Não dá mais para esperar o papel de vocês”, reforça Reginaldo Tapirapé. “Este é só um comunicado”, completou aos representantes dos órgãos de Estado, presentes na audiência.

“Hoje são os grandes que estão de má-fé, o agronegócio, contaminando a nossa terra. O resultado é muita destruição”

Disputa judicial

Localizada ao Leste do Mato Grosso, a Terra Indígena Urubu Branco foi homologada e registrada pela União em 1998. Desde então, os indígenas cobram a retirada dos não-indígenas da área, sem sucesso.

A TI é alvo de Ação Civil Pública (ACP) ajuizada em 2003 pelo Ministério Público Federal (MPF), pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e pela União contra a permanência de não-indígenas na área de cerca de 167,5 mil hectares.

“Não dá mais para esperar o papel de vocês”

De forma liminar, a primeira instância da Justiça Federal determinou a imediata desintrusão dos particulares da TI. A decisão foi confirmada na sentença que determinou aos réus e a todos os ocupantes não-indígenas a se retirarem da TI, e de se absterem de promover ocupações ou quaisquer outros atos restritivos da posse direta e usufruto exclusivo da comunidade indígena. Além disso, condenou os réus a pagarem indenização por danos ao meio ambiente, e determinou o pagamento de indenização administrativa pela Funai aos réus pelas benfeitorias de boa-fé na área.

Em 10 de fevereiro de 2021, após disputa judicial de quase vinte anos e com parte do seu território tradicional invadido, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luiz Fux, confirmou a decisão que determina a retirada dos não-indígenas do interior da TI Urubu Branco. À época, os Tapirapé comemoraram a decisão, porém “na prática a desintrusão ainda não aconteceu, também não há impedimentos jurídicos para que isso aconteça”, denunciam as lideranças.

“Não há impedimentos jurídicos para que a desintrusão da TI Urubu Branco aconteça, até porque há uma decisão judicial já determinando que sejam retirados da TI invasores”

Além de cumprir com a determinação judicial, a desintrusão da TI Urubu Branco se faz necessária para evitar ainda mais violência contra os Apyãwa. Foto: Adi Spezia | Cimi

Além de cumprir com a determinação judicial, a desintrusão da TI Urubu Branco se faz necessária para evitar ainda mais violência contra os Apyãwa. Foto: Adi Spezia | Cimi

Rafael Modesto, assessor Jurídico do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), que acompanhou a delegação na capital, conta que “não há impedimentos jurídicos para que a desintrusão da TI Urubu Branco aconteça, até porque há uma decisão judicial já determinando que sejam retirados da TI invasores, inclusive todos de má fé, em função do pagamento das benfeitorias daqueles que tinham direito de já ter ocorrido”, completa o advogado.

Além de cumprir com a determinação judicial, a desintrusão da TI Urubu Branco se faz necessária e imediata para evitar ainda mais violência contra os Apyãwa, diante da grave situação que se instalou na região.

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