Cimi denuncia desaparecimento de indígena Sateré-Mawé em área de exploração madeireira
Região no rio Urupadi onde o jovem Reinaldo Santana Magalhães Sateré Mawé, de 20 anos, foi visto pela última vez, tem extração ilegal e sistema análogo à escravidão
Desaparecido desde o dia 28.04.23, conforme registro do Boletim de Ocorrência nº 1187, da 48ª Delegacia Interativa de Polícia (DIP) do estado do Amazonas, em Maués (a 258 km de Manaus), o jovem indígena Reinaldo Santana Magalhães Sateré Mawé, de 20 anos, foi visto pela última vez em uma região de exploração ilegal de madeira no rio Urupadi, onde teria ido caçar.
Depoimentos de lideranças ribeirinhas e indígenas Sateré Mawé relatam que há invasão de madeireiros dentro da área e que os invasores atuam na contratação de mão de obra local para o trabalho pesado de “puxar” as toras da floresta para a beira do rio e, então, realizar o escoamento da madeira em um sistema análogo à escravidão. Os fatos constam da denúncia protocolada pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi) junto ao Ministério Público Federal (MPF) no último dia 25.05.
Os madeireiros se estabeleceram há, aproximadamente, três meses em uma das comunidades ribeirinhas do rio Urupadi, na área do território da UC, vizinha da Terra Indígena Andirá-Marau (TIAM), que ainda se encontra em processo de regulamentação.
“Há invasão de madeireiros que atuam na contratação de mão de obra para o trabalho pesado, e então, realizar o escoamento da madeira em um sistema análogo à escravidão”
Um Ofício da SEMA do dia 29.11.22 atesta a irregularidade. De acordo com o documento, “os processos de licenciamento ambiental, em especial dos Planos de Manejo Florestal, são encaminhados para a SEMA através do Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas – IPAAM”, e que há sobreposição com a área proposta pra criação da UC Urupadí com a Floresta Estadual de Maués, pois estão localizadas em sua “Zona de Amortecimento”. Portanto, o órgão recomenda ao IPAAM, através da Recomendação Legal nº 4/2021 5º Ofício/PR/AM, que:
1) (…) no prazo de 15 (quinze) dias:
- Adote as medidas necessárias para anular as autorizações ou licenças de conformidade e manejo de madeira já expedidas sobre as áreas de uso tradicional dos povos tradicionais do Rio Urupadí em Maués/AM (com pedido de criação de unidade de conservação sob análise na SEMA), respeitando-se tão somente eventuais planos de manejo comunitários propostos pelos moradores indígenas e tradicionais da região, após a devida consulta livre, prévia e informada aos mesmos;
- Nas análises de novos pedidos de autorizações e licenças de manejo, adote as medidas cabíveis para garantir a consulta livre, prévia e informada, nos termos da Convenção nº 169 da OIT, às comunidades ribeirinhas e tradicionais da região afetada, no município de Maués, não autorizando qualquer novo pedido dentro da área proposta de criação da unidade de conservação no rio Urupadí e região (em andamento na SEMA) sem a referida consulta aos povos tradicionais da região.”
Grande parte da madeira extraída pelos madeireiros é Ipê, árvore protegida.
O pai de Reinaldo, jovem Sateré desaparecido, seu Ronaldo Magalhães, é um dos que aceitou o trabalho de transportar as toras. Sua empreitada era de puxar 150 toras em 15 dias. Como, notadamente, não conseguiria, chamou seus filhos. Reinaldo e mais dois menores de idade, 15 e 16 anos. Segundo a liderança José Magalhães, que aceitou falar sobre o caso, os dois menores eram “jovens de pouca idade, mas altos e fortes para o trabalho”. Cada um deles receberia o mesmo valor pela diária.
Pouco antes de terminar o prazo da empreitada, a equipe composta pelo pai e filhos já havia “puxado” várias toras, mas não todas as combinadas. A liderança não soube dizer quantos dias trabalharam e quantas toras haviam conseguido puxar. Ao ver que não haviam feito todo o trabalho nos dias que já estavam trabalhando, o encarregado hostilizou os trabalhadores, dizendo que faziam “corpo mole”. E retirou do trabalho os filhos do pai de Reinaldo.
“Ao ver que não haviam feito todo o trabalho nos dias que já estavam trabalhando, o encarregado hostilizou os trabalhadores, dizendo que faziam ‘corpo mole'”
Foi, então, que ao solicitar o pagamento pelo trabalho que já haviam feito, os trabalhadores souberam do sistema de aviamento. Segundo o encarregado, a equipe devia o valor de uma caixa de frangos. Aproximadamente R$ 240,00. Seu Ronaldo continuou a trabalhar para pagar o valor que o encarregado dizia que ele devia e também porque, pelos seus cálculos, iria ter o que receber.
Os dias se passaram e ele fez a cobrança ao encarregado que, de forma hostil, anunciou que haviam roubado um motosserra e 20 litros de gasolina, sugerindo que Ronaldo havia roubado e que ele haveria de pagar pelo roubo.
Em comentário a parte da gravação, uma das lideranças contou que a encenação da motosserra foi utilizada em outras ocasiões que ele presenciou e/ou ouviu contarem e que envolve madeireiros e trabalhadores na extração de árvores florestais, sendo essa a terceira vez que ele soube do argumento de roubo de motosserra e combustível com a finalidade de tumultuar a situação e não pagar o devido aos trabalhadores.
“O argumento de roubo da motosserra e combustível tinha como finalidade tumultuar a situação e não pagar o devido aos trabalhadores”
Não pagaram ninguém
As lideranças não sabem dizer quantos trabalhadores foram contratados pela madeireira, mas dizem que foram vários indígenas e ribeirinhos foram cativados pela promessa do dinheiro rápido. E que, após o desaparecimento de Reinaldo, os madeireiros deixaram a área e não pagaram nenhum deles. Apenas seu Ronaldo conseguiu receber parte do dinheiro. Também disseram que trabalhadores da cidade foram trazidos com a mesma promessa. Depois de perceberem o golpe, os trabalhadores conseguiam sair e retornar à cidade, mas outros eram ludibriados e trazidos.
Ameaças explícitas
Depois de alguns dias do desaparecimento do jovem Reinaldo Santana Magalhães Sateré Mawé, as lideranças da comunidade Sagrado Coração de Jesus, adentraram na mata em busca de vestígios que pudessem explicar seu paradeiro. Nada encontraram. Fizeram novas diligências, mas também sem sucesso.
Os familiares de Reinaldo fizeram dois Boletins de Ocorrência. Um primeiro apenas relatando o ocorrido. E um segundo, após a negligência da Polícia Federal, relatando justamente a ineficiência do órgão.
Relataram que, ao solicitarem as buscas a Reinaldo, o primeiro delegado alegou não ter possibilidades logísticas de fazer as buscas. O argumento agravou-se quando a comunidade ofereceu assumir a logística e o combustível para que a equipe da Policia Civil percorresse a área. O delegado alegou que havia outras demandas mais urgentes, prioritárias, e não autorizou destacamento para as buscas.
“Depois de alguns dias do desaparecimento de Reinaldo, as lideranças da comunidade adentraram na mata em busca de vestígios que pudessem explicar seu paradeiro, nada encontraram”
Após insistências da comunidade e familiares de Reinaldo, o Corpo de Bombeiros fez um sobrevoo na área denunciada, onde poderia estar Reinaldo. Fez também uma busca terrestre rápida. Mas, segundo as lideranças logo foi embora, numa clara negligência pelo caso. A equipe dos bombeiros fez um vídeo mostrando a ação que mostra, claramente, a fragilidade da ação.
Uma das lideranças chegou a fazer denúncia em sua rede social, contando do desaparecimento de Reinaldo e solicitando mais seriedade dos órgãos competentes e que empreendessem esforços nas buscas na região. Reinaldo nasceu e se criou na região, conhece muito bem as matas que percorreu atrás da caça, alimento para si e para a família.
Passados 15 dias do desaparecimento do jovem, três lideranças que estavam à frente dos diálogos com os órgãos de segurança, denunciaram às organizações da sociedade civil que ao frequentarem a praça central de Maués, foram fotografadas por homens de motocicleta, sem explicações ou identificações.
Quanto a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) de Parintins, as lideranças relataram que esteve ausente o tempo todo, não deu assistência nenhuma à família ou à comunidade, e que apenas ao ser cobrada sua presença no momento em que surgiu a informação de que Reinaldo se encontraria na comunidade Tracajá, localizada do lado oposto, muito distante, da área onde Reinaldo foi visto pela última vez. Nesse momento, a Funai comunica que foi averiguar a veracidade da informação e fez relatório dizendo que não se tratava de Reinaldo.