Lula, não queremos fazenda, queremos a demarcação das nossas terras
A afirmação é da Articulação dos Povos indígenas do Brasil em nota divulgada nesta segunda-feira (15)
Por Articulação dos Povos indígenas do Brasil – Apib
O presidente Lula sugeriu ao governador do Mato Grosso do Sul, Eduardo Riedel (PSDB), que compre terras para salvar os indígenas da etnia guarani que vivem “na beira da estrada” em Dourados (MS). “Eu quero lhe dizer que se você encontrar as terras para que a gente recupere a dignidade desse povo, o governo federal será parceiro na compra e no cuidado para que eles voltem a viver dignamente. O que eles não podem é ficar na beira da estrada mendigando”, afirmou.
A proposta foi feita nesta sexta-feira, 12/04, durante um ato de comemoração pela habilitação (permissão para funcionar) de frigoríficos da JBS, em Campo Grande (MS). A carne será exportada para a China. A produção de carne no Brasil é um dos expoentes da agropecuária, ou do agronegócio, junto a soja, a cana-de-açúcar, o café e o milho. Também é uma das maiores ameaças às florestas. Em 2021, a produção de gado impulsionou sozinha 75% do desmatamento e0m terras públicas (Dados do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia, Ipam).
Com a afirmação, Lula endossa a posição do governador de direita, que gravou um vídeo para redes sociais reiterando a ideia de que assim, solucionaria o conflito fundiário que se estende há anos no MS. “Esse é um caminho que a gente está propondo há muito tempo”, disse Riedel.
A proposta de “comprar uma terra” para os indígenas é tão contraditória quanto o evento escolhido para fazer tal anúncio.
A compra de terras para assentar povos indígenas afronta o direito originário de ocupação tradicional assegurado pela Constituição Federal de 1988. A Carta Magna (Art. 231) não manda comprar terras e sim demarcar e proteger as terras tradicionalmente ocupadas, assegurando sua posse permanente e o usufruto exclusivo para os povos. Terras essas, que são inalienáveis e indisponíveis, sendo os direitos originários sobre elas imprescritíveis. O que tornam nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras indígenas.
Lula, erra ao assumir o discurso presente na Lei do Marco Temporal, uma Lei inconstitucional, que foi imposta no final do ano passado pelo Congresso ruralista, e certamente, será mais uma vez derrubada no STF.
O mais grave é que o governo Lula está manchando a sua trajetória histórica. Desde a campanha do seu primeiro mandato em 2002, o presidente se comprometeu a demarcar o passivo das terras indígenas, mas foi um dos governos que menos demarcou. E agora, como outros velhos e conservadores governos, em nome do progresso e do desenvolvimento econômico do país, rifa a base de existência dos povos indígenas, tornando-se refém do mercado, do Centrão, do Agronegócio, dos Evangélicos e dos militares.
Ao admitir a “compra de fazendas”, Lula está renunciando a seu programa de viés social e popular, faltando com sua palavra e aderindo a injustiça histórica que até hoje coloca os povos indígenas à beira da extinção física e sociocultural, pois sem terra e território, perdemos a razão mais sagrada de nosso existir e bem viver.
Em todo o Brasil, até o momento, foram criados nove assentamentos de reforma agrária, no terceiro governo Lula e apenas seis Terras Indígenas foram homologadas. O investimento do governo no agronegócio foi de R$ 363 bilhões em 2023. Já a agricultura familiar recebeu R$ 71 bilhões, um total cinco vezes menor. Já o orçamento do Ministério dos Povos Indígenas foi de R$ 813 milhões e do INCRA, órgão responsável pela Reforma Agrária, foi inferior a R$ 500 milhões.
Os números mostram as prioridades do governo petista, um governo de coalisão de forças contraditórias. Alianças que foram necessárias para eleger e manter Lula no páreo, desde seu primeiro mandato e, agora, frente aos avanços fascistas do Bolsonarismo e ao Congresso mais conservador da história da legislatura brasileira
Os povos do campo, das florestas e das águas, como tudo indica, estão longe de ser considerados pilares estruturantes para as políticas dos próximos anos. No entanto, conhecemos de perto essa lição. O projeto popular para o Brasil se tornará realidade à medida de nossa força para organizar, formar consciências, lutar e comunicar. São as lutas que garantem as nossas conquistas. É a luta que garante a democracia, o Estado Democrático de Direito e respeito aos direitos fundamentais, num país em que reina a autocracia de uma burguesia covarde e submissa ao capital internacional, como já dizia Florestan Fernandes.
A demarcação das Terras Indígenas Guarani, Kaiowá, Nhandeva e demais será conquistada pela nossa organização, pela mobilização do movimento indígena, através da luta. Nossos corpos-territórios, a vida das nossas atuais e futuras regionais, não estão em mesa de negociação.
Lula, se tem recursos, demarca e desintrusa as terras indígenas, acaba com as organizações criminosas que intimidam os nossos povos e comunidades, perseguem e assassinam as nossas lideranças. Destine fazendas para a reforma agrária e demarque nossas terras, secularmente invadidas e esbulhadas pelos invasores que aqui chegaram, há 524 anos, e seus atuais descendentes.
O nosso marco é ancestral. Sempre estivemos aqui.
Demarcação Já!
Leia a nota da nossa organização de base, Aty Guasu, sobre o caso.