11/08/2023

Uruba Pataxó: “A gente jamais vai desistir do nosso território”

Lideranças e representantes indígenas de todo o país se manifestam contra a tese do marco temporal; o julgamento, interrompido em junho desse ano, pode ser retomado em setembro

Por Assessoria de Comunicação do Cimi

“Quando a gente se depara com a cena do que aconteceu, é muito triste, mas a gente tem que ser forte e seguir”, disse emocionada Uruba Pataxó em discurso feito durante o lançamento do Relatório Violência Contra os Povos Indígenas do Brasil – dados de 2022. A vice-cacica da aldeia-mãe Barra Velha se referia à cena do vídeo apresentado durante o evento, em que Candara Pataxó, sua companheira de luta, mostra o lugar e descreve a forma brutal como seu filho, Gustavo Silva da Conceição, de 14 anos, foi assassinado.

O assassinato de Gustavo integra os 180 casos de indígenas assassinados no Brasil no ano de 2022 e, segundo o Relatório do Cimi, representa uma das nove ocorrências de homicídio contra indígenas no estado da Bahia.

O garoto, morto com um tiro na nuca, foi uma das vítimas do ataque ocorrido em setembro do ano passado, na aldeia Vale rio Cahy. A aldeia, que foi retomada pelos Pataxó após invasão de fazendeiros da localidade, integra a Terra Indígena (TI) Comexatibá, que aguarda desde 2015, quando foi identificada, a resposta da Funai às contestações de fazendeiros locais.

De igual modo, Uruba precisou ser forte e seguir quando, meses depois, em janeiro desse ano, dois jovens de seu povo foram assassinados. “Estão matando o nosso povo”, dizia indignada ao contar do assassinato de Nauí Brito de Jesus, de 16 anos, e Samuel Cristiano do Amor Divino, de 25 anos. Ambos foram perseguidos e executados por pistoleiros, a mando de fazendeiros da região, na rodovia BR-101, próximo ao distrito de Montinho, no município de Itabela, extremo sul da Bahia.

Samuel e Nauí estavam voltando para uma das áreas retomadas pelos Pataxó, cujo território foi invadido por proprietários das fazendas Condessa e Veneza. Ambas as propriedades estão localizadas dentro dos limites da TI Barra Velha do Monte Pascoal, que aguarda desde 2009 a emissão da portaria declaratória para sua demarcação.

A violência, contudo, não é resultado apenas dos conflitos territoriais. “Ela está na saúde, na educação. A gente indígena começa a sofrer lá dentro do útero da nossa mãe, quando nasce, pela falta de assistência à saúde, pelo preconceito, pela discriminação. A violência está rodeando a gente de todos os lados”, relata Uruba.

A memória da violência, que vem desde o útero, como relata Uruba é fruto de conflitos territoriais que remontam o período colonial, mas que tem se agravado nos últimos anos com a invasão do território Pataxó por fazendeiros, empresas de eucalipto, e empreendimentos turísticos e imobiliários. Os ataques ao povo Pataxó, sobretudo à sua juventude, tem aumentado com a resistência e as retomadas iniciadas em junho de 2022, quando os Pataxó deu início ao processo de autodemarcação de seu território.

Ao mesmo tempo que é desde o útero que nasce o sofrimento do povo indígena, é desde o ventre que germina a força e a luta Pataxó. Porque “quando matam um indígena, nascem dez guerreiros para a luta, e a gente jamais vai desistir do nosso território”. É mobilizada por essa força que Uruba, junto a seu povo, avança com a retomada de seu território e insurge contra a tentativa de espólio de suas terras.

Dada a morosidade da demarcação das terras indígenas e a ameaça do marco temporal, Uruba se manifesta contra a tese que busca despojá-los de suas terras. Para ela, “é uma forma de extermínio dos povos indígenas”.

Foto: Maiara Dourado/Cimi

“Quando matam um indígena, nascem dez guerreiros para a luta, e a gente jamais vai desistir do nosso território”


Uruba Pataxó
Vice-cacica da aldeia-mãe Barra Velha

O marco temporal quer exterminar o povo indígena do Brasil. Nós, indígenas, que somos o marco temporal, porque nós estamos aqui muito antes dos invasores chegarem em nosso território. Nós somos os donos dessa terra, somos útero dela. Onde tem território indígena tem mata, tem ar, tem terra e é por isso que eu estou aqui dizendo não ao marco temporal.

No mês de setembro, eu tenho certeza que ele [o marco temporal] vai ser votado e que ele vai ser arquivado. Eu quero acreditar que o marco temporal não vai passar, porque eu acredito nos guardiões da Constituição Federal, nos ministros do Supremo Tribunal Federal.

Não ao marco temporal e demarcação de terra já!

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