26/04/2024

Povo Kariri Xocó denuncia novas ameaças em Terra Indígena homologada, mas tomada por posseiros

Conforme a Funai, há aproximadamente 200 ocupantes não indígenas na área. População de 4 mil indígenas vive em 600 hectares

Os Kariri Xocó ocupam um espaço reduzido da própria Terra Indígena, homologada em 2023, o que fere a autodeterminação do povo. Foto: Daniele Feitosa

Por Renato Santana, da Assessoria de Comunicação do Cimi Regional NE

Em 28 de abril de 2023, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva homologou, durante a 19ª edição do Acampamento Terra Livre (ATL), seis terras indígenas, entre elas a TI Kariri Xocó, em Alagoas, com população de 4 mil indígenas e portaria declaratória publicada em 2006. Mesmo com parte da etapa final do procedimento administrativo concluída, a permanência de invasores no território leva ameaças aos ocupantes tradicionais.

Um ano depois, agora durante a 20ª edição do ATL, ocorreram novas ameaças contra a vida dos Kariri Xocó que ocupam áreas da TI tratadas como propriedade privada por posseiros. Vídeos e relatos dos próprios Kariri Xokó mostram um posseiro, e o que parece ser seu capanga, ameaçando um grupo de indígenas. Desde pelo menos 2020, os indígenas convivem com ameaças físicas dos posseiros que se recusam a deixar a TI.

A delegação Kariri Xocó presente no ATL, em Brasília, se reuniu nesta semana com a Fundação Nacional do Índio (Funai) para denunciar as novas ameaças. O órgão indigenista alegou que não há recursos disponíveis neste momento para realizar a desintrusão dos invasores.

Como eles seguem ocupando a TI, localizada no município de Porto Real do Colégio, há um conflito inerente ao litígio pela posse e um outro ligado ao uso cotidiano da terra. Uma questão permanente é que os invasores liberam a criação de gado para pastar nas plantações das aldeias. Os Kariri Xocó denunciam que um posseiro chegou a vender a área que julgava ser sua a outro posseiro, que agora desfere as ameaças e pratica violências variadas.

No decorrer das duas últimas décadas, houve um aumento substancial de invasores na TI. Ocorreu um desenfreado loteamento do território por imóveis rurais que teriam se dividido em pequenas frações, o que aumentou significativamente o número de imóveis.

Conforme a Funai, há aproximadamente 200 ocupantes não indígenas na área homologada. No Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação da Terra Indígena (RCID), publicado em 2001, constavam 100 ocupações do tipo. Uma outra dificuldade encontrada pela Funai para realizar a desintrusão, que envolve o levantamento fundiário para a identificação de benfeitorias de boa-fé ou má-fé, é a falta de corpo técnico para ir a campo.

Sem espaço, sem autodeterminação

O espaço da TI se encontra reduzido com a presença não indígena. O que tem levado dificuldades à autodeterminação dos Kariri Xocó. As aldeias possuem pouco espaço para plantar, criar animais e a parte do Rio São Francisco a que têm acesso está comprometida com empreendimentos de natureza diversificada e com a poluição das águas, minguando a atividade de pesca para a subsistência.

Cacique Reginaldo Kariri Xocó afirma que são 4 mil indígenas vivendo em apenas 600 hectares – a TI foi homologada com 5 mil hectares. “Por isso é essencial avançar com a demarcação completa, a retirada dos não indígenas”. Só na área da aldeia do cacique existem mais de 20 construções de não indígenas. Outras pessoas seguem construindo e “parecem não acreditar na demarcação e seguem invadindo o território”, disse.

Entre 2013 e 2018, técnicos da Funai estiveram na Terra Indígena para fazer o levantamento fundiário das ocupações. Foram barrados em muitas delas. O que levou o órgão indigenista à Justiça Federal para conseguir autorização de entrada. O pedido foi deferido após o término da pandemia, mas coincidiu com a defasagem acumulada de pessoal no órgão em todo o país.

Para os Kariri Xocó, o problema maior é que a ação de posseiros não cessou, somando-se aos que já estavam na TI. Ainda há compra e venda de áreas, novas construções e um ambiente de que o território não foi demarcado. De modo que uma das reivindicações do povo é que o Estado se faça mais presente na TI para desencorajar o comércio de terras que fazem parte do patrimônio público da União e de usufruto exclusivo dos Kariri Xocó.

Os indígenas solicitaram que a partir de um levantamento prévio do Cadastro Ambiental Rural (CAR) se chegue a essas áreas de invasão incidentes no território e em parceria com o Poder Público local se faça uma campanha alertando os riscos e consequências de tais ocupações irregulares e que devem se caracterizar como ocupações de má-fé, ou seja, aquelas sem direito a indenização.

Autoridades acompanham a situação 

Ocorre que a situação está amplamente comunicada às autoridades competentes desde 2020, conforme o Ministério Público Federal (MPF) informou durante reunião, em setembro de 2023, com o Departamento de Mediação e Conciliação de Conflitos Fundiários Indígenas do Ministério dos Povos Indígenas (MPI). O encontro foi solicitado pela Defensoria Pública da União (DPU) e teve ainda a participação da Funai.

Sobre as ameaças de morte e físicas contra os Kariri Xocó, tramita Notícia de Fato Criminal no 10º Ofício do MPF na capital Maceió referente aos episódios de ameaça de morte relatados ainda em 2023. O posseiro citado herdou a terra que julga ser sua e é um dos cinco autores que constam no polo ativo de uma ação de reintegração de posse que se refere à “Fazenda São Bento”.

Essa ação de reintegração de posse foi impetrada em 2017 e transitada em julgado a favor do posseiro (na iminência de execução). A DPU, em 2023, pediu habilitação nos autos para informar acerca da homologação da Terra Indígena e a consequente perda superveniente do objeto. A ação foi movida contra a União e a Funai. O MPF e a Procuradoria da Funai peticionaram na ação contrários à reintegração.

Outra ação movida pelo mesmo autointitulado proprietário da área pretende impugnar a demarcação da terra e teve sentença improcedente. Um recurso foi levado ao Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF-5), que determinou a suspensão do feito para realização de uma perícia. A ação ainda está em curso.

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