22/08/2023

Cimi Regional Maranhão realiza 44ª Assembleia e reafirma compromisso com povos indígenas

A Assembleia contou com a presença de missionários, colaboradores, lideranças indígenas, representantes da igreja e das pastorais sociais e do Comire

44ª Assembleia do Cimi Regional Maranhão. Foto: Jesica Carvalho / Cimi-MA

44ª Assembleia do Cimi Regional Maranhão. Foto: Jesica Carvalho / Cimi-MA

Por Jesica Carvalho, da Assessoria de Comunicação do Cimi Regional Maranhão

Embalados pelas palavras de Jesus, que diz “Dai-lhes vós mesmo de comer”, escritas pelo evangelista Mateus, o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) – Regional Maranhão realizou, entre os dias 14 e 18 de agosto, na Casa de Retiro Oásis, em São Luís (MA), a sua 44ª Assembleia, com o tema “Territórios Livres: Comida Sem Veneno, Povos Sem Fome”.

Participaram da Assembleia missionários e missionárias do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) Regional Maranhão, colaboradores, lideranças dos povos Anapuru Muypurá, Tremembé de Engenho e de Raposa, Akroá Gamela e Ka’apor, o bispo de Viana (MA) e referencial do Cimi Regional Maranhão, Dom Evaldo Carvalho, Luiz Ventura, secretário adjunto do Cimi, representantes do Conselho Missionário Regional (Comire), da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e do Conselho Pastoral de Pescadores (CPP).

A leitura do evangelho de Mateus e a oferta de palavras de ordem como “Territórios Livres”, “Demarcação de Terras”, “Comidas Sem Veneno” e a bandeira dos 50 anos do Cimi ao som de músicas que motivam a luta, deram início às atividades da Assembleia. Na partilha do evangelho, Gilderlan Rodrigues, da coordenação colegiada do Cimi Regional Maranhão, destacou os processos de resistência dos povos indígenas para manter os seus territórios livres, como exemplo os processos de retomada encabeçados pelos Akroá Gamella.

“No momento, a nossa maior fome é por terra, e esse alimento não é partilhado de forma igualitária aqui no Maranhão”

Ainda na partilha, Camila Anapuru Muypurá evidenciou os principais aspectos que afastam, atualmente, os povos indígenas do Bem Viver. “No momento, a nossa maior fome é por terra, e esse alimento não é partilhado de forma igualitária aqui no Maranhão”.

Em seguimento, Rosana Diniz, da coordenação colegiada do Cimi Regional Maranhão, fez memória da 43° Assembleia do Cimi Regional Maranhão, como a reivindicação do Território Kaura pelo povo Tremembé de Raposa. Ação que ganhou força com a “Semana de Lutas: pelo direito de viver em nossos territórios”, ocorrida em fevereiro de 2023.

Durante a manhã do primeiro dia, os povos presentes apresentaram os desafios e os clamores depara viverem em um território livre. Durval Tremembé relatou a sua história com Cimi desde a Ditadura Militar. “Depois que eu participei da missão, a partir da Teologia da Libertação, eu me joguei na causa pelo reconhecimento do meu povo”, evidenciou, destacando que “Na Raposa não é diferente, até o nosso povo diz para a gente desistir da luta, mas a gente tem que ser teimoso”, acrescentou.

“Depois que eu participei da missão, a partir da Teologia da Libertação, eu me joguei na causa pelo reconhecimento do meu povo”

Robson Tremembé relembrou o processo vivido pelo seu povo para que hoje tivessem avanço no processo de demarcação de seu território. “No Engenho, passamos por muito sofrimento, desde 2012, com a primeira reintegração de posse, mesmo com o GT [Grupo de Trabalho], estamos ainda sofrendo muita violência”, afirmou.

Rosana Diniz pontuou que o trabalho realizado pelo Cimi Regional Maranhão é um instrumento eficaz na luta pelos direitos dos povos indígenas. “Esse trabalho de educação do Cimi ajuda as lideranças a fortalecerem a sua identidade e lutar pelos seus direitos cada vez mais ameaçados pelo agronegócio”.

Em relação aos desafios e clamores do seu povo, Camila Anapuru Muypurá falou sobre os entraves em relação à autodeclaração, para o registro civil com o nome do povo e a falta de território que inviabiliza o acesso às políticas públicas diferenciadas. A liderança pontuou avanços como a participação nos conselhos de Cultura e de Educação nos municípios de Chapadinha (MA) em Brejo (MA), a realização de encontros do povo, com apoio do Cimi Regional Maranhão e a presença de mais indígenas Anapuru Muypurá no 14° Encontrão da Teia de Povos e Comunidades Tradicionais do Maranhão.

