11/06/2024

Cacique e vice-cacique no Amazonas são perseguidos por defenderem direitos coletivos dos povos indígenas

Indígenas da Terra Indígena Rio Urubu reivindicam melhoria da Educação, em represália, uma das lideranças é denunciada por desacato, difamação e ameaça

Cacique e vice-cacique da aldeia Correnteza, advogado Francisco Rosquilde e CPT após a audiência no fórum. Crédito: Rosquilde

Cacique e vice-cacique da aldeia Correnteza, advogado Francisco Rosquilde e CPT após a audiência no fórum. Crédito: Rosquilde

Por CPT Prelazia de Itacoatiara (AM)

Caciques e cacicas, condutores estudantis e professores da Terra Indígena Rio Urubu, reivindicam melhoria da Educação. Em represália, uma das lideranças é denunciada por desacato, difamação e ameaça pela coordenadora da Educação Indígena da Prefeitura de Itacoatiara (AM).

No dia 05 de março de 2024, caciques, condutores estudantis e professores da TI Rio Urubu foram à Secretaria Municipal de Educação (SEMED) de Itacoatiara para tratarem sobre os problemas da Educação Indígena nas aldeias. As principais demandas eram relacionadas à redução de professores e condutor estudantil, merenda escolar e melhoria na estrutura das Escolas.

“Os indígenas reivindicam melhoria da Educação, em represália, uma das lideranças é denunciada por desacato, difamação e ameaça”

Em meio ao diálogo com a então Coordenadora da Educação Indígena, Joseane Medeiros (hoje não mais respondendo pela pasta) e com o pedagogo Thiago Pinto, o cacique Cacheado (Elpídeo) enfatizou que os problemas já perduravam há mais de três anos, e que todas as vezes que as lideranças procuravam o órgão público, a resposta da servidora era que não era possível resolver nada. Isso demostrava falta de competência por parte da Coordenação.

“Esses problemas já duram mais de 3 anos. Já estivemos aqui por várias vezes, e a única resposta que sabem dar é que não podem resolver o problema. Isso é incompetência da Coordenação. Se não resolvem nada, então pra quê serve essa Coordenação? Não serve pra nada? Vocês estão aqui para servir a gente sobre a Educação, essa é a função de vocês. Não vou permitir que as aulas comecem sem professor na escola da minha aldeia. A outra coisa é a questão da Escola Indígena na Aldeia Correnteza, desde de 29 de maio de 2018 a Lei Nº 336, de 04 de julho de 2017, que reconhece a Escola que funciona como Anexo II da Escola Municipal Manuel de Souza, como Escola Indígena Elpídio Marques Santana, foi promulgada pela Câmara Municipal de Itacoatiara, mas até hoje a prefeitura não efetivou a Escola Indígena, por conta disto estamos perdendo nossos direitos educacionais”, disse o cacique Cacheado.

“Já estivemos aqui por várias vezes, e a única resposta que sabem dar é que não podem resolver o problema”

Lei 336, de 04 de julho de 2017, Câmara Municipal de Itacoatiara. Crédito: Arquivo CPT

Lei 336, de 04 de julho de 2017, Câmara Municipal de Itacoatiara. Crédito: Arquivo CPT

Os servidores públicos tentaram intimidar o cacique, dizendo que iriam denunciá-lo por ofensa. O cacique resolveu sair da sala, deixando somente sua esposa, vice-cacique e os outros parentes para continuar a reunião.

Cacheado foi intimado a depor na delegacia de Polícia Civil, e no último dia 06 de maio, participou da audiência preliminar no Juizado Especial da Comarca de Itacoatiara – JE Criminal Estado do Amazonas, acompanhado pelo advogado popular Francisco Rosquilde e pela Comissão Pastoral da Terra Prelazia de Itacoatiara. As partes litigantes propuseram pagamento de 35% do salário mínimo ou prestação de serviço comunitário, mas o Cacique manifestou-se pela continuidade do processo para a apuração dos fatos, pois a causa envolve direitos coletivos dos indígenas e, segundo o cacique, a denúncia estaria supostamente revestida de vícios processuais.

