10/05/2024

Ministra Sônia Guajajara visita TI Xukuru Kariri para reafirmar decisão do governo de protelar demarcações

Conforme a ministra, “forças contrárias” vêm forçando o governo federal a protelar demarcações, além da Lei do Marco Temporal

A visita da ministra aos Xukuru Kariri teve como objetivo prestar esclarecimentos sobre a razão da Terra Indígena ainda não ter sido homologada. Foto: Daniela Oliveira da Silva/Cimi Regional Nordeste

Por Renato Santana, da Assessoria de Comunicação do Cimi Regional Nordeste

Seu Antônio Celestino Xukuru Kariri, 86 anos dedicados à luta pelo território tradicional de seu povo, ouviu atento a ministra dos Povos Indígenas Sônia Guajajara nesta quinta-feira (9), durante visita à Terra Indígena Xukuru Kariri, em Palmeira dos Índios, Alagoas.

“A gente acredita que é só uma assinatura, mas percebemos que existem muitas outras forças contrárias impedindo de fazer (o procedimento demarcatório) avançar”, disse a ministra.

Sônia afirmou que existe vontade política do governo de fazer as demarcações, mas “forças contrárias” têm barrado a publicação de portarias declaratórias, o avanço de processos e as homologações. A decisão do governo de protelar a conclusão dos procedimentos demarcatórios seria em busca de condições políticas mais adequadas.

A visita da ministra aos Xukuru Kariri teve como objetivo prestar esclarecimentos sobre a razão da Terra Indígena ainda não ter sido homologada, além da busca por um diálogo institucional junto ao governador de Alagoas, Paulo Dantas (MDB). Sônia disse ainda que a Lei 14701/23 também vem criando dificuldades para o governo cumprir com suas obrigações demarcatórias.

Na conclusão de seu Antônio Celestino, a visita da ministra, embora importante, serviu para dizer que o governo federal não tem autonomia para cumprir a Constituição Federal na conclusão dos procedimentos administrativos de demarcação de territórios, cedendo aos interesses privados de políticos, parlamentares e empresários influentes.

“Os povos indígenas têm de fazer muito movimento, muita mobilização. O governo, a Justiça não vão dar nada de graça, não”, disse seu Antônio Celestino. O indígena é pai de Maninha Xukuru Kariri, uma das fundadoras da Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme).

A Portaria Declaratória da TI Xukuru Kariri está publicada desde 2010: são 14 anos de espera para a conclusão do penúltimo passo do procedimento

Ida a Brasília: em vão

O indígena esteve durante o mês de abril em Brasília, atendendo a um pedido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que gostaria de entregar para seu Antônio a homologação assinada da Terra Indígena. A Portaria Declaratória da TI Xukuru Kariri está publicada desde 14 de dezembro de 2010; são 14 anos de espera para a conclusão do penúltimo passo do procedimento, de um total de sete, finalizando com o registro em cartório.

Durante a última reunião do Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI), no dia 18 de abril, na Esplanada dos Ministérios, se esperava que Lula assinasse a homologação de seis terras indígenas, entre elas a Xukuru Kariri. No entanto, Lula assinou apenas duas e entre elas não estava a do povo de seu Antônio Celestino.

“Nós queremos o melhor para os indígenas e para os produtores rurais, mas se tiver gente que grilou terra, nós precisamos de uma solução negociada ou então entrar na justiça para tirar eles. Não podemos assinar hoje e amanhã sair uma decisão da Justiça na direção contrária. A frustração seria maior”, disse Lula.

O movimento indígena ouviu o presidente com incômodo e as lideranças rapidamente viram um filme se repetir diante de seus olhos. Organizações indígenas pontuaram que a obrigação da Presidência é homologar as terras indígenas, não se tratando de uma escolha política aleatória.

“Sabemos dessa dificuldade, mas sabemos também que não é o primeiro governo do PT”

Erro que se repete

Entre o primeiro e segundo mandatos da presidente Dilma Rousseff (PT), o então ministro da Justiça José Eduardo Cardozo, à guisa de conciliação, instalou as denominadas “mesas de diálogo” entre povos indígenas, governo federal e reclamantes privados das terras a serem demarcadas. O objetivo era retirar das demarcações as áreas litigiosas.

