01/08/2023

Os Xikrin estão comprando água mineral para as mamadeiras das crianças

Dr. João Paulo no em atendimento aos Xikrin da aldeia Cateté

Por João Paulo Botelho Vieira Filho* – MATÉRIA PUBLICADA ORIGINALMENTE NA EDIÇÃO 457 DO JORNAL PORANTIM

Numa natureza florestal exuberante da Terra Indígena Cateté, no Pará, os Xikrin, das aldeias Cateté e Djudjê-Kô, próximas do rio Cateté, e das Aldeias Oodjã e Pukatiokran, próximas do rio Itacaiúnas, estão comprando água mineral para as mamadeiras de suas crianças pequenas. Estão cientes da contaminação visual, do sabor e do cheiro dos rios Cateté e Itacaiúnas, que se tornaram esverdeados pelos rejeitos minerais da Usina Onça-Puma, no rio Cateté, e rejeitos minerais da 11D Eliezer Batista, no rio Itacaiúnas. Não se observa mais as pedras dos rios, o conglomerado de girinos e borboletas das margens, como também a riqueza de peixes. A água do alojamento dos professores, onde me hospedei na aldeia Djudjê-Kô, transformou-se de inodora, como deveria ser, em água com sabor e mal cheiro, apesar de ser de um posto semiartesiano.

Os Xikrin, que durante o verão de julho saiam para pescar, e ainda alguns saem a pescar em locais longínquos, peixes contaminados, estão comprando peixes em Marabá e transportando-os por via aérea.

Durante o inverno chuvoso com grande volume de chuvas, as duas represas de rejeitos minerais da Usina Onça Puma de Níquel ficam cheias e seus excessos drenam por vertedouros para o rio Cateté, através de tubulações.

Mais de 90 indígenas das etnias Xikrin e Kayapó em audiência no MPF, em 2018, para tratar de processo que envolve mineradora Onça Puma, subsidiária da Vale S.A. no Pará. Foto: Ascom MPF

Mais duas represas estão em construção pela Companhia Vale e terão vertedouros para o rio Cateté, um rio de médio porte que aumenta de volume com abertura dos vertedouros das duas represas. Quando há chuvas e abertura dos vertedouros ou escoadouros das represas, a água escorre até a estrada para Ourilândia e atinge um poço semiartesiano da aldeia Djudjê-Kô, contaminando-o.

O lençol freático que fornece água às aldeias Xikrin devem ser analisados quanto a possível contaminação, sobretudo da aldeia Djudjê-Kô. As técnicas de enfermagem das aldeias Cateté e Djudjê-Kô estão comprando água mineral em galões devido a sujeira e ao cheiro d’água dos poços semiartesianos.

Em cerca de 50 anos visitando os Xikrin, inicialmente usando água transparente do rio Cateté, transportada em latões e, posteriormente, dos poços semiartesianos, este foi o primeiro ano que encomendei água mineral para beber.

Os maus brasileiros que somente visam lucros, estão acabando com os nossos rios, com os garimpos e minerações sem controle, estimulados pelo governo Bolsonaro.

Os indígenas Xikrin estão bebendo água mineral na infância na Amazônia Oriental, Sudeste do Pará, como medida preventiva limitada. Os Xikrin dizem que a água dos seus principais rios estão “punura” ou que não prestam.

A aldeia Djudjêkô é uma das maiores dentro da Terra Indígena Xikrin do rio Cateté, onde vivem mais de mil indígenas da etnia. Foto: Maurício Monteiro Filho/Repórter Brasil

A Companhia Vale tem antecedentes trágicos de destruições de rios em Mariana e Brumadinho, levando a contaminação por metais pesados do rio Doce até o Oceano Atlântico. Desejo que essa tragédia não se repita para os rios Cateté e Itacaiúnas, que suas duas represas de rejeitos minerais e duas em construção não se rompam e que a tragédia não se repita para os Xikrin, ribeirinhos, cidades de Parauapebas e Marabá banhadas pelo rio Itacaiúnas.

Há necessidade de dosagens repetidas dos minerais, já constatados anteriormente no lodo dos rios Cateté e Itacaiúnas e nos cabelos de poucos Xikrin.

A população atual da Terra Indígena Cateté é de 1.660 Xikrin, sendo que pelo acordo da Vale com a Comunidade Xikrin, ela passou a pagar quatro salários mínimos para cada indígena independentemente da idade, estabelecida na justiça.

Estão com dinheiro, porém estão sem água e cada vez mais contaminados, pois as crianças e mulheres continuam a frequentar diariamente os rios. Saem dos rios com prurido intenso e com a conjuntiva dos olhos irritadíssima pelo metal níquel e outros.

 

A Vale e o rio Cateté

A Mineração Onça Puma Ltda., subsidiária da Vale S/A, obteve em agosto de 2004 no Pará licença prévia para exploração de nível nas Serras do Onça e do Puma, em áreas próximas às terras indígenas localizadas na sub-bacia do Rio Catete e do Igarapé Carapanã. A licença obrigava a mineradora a apresentar planos e programas preventivos mitigadores e compensatórios para as comunidades indígenas afetadas.

Nos primeiros esboços apresentados, a mineração Onça Puma comprometeu-se a desenvolver atividades para acesso à energia, recuperação de mata ciliar e de controle de emissão de resíduos. Em abril de 2005, foi emitida a licença de instalação do empreendimento; em agosto de 2008, a licença de operação das atividades de lavra, que foi renovada em 2010 com a licença de operação da atividade de beneficiamento de minério.

Em maio de 2011, o Ministério Público Federal (MPF) ajuizou uma ação civil pública contra a Vale S/A, controladora da mineradora, alegando que o empreendimento estaria em operação sem que tivessem sido atendidas todas as condicionantes previstas em seu processo de licenciamento. Desde então o MPF travou uma batalha judicial com a Vale por causa de irregularidades no licenciamento de projetos de mineração, que atingiram aldeias dos povos Xikrin e Kayapó, sem que tivessem sido feitos estudos de impacto ambiental. As aldeias foram cercadas por quase todos os lados pelas atividades econômicas de mineração da empresa.

Em 2016, o MPF determinou um trabalho de campo para averiguar, in loco, os impactos do empreendimento. As conclusões revelaram severos impactos na cultura e na saúde dessas comunidades, em razão da contaminação do Rio Cateté. Estudos apontavam que, em sete anos de atividade, a empresa contaminou com metais pesados o rio Cateté e dificultou muito a vida dos Xikrin.

O Ministério Público Federal a Vale e povos indígenas Xikrin e Kayapó firmaram um acordo em novembro de 2020. A conciliação dizia respeito aos impactos ambientais causados pela Mineradora Onça Puma e o acordo previa a suspensão do processo judicial por um ano contra a mineradora, com a condição de pagamento de R$ 26 milhões em indenização aos indígenas e, ainda, a despoluição Cateté.

Entretanto, segundo relatório sobre os danos à saúde do povo Xikrin do Cateté, produzido em julho de 2021 pelo médico João Paulo Botelho Vieira Filho, os rios Cateté e Itacaiúnas, utilizado cotidianamente pelos indígenas para alimentação, pesca, transporte, banho e consumo de água, continuam visível e comprovadamente poluídos por metais pesados, como chumbo, cádmio, ferro, cobre, cromo, manganês e níquel.

O relatório traz um aprofundamento dos danos causados à saúde das mais de 1.600 pessoas que vivem na TI pelas minas da mineradora Vale e aponta que a contaminação é causada pelos rejeitos das minas Onça-Puma e 11D Eliezer Batista, exploradas pela Vale.

Botelho menciona que um estudo do professor Reginaldo Saboia de Paiva, da UFPA, com 49 indígenas do povo Xikrin, constatou em todos eles chumbo presente e elevado”. Além das consequências gravíssimas para a saúde dos indígenas, a contaminação dos rios afeta de forma grave o modo de vida tradicional deste povo e inviabiliza algumas práticas corriqueiras de sua cultura – como, por exemplo, o consumo da farinha de mandioca. A consequente substituição do alimento tradicional pela compra de alimentos industrializados, segundo Botelho, favorece o aumento de casos de obesidade, hipertensão e diabetes mellitus tipo 2 e alguns casos de doenças nos rins, câncer e tremores podem ser consequência da contaminação por metais pesados.

As Associações Indígenas Porekrô, Kakarekrê e Baypran, do povo Xikrin, seguem denunciando a situação e cobrando providências das autoridades.

 

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*Professor adjunto da Escola Paulista de Medicina, na Universidade Federal de São Paulo, e consultor médico das Associações Indígenas Xikrín, Porekrô, Kakarekré e Baypran, Marabá

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