“Esse trabalho de educação do Cimi ajuda as lideranças a fortalecerem a sua identidade e lutar pelos seus direitos cada vez mais ameaçados pelo agronegócio”

Outros desafios elencados pelos povos presentes dizem respeito à mineração nas terras indígenas no Noroeste do Maranhão, bem como a tentativa de estabelecimento do projeto de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação florestal (REDD+) nos territórios indígenas. Janay Ka’apor enfatizou as ameaças ao seu território. “Temos as áreas de proteção, mas, mesmo assim, o território é invadido pelos madeireiros, pescadores e caçadores, eles não respeitam nós, povos indígenas”.

Nesse sentido, Craw Craw Akroá Gamella pontuou que o não reconhecimento pelo Estado do seu povo é um dos principais desafios para o seu povo. “Nós vamos em todo canto atrás dos nossos direitos. Acho que os desafios nunca vão acabar e temos que ser muito fortes para resistir”, ressaltou.

Ainda em relação à temática, na parte da tarde, Hemerson Pereira, missionário do Cimi Regional Maranhão, apresentou uma síntese dos dados de violência contra os povos indígenas no estado, contidos no relatório Violência Contra os Povos Indígenas do Brasil – dados de 2022, publicado pelo Cimi em julho de 2023, com referência ao ano de 2022. “Esse relatório é um instrumento de formação política. O relatório funciona como ferramenta de mobilização dos povos para denúncias e reivindicações dos seus direitos constitucionais”, destacou.

“O relatório é um instrumento de formação política, uma ferramenta de mobilização dos povos para denúncias e reivindicações dos seus direitos constitucionais”

Seguindo, Luiz Ventura trouxe a discussão sobre a conjuntura indigenista em 2013. Em suas palavras, Ventura apontou a necessidade de mobilização por parte dos povos indígenas. “O governo Lula é um governo de frente ampla que reúne pessoas que pensam de diferentes formas e que, inclusive, pensam de forma antagônica e a questão indígena dentro do governo é algo que não tem consenso. Em relação ao Marco Temporal, temos que fazer muita mobilização. Vocês têm que chegar nos territórios e continuar uma mobilização mais contundente”, frisou.

Nas análises realizadas, Dom Evaldo Carvalho, pontuou a conjuntura eclesial. De acordo com o bispo, a atual conjuntura da igreja no Brasil é o resultado de uma manipulação do discurso religioso para fomentar uma ideologia conservadora. Nesse sentido, houve o crescimento de ações em um projeto conhecido como Cristofascismo.

Finalizando o dia de debates, o professor da Universidade Federal do Maranhão, Dr. Elio Pantoja, apresentou uma análise da situação no Maranhão, com avanços no agronegócio, como o Matopiba, que já destruiu mais de 50 % da vegetação nativa do Cerrado; e a mineração, processos que afligem os povos e acumulam terras, ou seja, impedem que os povos vivam o Bem Viver.

“Este é um governo de frente ampla que reúne pessoas que pensam de diferentes formas e que, inclusive, pensam de forma antagônica à questão indígena”

No segundo dia, a Assembleia teve início com a cantoria e rituais dos povos. Nesse dia, as discussões giraram em torno do tema “Territórios Livres: Comida Sem Veneno, Povos Sem Fome”. Meire Diniz, missionária do Cimi Regional Maranhão, fez um resgate da história da Teia de Povos e Comunidades Tradicionais do Maranhão, pontuando sobre um dos seus principais esteios, a soberania alimentar. “Quando produzimos a nossa comida no território, além da soberania alimentar é uma forma de autoproteção. A troca de sementes é uma forma de soberania alimentar que leva à produção de alimentos que já não existiam nos territórios”,

Luiz Ventura destacou, em relação ao tema, os processos de produção de alimentos que buscam expandir as monoculturas em terras indígenas e como esses processos contribuem para a degradação da natureza. “Tudo passa pelo território livre, quando falamos em território livres, falamos de territórios demarcados e homologados. A economia verde é um modelo invisível e colonizador de exploração dos territórios.”

À tarde, as lideranças dos povos indígenas presentes apresentaram experiências de quintais produtivos e práticas de agroecologia. Craw Craw Akroá Gamella enfatizou a importância da retomada realizada pelos Akroá Gamella para a produção de alimentos saudáveis. “Nós éramos proibidos de pescar em nossos rios, mesmo assim insistimos. Desde a retomada, não conheço ninguém no território que ainda paga foro”, apontou.

“Tudo passa pelo território livre, quando falamos em território livres, falamos de territórios demarcados e homologados”

“Tudo que produzimos é feito pela natureza e isso é bom para nós, nos deixa mais fortes, pontuou Robson Tremembé, em relação às hortaliças cultivadas no Território Engenho, destacando a importância do Cimi Regional Maranhão para fortalecimento da produção de alimentos e da reconstrução da vida no território de Engenho.

Janay Ka’apor apresentou as ações do Conselho Tuxa Ta Pame para a defesa do Território Indígena Alto Turiaçu. “As áreas de proteção foram criadas com o objetivo de impedir a entrada de madeireiros no território, sendo ocupadas pelas famílias Ka’apor em cada ponto de entrada desses invasores, também plantamos nessas áreas, alimentos saudáveis, frutas nativas e outras árvores frutíferas”, acrescentou.

