Curso Técnico em Florestas é realizado pela primeira vez em formato bilíngue no sul do Amazonas
O curso, que une conhecimentos indígenas e não indígenas, formou 23 participantes do povo Jarawara
“No curso técnico, nós estudamos cuidar da nossa terra, para os brancos não invadirem a nossa área. E também, como proteger as sementes e as mudas, plantando elas mais perto da aldeia”, explicou José Manoel Sokyo Jarawara, formando do curso técnico em Florestas bilíngue, oferecido ao povo Jarawara da região da calha do Purus, sul do Amazonas, pelo Instituto Federal do Amazonas (Ifam), campus Lábrea, com participação da Fundação Nacional do Povos Indígenas (Funai) e da equipe do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) Regional Norte I, equipe Lábrea.
O curso é inédito na modalidade bilíngue e teve como metodologia a união dos conhecimentos técnico-científicos dos professores não indígenas e conhecimentos tradicionais do povo Jarawara. A solenidade de formatura ocorreu na última sexta-feira (12) na aldeia Casa Nova, na Terra Indígena (TI) Jarawara/Jamamadi/Kanamati. Nessa mesma comunidade, os 23 estudantes Jarawara passaram cinco anos trocando ideias, aprendendo e ensinando a lida e o manejo da floresta, dos animais, peixes e águas do território.
O curso é inédito na modalidade bilíngue
Para Manoel, o curso trouxe os ensinamentos que ele precisava para incentivar os demais moradores da aldeia a plantar sementes e mudas de árvores, principalmente as frutíferas, mais perto das moradias.
“Nós estamos cuidando [das plantas] para cuidar da nossa terra, nossos animais, peixes, rios e florestas. Para cuidar da floresta, nós pegamos as sementes e mudas para plantar mais perto da aldeia. Muito longe a gente acha fruta, mas tá longe, tem que pegar as mudas mais longe e trazer mais perto da aldeia para plantar. Aí, até as crianças colhem”, explicou Manoel animado com uma das boas ideias que o curso trouxe.
“Nós estamos cuidando [das plantas] para cuidar da nossa terra, nossos animais, peixes, rios e florestas”
Manoel também achou importante o curso ter sido bilíngue. O curso dispôs de um tradutor para a língua indígena materna. “Foi bom porque mesmo os que sabem pouco da língua portuguesa, puderam ouvir e falar”, afirmou satisfeito.
Segundo Claudina Azevedo Maximiano, professora do curso e coordenadora do Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e Indígenas do campus Manaus (Neabi/CMZL) do Ifam, o curso técnico em Floresta para indígenas Jarawara possibilitou outros conhecimentos sobre o manejo da fauna e flora do território. “Foi um curso para atuarem no manejo florestal, no manejo de recursos, na área de recursos pesqueiros, na questão da agroecologia, no extrativismo. São cursos que a gente percebe a urgência devido aos projetos de futuro desses povos”, explica a professora. Ela aponta também para a necessidade de formações “que possam vir ao encontro das necessidades de sustentabilidade das terras indígenas”.
“Foi um curso para atuarem no manejo florestal, no manejo de recursos, na área de recursos pesqueiros…”
Claudina explica também, que o curso foi planejado de acordo com o Plano de Gestão Territorial e Ambiental (PGTA) da TI Jarawara/Jamamadi/Kanamati, e que foi ministrado na língua Jarawara a pedido do povo. “Foi um curso totalmente pensado a partir do PGTA da Terra Indígena, considerando as demandas que os Jarawara têm para garantir a sustentabilidade, o fortalecimento da dimensão política desse povo na defesa do seu território e na defesa da sua língua. Foi um curso bilíngue porque os Jarawara garantiram que assim fosse “, informou, contando as dificuldades e conquistas da metodologia.
“Não foi fácil, mas porque foi participativo teve muitas conquistas. A gente cumpriu o tripé, ensino, pesquisa e extensão. Tivemos pesquisas de iniciação científica e trabalhos de conclusão de curso, e foram os Jarawara que fizeram as sibani, que significa pesquisa na língua Jarawara. Tivemos atividades de extensão, onde eles retomaram práticas que já estão quase em processo de desuso, como é o caso da fiação de algodão”, conta.
“A gente cumpriu o tripé, ensino, pesquisa e extensão”
“Por mais que a gente tivesse um pequeno grupo produzindo aquela sibani, todos estavam envolvidos durante as aulas, os mais velhos davam suas opiniões, dialogavam com os alunos mais novos e com os professores”, congratula.
O Cimi, em sua participação no processo de realização do curso, “teve participação relevante, pois atua com os povos Jarawara e Jamamadi, em Lábrea, desde a década de 70”, explica Queops Silva Melo, missionário do Cimi Regional Norte I equipe Lábrea. “A nossa atuação foi uma atuação estratégica, formando a parceria com o movimento dos professores indígenas, com a Associação dos Professores Indígenas do município de Lábrea (APIMLA), para que eles se fortaleçam e consigam eles mesmos fazer as as suas reivindicações”. O missionário considerou ainda que o curso foi construído a partir das necessidades que eles vêm apresentando há anos para a educação escolar indígena no território.
“Todos estavam envolvidos durante as aulas, os mais velhos davam suas opiniões, dialogavam com os alunos mais novos e com os professores”
A construção de cinco anos do curso e que teve seu auge na formatura dos 23 estudantes Jarawara, “ganhou força com a assinatura de um acordo de cooperação técnica entre a Funai e o Ifam campus Lábrea, visando a oferta do Curso Técnico em Florestas para os indígenas da região. A participação ativa da comunidade Jarawara e o apoio da equipe do Cimi e de aliados foram fundamentais para o sucesso e a conclusão desse projeto inovador”, conta Daniel Lima, da equipe do Cimi em Lábrea. Sua realização é “um estímulo para outras iniciativas de inclusão e fortalecimento das capacidades indígenas, que promovam o respeito à diversidade cultural e o desenvolvimento sustentável das comunidades tradicionais da Amazônia”, conclui.