Os Xukuru Kariri não aceitaram a redução da demarcação e, desde então, mesmo com todo o procedimento demarcatório concluso para a homologação da Presidência, a Terra Indígena segue com a pendência. “Nossa terra já foi reduzida historicamente. Não podemos aceitar novas reduções”, declarou Gecinaldo Xukuru Kariri.

“Saímos de 26 mil hectares identificados inicialmente para, em 2006, o último GT fechar em 7 mil hectares”, relata Gecinaldo. Foto: Daniela Oliveira da Silva/Cimi Regional Nordeste

A respeito das dificuldades do governo apresentadas por Sônia, para os Xukuru Kariri não são novidades. No entanto, o movimento indígena estranha as reações do governo federal. Gecinaldo lembra da ida do presidente Lula ao Mato Grosso do Sul, em 12 de abril, para sugerir a compra de terras para os Guarani e Kaiowá, e não a conclusão das demarcações dos territórios ocupados tradicionalmente pelo povo.

“Do ponto de vista da conjuntura, não é novidade para Xukuru Kariri. Sabemos dessa dificuldade, mas sabemos também que não é o primeiro governo do PT. Tivemos cinco grupos de trabalho (GT) aqui na TI. Saímos de 26 mil hectares identificados inicialmente para, em 2006, o último GT fechar em 7 mil hectares. Desses, hoje, ocupamos cerca de 3 mil e o resto não está na posse do povo”, relata Gecinaldo.

O indígena questionou a razão da visita, de sua efetividade. Acompanhou o cacique Selmo Xukuru Kariri, que demonstrou a indisposição do povo de seguir se reunindo para tratar da homologação com um governo que tomou a decisão política usando o direito do povo como moeda de troca com parlamentares e políticos locais.

Na esteira das lideranças indígenas, Daniela Oliveira da Silva, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) Regional Nordeste, Equipe Alagoas, destacou que existe uma urgência na garantia dos territórios indígenas. No caso da TI Xukuru Kariri, a situação ainda é mais grave porque ele vem sendo cada vez mais reduzido perdendo espaços para plantar e realizar rituais.

“Já basta a gente ouvir do governo que a homologação vai acontecer e não acontece. A TI Kariri Xocó foi homologada há um ano e não houve desintrusão. O GT dos povos do Sertão, que junta quatro povos, que há mais de 25 anos lutam pelos seus territórios, e ainda não teve equipe técnica nomeada”, declarou a missionária.

14 terras indígenas no Nordeste estavam aptas para homologação nos primeiros 100 dias do atual governo

Graves sequelas

Dinamam Tuxá, da coordenação-executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), ressaltou durante a visita da ministra a Alagoas que 14 terras indígenas no Nordeste estavam aptas para homologação nos primeiros 100 dias do atual governo, entre elas as terras Xukuru-Kariri e Monte-mor, do povo Potiguara, na Paraíba.

“De lá pra cá nós estamos de forma sistêmica acompanhando esse processo (…) cobrando nossa ministra, mas também o Ministério da Justiça (e Segurança Pública), em especial, mas da Sônia cobramos que ela nos ajude, porque é papel do Ministério (dos Povos Indígenas) fazer essas articulações políticas para a gente avançar nessas homologações”, disse.

A liderança indígena da Apib lembrou da reunião de abril do CNPI e disse que “aquele dia foi muito doloroso” porque se esperava que o presidente Lula fosse cumprir o prometido aos povos indígenas.

Se dirigindo à ministra, Dinamam deixou um alerta “para a própria Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) e para o MPI é que nesse processo que se arrasta e se prolonga, ele deixa sequelas. Eu digo sequelas no sentido de vulnerabilizar ainda mais as lideranças que estão à frente desse processo e aí vem o processo de ameaça e é o processo de criminalização”.

Para o indígena, a situação Xukuru Kariri é um caso de potencial criminalização “nesse contexto de ameaças, e isso eu acho que vai se acirrar, principalmente com sua vinda (ministra Sônia) aqui, isso já vai gerar rumores, vai gerar apontamentos de pessoas que possivelmente vai sofrer esse tipo de ameaça”.

O Tuxá defendeu que o MPI esteja preparado para mobilizar os órgãos de governo para garantir a proteção das lideranças indígenas e do próprio território. Para a liderança da Apib, o governo precisa lidar com as consequências de suas decisões.

Share this:
Tags: