06/09/2023

Mulheres Canela realizam II Encontro com o tema “Territórios livres: povos sem fome”

O encontro aconteceu na aldeia Escalvado, TI Kanela (MA), e contou com a presença de mais de 70 mulheres; o evento teve como objetivo fortalecer a luta por direitos e por território livre

II Encontro das Mulheres Canela, na Terra Indígena Kanela, município de Fernando Falcão (MA). Foto: Fábio Reis/Cimi Regional Maranhão

Por Jesica Carvalho, da Assessoria de Comunicação do Cimi Regional Maranhão, e Rosana Diniz e Madalena Borges, missionárias do Cimi Regional Maranhão

Abrigadas em um espaço coberto por palhas, mulheres dos povos Memortumré-Canela e Apanjêkrá-Canela realizaram o II Encontro das Mulheres Canela, com o apoio do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) Regional Maranhão. O encontro aconteceu entre os dias 28 de agosto e 1º de setembro na aldeia Escalvado, Terra Indígena (TI) Kanela, município de Fernando Falcão (MA), e contou com a presença de mais de 70 mulheres. O evento teve como objetivo fortalecer a luta por direitos e por território livre para o Bem Viver das mulheres Memortumré-Canela e Apanjêkrá-Canela.

O encontro foi marcado pela vivacidade da cultura Canela, com cantorias, pinturas, corte de cabelos e preparação do cwyrco-berubu, comida tradicional que integra momentos de encontro, de alegria e de partilha entre os Canela. Suely Konicre Canela, articuladora local do Coletivo de Mulheres Memortumré Canela, abriu o encontro falando às participantes na Língua Canela. Na oportunidade, Suely resgatou memórias referentes ao I Encontro, realizado nos dias 24 a 26 de março de 2022, também na aldeia Escalvado, e do apoio recebido do Cimi Regional Maranhão para o encontro.

“Nós estamos procurando os nossos direitos como mulheres, porque nós temos direitos e temos que defender o nosso território”

Ao longo de cinco dias, mais de 70 mulheres Canela estiveram reunidas no encontro. Foto: Jesica Carvalho/Assessoria de Comunicação do Cimi Regional Maranhão

Em língua portuguesa, Suely enfatizou que “a luta das mulheres é pelas coisas que estamos precisando. Nós estamos procurando os nossos direitos como mulheres, porque nós temos direitos e temos que defender o nosso território”, afirmou.

Após a apresentação das participantes, Lívia, Carloman e Rizalva Canela falaram sobre o Cimi a partir das suas experiências em atividades que participaram com a entidade, entre elas a Teia Indígena. “O Cimi está firme conosco na defesa de nossos direitos. Eu agradeço o amor que o Cimi tem pela nossa causa”, afirmou Carloman Canela.

Discussões e manifestações das mulheres

O primeiro dia foi voltado para questões relacionadas aos cenários nacional e local, que envolvem ameaças aos direitos indígenas, como o marco temporal, que entrou na pauta do julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) na última quarta-feira (30). Na ocasião, as mulheres se manifestaram em defesa dos territórios Kanela e Porquinhos e contra o marco temporal, por meio da produção de um vídeo para divulgação.

Ainda nesse dia, também houve uma discussão sobre política partidária vivenciada no município de Fernando Falcão. As mulheres relataram a dificuldade de ter um representante indígena na Câmara Municipal e a não implementação de serviços e políticas públicas pelo município em questão no território Kanela.

“A melhor política é aquela que é discutida pelos interessados com base nas problemáticas vividas também no território. Por ser um povo indígena, os direitos são assegurados e, por isso, devem ser exigidos. São direitos constitucionais coletivos e não individuais, que devem ser considerados na discussão da política partidária pelos indígenas”, destacou uma das mediadoras do encontro, Rosana Diniz, do Cimi.

“A melhor política é aquela que é discutida pelos interessados com base nas problemáticas vividas também no território”

A missionária Rosana Diniz durante II Encontro das Mulheres Canela, no Maranhão. Foto: Jesica Carvalho/Assessoria de Comunicação do Cimi Regional Maranhão

Já Madalena Borges, outra mediadora do encontro, destacou que a discussão da política partidária envolve conhecimento sobre os direitos, visto que “uma das ações do Cimi é trabalhar a formação sobre os direitos dos povos indígenas, que estão cada dia mais ameaçados”, pontuou.

No segundo dia, foi dado sequência à discussão sobre a temática dos quintais produtivos, baseados na produção agroecológica a partir do Ritual da Laranja, que é uma festa das mulheres realizada anualmente nos territórios Porquinhos e Kanela. Os debates sobre o assunto começaram por meio do questionamento “de onde vem a laranja utilizada no ritual?”. Na sequência, as mulheres responderam que as laranjas são adquiridas nos mercados, por meio do pedido de patrocínios.