Ainda durante a tarde, foram debatidas informações sobre a revogação da Instrução Normativa (IN) nº09 e a instituição da IN nº30 pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai). De acordo com Gabriel Serra, assessor jurídico do Cimi Regional Maranhão, a IN nº30 apresenta preocupantes retrocessos na proteção dos direitos dos povos indígenas e seus territórios.

“Tudo que produzimos é feito pela natureza e isso é bom para nós, nos deixa mais fortes”

“Essa norma repete erros já observados na Instrução Normativa nº09, de 16 de abril de 2020, ao permitir a emissão de Declarações de Reconhecimento de Limites para imóveis privados confrontantes com terras indígenas, essa normativa pode resultar em sobreposições territoriais e ameaças às áreas indígenas, já suscetíveis a disputas judiciais. A ênfase no sensoriamento remoto pode negligenciar aspectos culturais e históricos dessas comunidades, desconsiderando ocupações e retomadas históricas”, enfatizou.

O terceiro dia foi iniciado com a celebração eucarística, presidida pelo Bispo Dom Evaldo Carvalho. Em seguida, o tema de debate tratou sobre a sinodalidade e os desafios para uma igreja em saída. Nesse sentido, Dom Evaldo explicou que a sinodalidade é uma saída não só das estruturas, mas de si mesmo. Uma saída para ir  ao encontro das diversas realidades.

Sobre a temática, Madalena Borges, da coordenação colegiada do Cimi Regional Maranhão, explicou a importância da sinodalidade para o trabalho da igreja junto aos povos indígenas. “Há na própria igreja uma incompreensão do trabalho do Cimi, pois nós inculturamos e respeitamos a cultura dos povos, mantemos o diálogo intercultural e intereligioso, explicou.

” A ênfase no sensoriamento remoto pode negligenciar aspectos culturais e históricos dessas comunidades, desconsiderando ocupações e retomadas históricas”

No final da manhã, a Assembleia dividiu-se em grupos e respondeu à pergunta: “O que anima o Cimi na missão de ser uma igreja em saída?”. Durante a tarde, após a apresentação dos grupos, foram destacadas as linhas de ações apoiadas pelo Cimi Regional Maranhão. A Assembleia foi finalizada com a leitura da ata e a da nota construída durante esses dias.

 

Confira a nota abaixo: 

NOTA DA 44ª ASSEMBLEIA DO CIMI REGIONAL MARANHÃO

Nos dias 15 a 17 de agosto de 2023, na cidade de São Luís, estado do Maranhão, o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) – Regional Maranhão realizou sua 44ª Assembleia com o tema Territórios Livres: Comida Sem Veneno, Povos Sem Fome. A Assembleia contou com a presença dos (as) missionários (as), do Bispo de Viana e referencial do Cimi-MA, representantes das pastorais sociais e do Conselho Missionário Regional (Comire) e lideranças dos povos Anapuru Muypurá, Tremembé, Ka’apor e Akroá Gamella.

Entre os compromissos assumidos, a Assembleia reafirmou a importância do reconhecimento dos territórios indígenas. Tais territórios devem ser livres e protegidos, a permitirem a reprodução física e cultural dos povos, a preservação da natureza com soberania alimentar.

Repudiamos a persistência do racismo institucional aos povos sem território ainda reconhecido como justificativa para a negação dos direitos constitucionais e acesso às políticas públicas específicas.

Tememos pelos crimes e danos que a mineração tem provocado, conforme denunciaram as lideranças Ka’apor frente a expansão da mineração na região Noroeste do Maranhão, que representarão impactos não somente à vida no território Alto Turiaçu.

Apoiamos a posição do Conselho Tuxá Ta Pame (veja o vídeo aqui) contra a instalação de projetos de Redução de Emissões provenientes de Desmatamento e Degradação florestal (REDD+) no território Alto Turiaçu. O Cimi compreende que os mecanismos do REDD+ visam mercantilizar a natureza e, além de provocar divisão interna entre os povos, representam riscos de desterritorialização subordinando bens naturais de uso exclusivo dos povos a interesses privados de países poluidores.

Por fim, preocupa-nos que a Instrução Normativa (IN) nº 30, da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), que regulamenta a emissão de Certidão de Reconhecimento de Limites a particulares em terras indígenas, não assegura necessariamente a proteção dos territórios reivindicados pelos povos originários e que se encontram sem nenhuma providência administrativa por parte do Estado brasileiro ou em processo de estudo de seus limites.

O Cimi Regional Maranhão reafirma seu compromisso em apoiar as lutas dos povos pelo Bem Viver em seus territórios livres, com soberania alimentar na produção de comida sem veneno.

“Dai-lhes vós mesmo de comer”!

São Luís (MA), 18 de agosto de 2023.

 

Conselho Indigenista Missionário (Cimi) Regional Maranhão

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