16/12/2023

Após retomada, Guarani e Kaiowá de Pyelito Kue sofrem novo ataque armado em Iguatemi (MS)

Ataque ocorre após retomada de área de mata da fazenda Cachoeira, sobreposta ao território indígena. No dia 22 de novembro, indígenas da mesma comunidade e jornalistas sofreram violento ataque

Indígenas do tekoha Pyelito Kue, novembro de 2023. Foto: Tiago Miotto/Cim

Indígenas do tekoha Pyelito Kue, novembro de 2023. Foto: Tiago Miotto/Cim

Por Tiago Miotto, da Assessoria de Comunicação do Cimi

Na tarde deste sábado (16), um grupo de indígenas do tekoha Pyelito Kue/Mbaraka’y foi atacado por seguranças armados em uma retomada realizada na fazenda Cachoeira, em Iguatemi (MS). Lideranças relatam que o ataque iniciou por volta das 15h30 (horário local) e seguiu até o início da noite. Até o momento da publicação desta matéria, não há informações sobre feridos.

Na madrugada deste sábado, um grupo de indígenas da comunidade ocupou uma pequena área de mata no interior da fazenda, que possui 2387 hectares e fica totalmente sobreposta à Terra Indígena (TI) Iguatemipegua I, nome oficial do território que compreende os tekoha Pyelito Kue e Mbaraka’y.

A área de mata ocupada por cerca de 30 indígenas, entre homens, mulheres e crianças, é chamada pelos Guarani e Kaiowá de “Tororõ” e corresponde a uma pequena área da fazenda. É uma das poucas áreas do território que não foi desmatada pelos fazendeiros e coberta por pastagens.

Os indígenas pedem apoio e a presença de autoridades federais na região, pois não confiam nas forças de segurança locais, em especial o Departamento de Operações de Fronteira (DOF). As forças estaduais possuem histórico de apoio aos fazendeiros e seguranças privados na região.

“Precisamos que alguma autoridade venha para a região, para proteger a comunidade. É urgente”, relata Kunhã’i, mulher Guarani Nhandeva, cujo nome não indígena foi ocultado por razões de segurança. Ao final da tarde, um grupo de mulheres de Pyelito Kue se preparava para ir até o local da retomada.

“A mulherada está pronta para ir ver onde foi que os fazendeiros que fizeram tiroteio nesta tarde, ali no mato”, afirma uma liderança do tekoha, em vídeo gravado no celular. Como praticamente não há sinal telefônico no local da retomada, o grupo que participa da retomada encontra-se sem comunicação com as pessoas que permaneceram na aldeia.

As Defensorias Públicas da União (DPU) e do Estado de Mato Grosso do Sul (DPE), assim como o Ministério Público Federal (MPF) e a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) foram acionados e acompanham o caso desde sábado.

Desdobramentos

Na tarde de domingo (17), depois de serem acionadas por DPE, DPU, MPF e Cimi, a Funai, a Polícia Federal e a Força Nacional foram até a aldeia Pyelito Kue para conversar com os indígenas, na tarde do domingo (17). Apesar dos pedidos da comunidade, apenas os servidores da Funai se deslocaram até a área de mata da fazenda Cachoeira onde os Guarani e Kaiowá estabeleceram a retomada. As forças de segurança não foram até o local onde estão os indígenas e não permaneceram nas proximidades.

Nesta segunda-feira (18), os indígenas relatam que duas viaturas e diversos agentes do DOF foram até a aldeia Pyelito Kue, perguntando por lideranças da comunidade.

Segundo relato dos indígenas ao Cimi Regional Mato Grosso do Sul, policiais entraram sem aviso prévio e de maneira truculenta, causando receio na comunidade, que, conforme relato feito ao Cimi Regional Mato Grosso do Sul, se reuniu e exigiu a retirada do batalhão do local.

Os Guarani e Kaiowá seguem pedindo proteção federal e a presença da Funai e do Ministério dos Povos Indígenas no local, onde temem novos ataques.

Segundo ataque em menos de um mês

A retomada e o novo ataque de seguranças armados contra os indígenas ocorrem três semanas após uma brutal investida contra a comunidade – que acabou resultando em agressões, também, a um jornalista e uma antropóloga que passavam pela região.

No dia 22 de novembro, cerca de quarenta indígenas foram atacados cinco dias após retomarem uma área de mata da fazenda Maringá – que possui  de 425 hectares também totalmente sobrepostos à TI Iguatemipegua I. Depois de ocuparem a sede da fazenda, os indígenas foram alvo de um violento ataque armado.

Em relato registrado em boletim de ocorrência junto à Polícia Civil de Iguatemi (MS), membros da comunidade relatam agressões e ameaças, e contam que quatro integrantes do grupo foram mantidos durante horas em cárcere privado pelos seguranças das fazendas.

Eles relataram às autoridades que participaram do ataque seguranças das fazendas Maringá, Cachoeira, Santa Rita e Vera Cruz, todas elas sobrepostas ao seu território. Segundo o relato, cerca de vinte homens encapuzados e armados, em diversos veículos, teriam participado do ataque.

Naquele mesmo dia, um jornalista canadense e uma antropóloga também foram agredidos por um grupo de homens armados e encapuzados quando passavam por uma via pública que dá acesso à aldeia Pyelito Kue e às fazendas da região.

Eles buscavam registrar a denúncia de sequestro dos indígenas e averiguar a presença de forças de segurança nacionais no local. Foram parados e agredidos pelos homens na rodovia MS-386, depois de terem sido abordados por uma viatura do DOF. Eles também relatam que uma viatura da PM passou pelo local enquanto eram agredidos, mas não atendeu aos seus pedidos de socorro.

Na mesma noite, quando realizavam buscas em propriedades da região, agentes da Polícia Federal, da Força Nacional e servidores da Funai prenderam o proprietário da fazenda Pássaro Preto, vizinha à fazenda Maringá, por posse irregular de munição e arma de fogo. Foram apreendidas 88 munições de calibre 12 no local.

Após o ataque e as agressões, a Força Nacional foi acionada e enviada para a região. No dia 30 de novembro, os indígenas também prestaram depoimento à Polícia Federal, que passou a investigar o caso.

Demarcação paralisada

Os indígenas reivindicam a conclusão da demarcação da TI Iguatemipegua I, paralisada há dez anos. Desde a publicação do Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação (RCID) pela Funai, em 2013, não houve mais avanços no procedimento demarcatório.

Naquele ano, a TI foi delimitada com 41,5 mil hectares. Atualmente, a comunidade ocupa apenas 100 hectares de seu território, numa área com solo degradado e cercado por pasto e eucaliptos.

Os indígenas têm sofrido com a falta de espaço para as famílias e a fome, que motivam a comunidade a realizar novas retomadas – as quais, frequentemente, despertam reações desproporcionalmente brutais por parte de fazendeiros e seguranças privados.

Última atualização às 20h57 de 18 de dezembro de 2023.

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