22/08/2023

Júlio Ye´kwana: “Precisamos derrubar essa tese para preservar o meio ambiente”

Lideranças e representantes indígenas de todo o país se manifestam contra a tese do marco temporal; o julgamento, interrompido em junho deste ano, pode ser retomado em setembro

Por assessoria de Comunicação do Cimi

O povo Ye´kwana não compartilha apenas o território com o povo Yanomami. “Nossa luta é a mesma, [ambos] hoje afetados pelo garimpo ilegal na nossa Terra Indígena Yanomami”, relata Júlio Ye’kwana, presidente da Associação Wanasseduume Ye’kwana (SEDUUME) em discurso proferido no último mês durante o evento de lançamento do Relatório Violência Contra os Povos Indígenas do Brasil – dados de 2022.

Ambos os povos habitam a mesma terra e sofrem das mesmas mazelas oriundas de uma realidade que ainda parece assombrar não só os povos Yanomami e Ye’kwana, mas todos os demais povos que lá habitam: Amajari, Wathou, Auaris, Parawau, Kataroá, Monte Caburai e Moxihatëtëma – estes em isolamento.

Apesar dos esforços investidos pelo governo federal para combater as invasões do garimpo ilegal, “está difícil resolver os problemas que foram causados [pelo garimpo]”, considera Júlio. “É fácil destruir, contaminar, matar os animais, os peixes, mas consertar é difícil. Hoje, o governo tenta consertar isso. Mas está sendo difícil para a gente, porque ainda tem os poderosos que são contra os povos indígenas”, alerta.

O contingente anti-indígena ao qual Júlio se refere são sobressalentes dos últimos quatro anos do governo federal, que continua a compor e a influenciar os Três Poderes. O interesse do ruralismo, de empreendimentos mineradores e de “poderosos” interessados na exploração das terras tradicionais dos povos indígenas ainda se revelam expressivos em discussões e medidas governamentais.

Os efeitos destas medidas estão no Recurso Extraordinário 1.017.365, do Supremo Tribunal Federal (STF); no Parecer 001/2017, da Advocacia-Geral da União (AGU); e no Projeto de Lei (PL) 2903/2023, que tramita no Senado Federal – antigo PL 490/2007. Todas têm em seu bojo a tese do marco temporal como fundamento para balizar os direitos de povos que são originários.

A tese tenta limitar, à data da promulgação da Constituição Federal – ou seja, ao dia 5 de outubro de 1988-, o direito territorial aos povos indígenas. Se aprovada, não só fragilizará tais direitos, como fomentará, ainda mais, as invasões e a exploração das terras originárias.

Não à toa, Júlio defende pôr um fim na tese do marco temporal. Para a liderança, derrubá-la é uma forma de combater as invasões que sofrem, há pelo menos 50 anos, na TI Yanomami. Afinal, “nós somos os donos da terra e precisamos derrubar essa tese para preservar o meio ambiente, porque há relação muito forte dos povos indígenas com a natureza. Precisamos dela em pé para a gente continuar vivendo bem”, conclui.

Com o garimpo ainda em atividade na TI, Júlio reclama medidas a fim de proteger a floresta, os rios e os “lugares sagrados” que seu povo cultua. “Eles foram destruídos pelo garimpo. A floresta é onde os povos indígenas, os sábios, os sonhadores, os conhecedores, os mais velhos conversam com os sobrenaturais, com os invisíveis que são donos da natureza. Com a destruição, nosso conhecimento vai embora. Por isso, nós estamos preocupados”, relata Júlio.

Foto: arquivo pessoal

“A floresta é onde os povos indígenas, os sábios, os sonhadores, os conhecedores, os mais velhos conversam com os sobrenaturais, com os invisíveis que são donos da natureza.”


Júlio Ye’kwana
Presidente da Associação Wanasseduume Ye’kwana (SEDUUME)

O marco temporal vai afetar as terras indígenas do Brasil, vai facilitar o genocídio dos povos indígenas. Por isso, somos contra o marco temporal. Nós, povos Yanomami e Ye ‘kwana, vivemos dentro da Terra Indígena Yanomami. A nossa história não começa em 1500. Nossa história é aqui.

Nós não somos invasores. Nós, indígenas, somos os donos da terra. A gente quer que o marco temporal seja derrubado para preservar o meio ambiente, porque os povos indígenas têm uma ligação muito forte com a natureza. Precisamos dela em pé para a gente continuar vivendo bem.

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