Fórum de Juventudes Indígenas de Tefé: a juventude é a esperança de um futuro de conquistas, assim como foram seus ancestrais
Mais de 100 jovens indígenas, de 12 aldeias da região de Tefé (AM), se encontram e estruturam ações para definição de políticas públicas para a juventude
“Fortalecendo as lutas e alianças na defesa e efetivação dos direitos” foi o tema do Fórum de Juventudes Indígenas, realizado nos dias 6 a 8 de outubro, na aldeia Betel, Terra Indígena (TI) Barreira da Missão, no município de Tefé, região do médio rio Solimões (AM). Reunindo mais de cem participantes, dos povos indígenas Kambeba, Kaixana, Kokama, Madja Kulina, Miranha e Tikuna, de 12 aldeias da região de Tefé, e convidados, os jovens compartilharam durante os três dias de encontro suas experiências de atuação dentro e fora da aldeia, debateram temas importantes como saúde e a importância do autocuidado em saúde mental, educação, comunicação, cultura e direitos, tendo como base o Estatuto da Juventude e as Diretrizes do Plano Municipal de Políticas para a Juventude – o que facilita reivindicar a efetivação e criação de políticas públicas voltadas para a juventude indígena.
No decorrer do encontro, foi proporcionado espaços para apresentações culturais, troca de saberes tradicionais entre as juventudes, que garantirão a manutenção e fortalecimento sociocultural nas aldeias, além de espaços de debates em plenária, formação de mesas temáticas dos jovens indígenas das aldeias presentes com instituições públicas, outros coletivos de Juventude e de movimentos sociais da região organizados que expuseram as temáticas e responderam aos questionamentos da juventude indígena.
Promovido pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi) Regional Norte I, o encontro teve como objetivo reunir a juventude indígena para discutir pautas relacionadas às políticas públicas para a juventude, tendo como instrumento e documento base o Estatuto da Juventude, e criar um espaço de troca de experiência entre as juventudes do campo, da floresta e das águas, que, a partir dos debates e partilhas, podem construir uma forte aliança na defesa e efetivação de seus direitos.
Com o propósito de manter o diálogo, parcerias, colaboração para o fortalecimento das formas organizativas e de articulação com o movimento indígena para a defesa e garantia de direitos, o Fórum contou com o apoio das lideranças indígenas, instituições públicas e aliados da causa indígena: Instituto Federal do Amazonas (IFAM); Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) – Coordenação Técnica Local (CTL) Tefé; Coletivo Jovens Protagonistas da Floresta Nacional de Tefé (Flona de Tefé); Diretório Regional dos Estudantes (DRE); União dos Povos Indígenas do Médio Rio Solimões e Afluentes (UNIPI.MSA); Associação de Mulheres Indígenas do Médio Rio Solimões e Afluentes (AMIMSA); Distrito Sanitário Especial Indígena Médio Rio Solimões e Afluentes (DSEI-MRSA); Departamento de Assuntos Indígenas do Município de Tefé; e Centro Vocacional Tecnológico do Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá (CVT-IDSM).
O evento proporcionou espaços de discussão sobre as perspectivas, anseios e demandas dos jovens com o olhar a partir de suas ideias e sonhos, pensando em seus projetos de vida. As danças e cantos indígenas protagonizados pelos jovens, mostrando a riqueza da pluralidade dos povos indígenas da região de Tefé, tornou o encontro dinâmico e irreverente, características próprias da juventude.
O verbo “esperançar” foi ecoado pela plenária, pois é no “acreditar” que se movem as forças que se pode fazer um amanhã melhor, diziam os participantes. “Não podemos dizer que temos esperança, se ficamos parados. Temos que nos mobilizar, buscar conhecimento e conhecer nossos direitos, correr atrás de melhores dias para a juventude e acreditar que somos capazes. Quando se fala em direitos indígenas, temos que fazer sempre mais e fazer o dever de casa, nós sempre buscamos os direitos e melhorias coletivas, então temos que estar conscientes que buscamos melhorias para todos. Os conhecimentos que adquirimos nas formações vão ajudar a buscar essas melhorias que almejamos, pois, o conhecimento é poder, então temos que aproveitar e buscar aprender sempre mais e aproveitar ao máximo as oportunidades que temos”, disse Naiara dos Santos Ribeiro-Kambeba, professora e líder da juventude indígena de Tefé.