“Os problemas já perduravam há mais de três anos, e todas as vezes que as lideranças procuravam o órgão público, a resposta era que não era possível resolver nada”

Suposto topógrafo tirando coordenadas da área sem a permissão da liderança e comunidade indígena. Créditos: Arquivo CPT

Suposto topógrafo tirando coordenadas da área sem a permissão da liderança e comunidade indígena. Créditos: Arquivo CPT

Histórico dos conflitos

Em 19 de abril de 2022, os referidos servidores públicos afrontaram o cacique Cacheado dentro da sua aldeia. Joseane e Thiago chegaram na aldeia, juntamente com dois supostos topógrafos, e os determinaram a tirarem coordenadas geográficas de uma área isolada apontada pela servidora para construção de uma Escola com Quadra Poliesportiva, sem mesmo ter sido autorizada pelo cacique. A atitude desrespeitosa foi presenciada por dois agentes da CPT Prelazia de Itacoatiara e 4 missionárias das Irmãs Negras Agostinianas, que questionaram a atitude dos servidores, os quais explicaram que estavam a mando do prefeito de Itacoatiara, Mário Jorge Bouez Abrahim.

De acordo com as pessoas presentes, a servidora afirmou que o recurso de cerca de 1 milhão de reais era provindo de uma emenda parlamentar, e o tempo estaria se esgotando para a construção da escola e da quadra. Ela estaria sendo pressionada pelo prefeito a resolver a situação, com o risco de perder o cargo. Ainda acrescentou que apenas o cacique Cacheado e sua a comunidade não aceitam que a escola seja naquele lugar, diferente de outros líderes de comunidades vizinhas que já teriam aceitado a proposta.

“A servidora afirmou que o recurso de cerca de 1 milhão de reais era provindo de uma emenda parlamentar, e o tempo estaria se esgotando para as construções”

O cacique rebateu dizendo que o local era distante da sede da comunidade, que precisaria derrubar árvores e que por conta da distância, os parentes não teriam condições de cuidar do empreendimento. Além disso, a comunidade não tinha sido consultada, apenas havia tido reunião com os caciques. A servidora insistiu que iria apresentar as coordenadas ao prefeito, mesmo sem a autorização do cacique Cacheado, e que iria denunciar a liderança por estar atrapalhando a construção da Escola.

Posteriormente, consultando o prefeito sobre esta suposta emenda parlamentar comentada pela servidora, as lideranças indígenas receberam a informação de que não havia esse recurso, nem algum outro valor para construção de escola na referida Terra Indígena.

“O período da gestão de Joseane e Thiago na pasta da Educação Indígena foi marcado por denúncias e problemas”

O período da gestão de Joseane e Thiago na pasta da Educação Indígena foi marcado por denúncias e problemas. Um desses episódios é a situação das aulas na Terra Indígena Arauató, que estão paralisadas há mais de 10 anos, e mesmo tendo aluno suficiente para a abertura de turma do ensino fundamental na aldeia e a cacica ter apresentado demanda a tempo hábil na Coordenação, a turma não foi aberta, o que obrigou as crianças indígenas a serem matriculadas em uma escola de comunidade não indígena, para não ter que ficar sem estudar. Este caso foi denunciado ao Ministério Público Federal em agosto de 2022, numa reunião na TI Arauató, onde o procurador Federal Fernando Merloto Soave esteve presente.

Outro caso foi referente ao início das aulas nas Escolas da TI Rio Urubu: segundo as lideranças indígenas, as aulas começaram no mês de março, mas a secretaria queria que as lideranças indígenas assinassem um documento dizendo que as aulas teriam começado em fevereiro.

“As aulas começaram no mês de março, mas a secretaria queria que as lideranças indígenas assinassem um documento dizendo que as aulas teriam começado em fevereiro”

Reunião com o procurador da República para denúncias sobre os problemas da educação na TI Arauató. Crédito: CPT

Reunião com o procurador da República para denúncias sobre os problemas da educação na TI Arauató. Crédito: CPT

Reivindicação pela Educação Indígena

Em 06 de maio de 2024, os caciques e cacicas da TI Rio Urubu reuniram-se com o prefeito e apresentaram diversos problemas da Educação Indígena nas aldeias, exigiram a mudança imediata da Coordenação, e que fosse com indicação dos indígenas.

Dia 04 de junho, aconteceu no Auditório da SEMED Itacoatiara a posse da nova Coordenação da Educação Indígena, conforme reivindicado pelos caciques. Porém, ainda a SEMED manteve uma servidora no cargo, alegando a mesma seria efetiva e que o prefeito teria pedido a permanência dela na pasta.

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