A organização das mulheres Memortumré-Canela tem como maior desafio a produção de alimentos para os rituais, que devem ser plantados e colhidos no território, livres de veneno, através da proposta dos quintais produtivos, que são subsistemas que integram vários subsistemas de plantios de frutíferas, plantas medicinais, criações de animais de pequeno porte, complementados com compostagem e adubação orgânica.

Para Madalena Borges, “a agroecologia é uma técnica ancestral, que hoje é muito discutida nas universidades, prática que já vem sendo realizada por muitos povos indígenas. Plantar sem o uso de venenos e agrotóxicos, incentivando a produção de plantios com adubos orgânicos encontrados nos próprios territórios, ou seja, continuar a produzir a comida saudável. Essa é a proposta deste II Encontro: fortalecer os quintais produtivos das mulheres Memortumré com plantio de laranjas”, destacou.

“A agroecologia é “uma técnica ancestral, que hoje é muito discutida nas universidades, prática que já vem sendo realizada por muitos povos indígenas”

Mulheres Canela realizam dinâmicas com mudas de plantas durante II Encontro, na Terra Indígena Kanela. Foto: Jesica Carvalho/Assessoria de Comunicação do Cimi Regional Maranhão

As mulheres Canela falaram sobre a comida vinda da cidade e as doenças existentes no território em função desses alimentos. Como disse Dona Sebastiana Canela, “produzo o arroz aqui mesmo. O arroz vindo de fora causa a doença de pedra na vesícula, que adoece muitos parentes”, evidenciou.

“O arroz vindo de fora causa a doença de pedra na vesícula, que adoece muitos parentes”

Já Sueily Canela apontou que “as coisas estão muito graves, pois tem muita gente aqui doente, inclusive com diabetes, pois se alimenta de comidas produzidas com agrotóxicos”, enfatizou. Nas discussões em grupos, as mulheres Canela desenharam como são, atualmente, os seus quintais e como querem vê-los no futuro próximo. Durante as exposições, Claudilúcia Canela destacou que as mulheres precisam muito do plantio do urucum e da laranja como plantas necessárias para a cultura Canela.

Seguindo as atividades, à tarde, as mulheres debateram a temática sobre o território livre. A pergunta motivadora indagou o porquê de os povos indígenas quererem a terra. Entre as respostas, as mulheres Canela destacaram que a terra serve para preservar a cultura dos povos indígenas, a natureza, para as futuras gerações, para ter comida e trabalho em seu território.

As mulheres evidenciaram, durante a discussão, as situações que dificultam o Bem Viver na Terra Indígena Kanela. “O território é livre até certo ponto para quem vive no território, porque a todo momento somos ameaçados com a entrada de invasores, caçadores, madeireiros, fazendeiros”, destacou Sara Canela.

“A todo momento somos ameaçados com a entrada de invasores, caçadores, madeireiros, fazendeiros”

Em encontro, mulheres Canela pedem o afastamento do marco temporal e a derrubada do PL 2903, que tramita, atualmente, no Senado Federal. Foto: Jesica Carvalho/Assessoria de Comunicação do Cimi Regional Maranhão

As mulheres destacaram, ainda, os alimentos que produzem: mandioca, macaxeira, inhame, arroz, feijão, amendoim, pepino, abacaxi, laranja, melancia, mamão, hortaliças como cheiro verde, entre outros. As espécies nativas do Cerrado como o pequi, mangaba, tucum, coco babaçu, buritirana, buriti, inajá, turubá e outras.

“Na nossa aldeia, quando vamos coletar frutas, vamos em grupo de mulheres, porque temos medo de encontrar invasores, pois temos até os limites aos quais podemos chegar”, pontuou Graciana Kanela.

“Quando vamos coletar frutas, vamos em grupo de mulheres, porque temos medo de encontrar invasores”

Para encerrar o dia e como gesto concreto dos quintais do futuro, as mulheres receberam mudas de laranjas para serem plantadas em seus quintais, sendo distribuídas cem mudas no total. As mudas foram plantadas com uma porção de adubo orgânico produzido em casa.

O terceiro dia teve início com a preparação do cwyrco-berubu, comida típica dos povos Canela, feita à base de mandioca com carnes, uma iguaria da culinária Canela que foi distribuído a todas as pessoas presentes. O preparo contou com a colaboração de mulheres e homens.

Como gesto concreto da discussão e conhecimento por direitos, as mulheres apresentaram a necessidade do abastecimento de água tratada para todas as famílias Canela, tanto na aldeia Escalvado como na aldeia Porquinhos. Foi elaborado um documento com o pedido de abertura de mais poços, que será encaminhado ao Ministério da Saúde e ao Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei) do Maranhão. Elas também divulgaram um vídeo retratando a difícil situação para as mulheres, entre elas as mais idosas.

O II Encontro foi finalizado com uma marcha das mulheres até o pátio da aldeia Escalvado. Com cartazes e cantorias, as mulheres deram a largada para sua representatividade também na Marcha das Mulheres Indígenas, em Brasília, que acontecerá de 11 a 13 de setembro, para o fortalecimento da organização das mulheres Canela na luta por direitos, por território livre e por comida saudável.

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