“Temos que nos mobilizar, buscar conhecimento e conhecer nossos direitos, correr atrás de melhores dias para a juventude”
Novos aprendizados a partir dos conhecimentos adquiridos nos debates e no encontro com outros jovens foi uma constante nas intervenções da juventude. Compreenderam que, assim, vão se desenvolvendo e contribuindo na luta juntamente com os mais velhos. Demonstraram que sabem da sua importância na organização das aldeias e no movimento indígena, pois serão lideranças no futuro. Raí Xavier de Oliveira Kokama, da aldeia Porto Praia, diz estar contente com o evento e destaca que superou a timidez.
“Antes eu tinha vergonha de falar [em público] e os encontros propulsionados pelo Cimi para a juventude e os aprendizados que adquiri [neles] me ajudaram a ter menos vergonha de falar em público e poder defender a luta indígena. O que aprendo nos encontros me ajuda a melhorar cada vez mais”.
“O que aprendo nos encontros me ajuda a melhorar cada vez mais”
A professora Mariane Oliveira dos Santos Kambeba – de 19 anos e professora bilíngue –, da aldeia Patauá, diz que no dia a dia da aldeia aprendem com os adultos os serviços da roça, o artesanato e a cultura. Mas seu desejo é resgatar e fortalecer a cultura e a língua materna de seu povo. Ela também almeja um futuro com mais oportunidades para os jovens da aldeia. “Quero ter a oportunidade de fazer uma faculdade e aprender mais sobre a cultura indígena Kambeba e sobre os direitos garantidos aos povos indígenas, pois com conhecimento posso contribuir mais na aldeia e ajudar meu povo a garantir os direitos e fortalecer a educação escolar indígena”.
“Com conhecimento posso contribuir mais na aldeia e ajudar meu povo a garantir os direitos e fortalecer a educação escolar indígena”
Rogel da Silva Santos Kambeba, professor da aldeia Betel, fala da importância da busca de aprendizados e coragem de se manifestar. Sabe que é difícil entender os processos e as lutas, mas considera importante a participação dos jovens. “É assim que começa a se formar um rosto jovem no movimento indígena. Esse é o caminho. Vemos nas palavras dos jovens os sonhos que eles têm e que são sonhos possíveis, tem como alcançar”, afirma.
As instituições públicas e organizações indígenas presentes no evento debateram com os jovens as políticas públicas para a juventude. Ouviram suas demandas e apresentaram ações planejadas para a juventude nas aldeias. Enfatizaram a importância da organização dos jovens, do fortalecimento das lutas coletivas para garantir direitos e de estarem cobrando suas políticas públicas específicas. Destacaram que o Fórum está possibilitando aprendizados e que os jovens precisam se inserir e participar mais dos espaços propositivos e de decisão das políticas públicas. São nesses espaços que vão adquirindo conhecimento e se preparando para atuar com os mais velhos nas lutas coletivas e alcançar seguridade dos direitos e políticas públicas favoráveis a todos das aldeias e que incluam a juventude.
A representante da Funai CTL Tefé, Maria Irene Pena Farias, ressalta a importância da educação, “pois é por meio dos estudos que se conquista direitos, que se consegue espaços e políticas sociais que vão beneficiar a todos”. Irene é do povo Tucano, nasceu e cresceu na aldeia e afirma que “tudo passa pela educação, eu também tinha meus sonhos e conquistei muitas coisas, hoje estou na Funai para falar para vocês o que podemos fazer”, disse mostrando-se prestativa.
“É por meio dos estudos que se conquista direitos, que se consegue espaços e políticas sociais que vão beneficiar a todos”
O professor indígena Marcos Conrado Medeiros Kambeba, da aldeia Betel, que também faz parte da diretoria da UNIP-MAS, destacou que o evento oportuniza o aprendizado e o interesse dos jovens em se inserirem nos espaços de luta do movimento indígena com voz e vez. Ressaltou que a juventude deve pensar em suas participações nos processos políticos democráticos. “É importante tirar seus títulos para escolher seus candidatos ao poder público e que atuem a favor dos povos indígenas”.
Também evidenciou a necessidade da presença das juventudes nos espaços de decisões para que possam dizer o que almejam. “As ações do movimento indígena e dos parceiros são oportunidades de aprendizado, mas também de valorização da cultura, das formas de organização, de refletir e discutir as necessidades dos indígenas em relação às políticas públicas. São oportunidades para os jovens trazerem suas demandas ao movimento indígena, às instituições públicas e organizações sociais aliadas e, assim, conquistar meios e incentivos para melhorar as oportunidades culturais e ações voltadas para a juventude”, opinou.
“As ações do movimento indígena e dos parceiros são oportunidades de aprendizado”
O fortalecimento da participação dos jovens nos espaços de decisão, a realização de ações que favoreçam a oferta de políticas públicas voltadas para a juventude, o bem como o fortalecimento e a valorização da cultura, das formas próprias de organização, das lutas coletivas para a seguridade dos direitos individuais e coletivos, foram os destaques das opiniões dos jovens e convidados.
“Os jovens devem buscar o aprendizado e se inserir no meio político, social, educacional, ocupar os espaços nas universidades, nos institutos, escolas, nos movimentos sociais, reuniões comunitárias, fóruns e se capacitarem para atuar em suas aldeias e contribuir com a garantia de direitos”, essa foi a opinião geral, mas , também ficou evidenciado nas opiniões que “a juventude dará continuidade à luta dos mais velhos desde que sejam incentivados e valorizados nos espaços de decisão nas aldeias e/ou fora delas”.
“A juventude dará continuidade à luta dos mais velhos desde que sejam incentivados e valorizados nos espaços de decisão nas aldeias e/ou fora delas”
Neste sentido, o vereador Fernando Araújo (PP), que esteve presente ao Fórum, ressalta que sua formação enquanto cidadão foi dentro dos movimentos da juventude. Sua opinião é de que “as escolas ensinam conteúdos importantes, mas a formação enquanto cidadão de luta se dá dentro dos movimentos de juventude organizados, no movimento indígena, nas reuniões comunitárias”, explicou valorizando as organizações jovens.
O representante do Departamento de Assuntos Indígenas do Município de Tefé, Valtunino Gomes Kambeba, que foi professor indígena por muitos anos nas aldeias de Tefé, também enfatiza a importância da juventude, sua participação nas decisões, implementação e execução das políticas públicas voltadas aos povos indígenas nas aldeias, incluindo ações para a juventude.
“Enquanto poder público, tenho articulado e firmado parcerias com instituições de ensino para proporcionar o ingresso de jovens indígenas na faculdade, a conclusão de seus estudos nos níveis em que não puderam concluir e, também, para se profissionalizarem, além de contribuir para o fortalecimento cultural e de políticas públicas que favoreçam a juventude”, disse afirmando seu compromisso com a juventude indígena.
Também fortalecendo a educação indígena, especialmente nas aldeias, o professor Juckson Ferreira Urbano, professor indígena da aldeia Barreira da Missão do Meio, recentemente articulou a criação do Fórum de Professores Indígenas de Tefé. O professor destaca que existem leis e resoluções que garantem os direitos indígenas e que os jovens devem conhecer essas leis e direitos para reivindicar, acessar e ampliar as oportunidades e a presença indígena em todos os espaços da sociedade.
“Hoje já tem indígenas que são jovens comunicadores que divulgam nossas ações a partir da nossa realidade, da nossa concepção, para não deixar que as notícias sejam feitas de forma errada a nosso respeito”, exemplificou Juckson, comentando a importância de a juventude ocupar os espaços na sociedade.
O autocuidado em saúde mental foi outro tema relevante debatido no Fórum da Juventude. Desenvolvida pela psicóloga Adriane Souza Magalhães e a assistente social Naraiza Caldas, da Divisão de Atenção à Saúde Indígena do DSEI-MRSA, a temática trouxe a reflexão de que “o equilíbrio emocional faz toda diferença na vida do ser humano e todos estão sujeitos a sofrer psicologicamente em algum momento da vida, por isso a importância do autocuidado”, explica a psicóloga, que chama a atenção dos jovens para suas relações sociais.
“Os jovens devem valorizar e cultivar as relações de reciprocidade, respeito e valorização de todas as formas de vida, considerando os princípios do Bem-Viver”, esclareceu.
No último dia de Fórum, os participantes elaboraram a Carta de Reivindicação dos Participantes do Fórum de Juventude Indígena de Tefé. Nela, destacam a importância de espaços legítimos para que possam propor e discutir políticas públicas para a juventude indígena, oportunizando o direito a participação na vida política.
“Entendemos que a juventude indígena é parte fundamental da riqueza cultural e social da região, e sua participação ativa na definição e implementação de políticas públicas é crucial para o desenvolvimento sustentável e o bem-estar das aldeias. No entanto, observam com preocupação a falta de atenção ao segmento e não havendo a efetivação de espaços, fere o direito de participação política, preconizado no Estatuto da Juventude e na Constituição Federal de 1988”, diz um trecho da Carta.
“Entendemos que a juventude indígena é parte fundamental da riqueza cultural e social da região, e sua participação ativa na definição e implementação de políticas públicas é crucial”
Entre as reivindicações estão a revitalização da Coordenação Municipal de Políticas Públicas de Juventudes de Tefé; a reativação e fortalecimento do Conselho Municipal de Políticas Públicas de Juventudes, assegurando que a voz da juventude indígena seja ouvida e considerada em todas as decisões que afetam as aldeias; a garantia da implementação de programas e políticas públicas de Cidadania, Participação Social e Política e à Representação Juvenil; a Educação; a Profissionalização para o Trabalho e Renda; a Diversidade e Igualdade; a Saúde; a Cultura; a Comunicação e Liberdade de Expressão; o Desporto e Lazer; o Território e Mobilidade; e a Sustentabilidade e Meio Ambiente, preconizados no Estatuto da Juventude (Lei Federal Nº 12.852/2013) e respaldados no Sistema Nacional de Juventude.
O último encaminhamento do Fórum foi a solicitação à Prefeitura e Câmara Municipal de Tefé para a realização da 4ª Conferencia de Juventude no Município de Tefé, tendo em vista que o governo federal já lançou a convocatória para a realização da 4ª Conferência Nacional de Juventude. As etapas Estadual e Local devem ser realizadas até final de outubro.
“A conferência da juventude é um evento crucial para discutir questões relevantes para nossas juventudes e buscar soluções que contribuam para o desenvolvimento integral e inclusão social, além de ser um espaço de troca de ideias, debates construtivos para o fortalecimento das políticas pública para as juventudes e construção de parcerias que possam beneficiar as juventudes da cidade, do campo, da água e da floresta”, preconiza o documento de reivindicação e destaca que esses objetivos vêm ao encontro das decisões do Fórum de Juventudes Indígenas de Tefé.
Encerrando os trabalhos com danças, cantos e outras apresentações culturais, a jovem Naiara Kambeba, enfatizou que “os ensinamentos e experiências que o encontro trouxe para a juventude continuam, junto com a esperança de um futuro de conquistas assim como foram seus ancestrais. A juventude Indígena é parte fundamental da riqueza cultural e social da nossa região, e sua participação ativa na definição e implementação de políticas públicas é crucial para o desenvolvimento sustentável e bem-estar de nossas aldeias”, concluiu.
O Fórum de Juventudes Indígenas de Tefé faz parte das atividades do projeto “Povos indígenas do médio Solimões e afluentes: protagonismo, conhecimento, resistência e existência na defesa da vida, dos territórios e de seus direitos individuais e coletivos 2023”, financiado e apoiado pela Agência Católica para o Desenvolvimento Humanitário (CAFOD), que visa contribuir para o fortalecimento do protagonismo de homens, mulheres e jovens, das lutas coletivas na defesa dos seus direitos à saúde, educação, proteção e demarcação de territórios indígenas.