Oficina de Formação Política Jurídica debate legislação e processos administrativos de demarcação de Terras Indígenas, em Tefé (AM)
Lideranças de oito povos participaram da Oficina, trocaram experiências e são unânimes na opinião de que “a dor de um, é a dor de muitos”
“Temos sofrido diversos tipos de ameaças e diversos tipos de invasões de pessoas não indígenas que se localizam ali ao redor do território para extração de forma ilegal de recursos naturais como o açaí, a castanha e também de madeira. Além disso, também os indígenas têm sofrido com ameaças, até mesmo de morte por esses invasores. Então, nesse sentido, se faz importante essa oficina que estamos tendo para que nós consigamos saber quais são os nossos direitos, onde devemos reivindicar e a quem procurar [quando acontecem esses problemas]”.
Esse é o depoimento de Fausto Assipar dos Santos, professor indígena do povo Kokama, um dos participantes da Oficina de Formação Política Jurídica, que se realizou na aldeia Boará, Terra Indígena Boará/Boarazinho da Ilha do Panamin, em Tefé, Amazonas, na segunda quinzena do mês de abril.
O evento contou com a participação de representantes dos povos indígenas Kokama, Mayoruna, Kaixana, Kanamari, Kambeba, Ticuna, Miranha e Apurinã, das aldeias Barreira da Missão de Cima, Barreira de Baixo, Betel, Boará, Boarazinho, Kanata Ayetu, Arauiri, Macari, Vasques, Novo Destino, Nova Aliança, Severino, Patauá, Projeto Mapi e Porto Praia, das Terras indígenas Barreira da Missão, Boará/Boarazinho da ilha do Panamin, Porto Praia de Baixo, Igarapé do Patauá, Projeto Mapi e Severino. Contou ainda com a participação dos representantes da Coordenação Municipal de Assuntos Indígenas, do Fórum Municipal de Educação Escolar Indígena de Tefé (FOMEEI-Tefé) e dos Estudantes Indígenas do Centro Vocacional Tecnológico do Instituto Mamirauá.
“Se faz importante essa oficina que estamos tendo para que nós consigamos saber quais são os nossos direitos, onde devemos reivindicar e a quem procurar”
Para Fausto, a importância da oficina está na troca de saberes, experiências e realidades, especialmente nas situações de violações de direitos humanos. A Oficina “é de fundamental importância, porque está nos dando um certo esclarecimento das questões legais a respeito dos direitos indígenas, no sentido de fazer com que nós possamos defender e reivindicar esses nossos direitos”.
Realizada pela equipe do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) na Prelazia de Tefé, com apoio das lideranças indígenas, da Agência Católica Para o Desenvolvimento Ultramarino (CAFOD) e Assessoria Jurídica do Cimi Regional Norte 1, os objetivos da oficina foram, justamente, esses que Fausto aponta. “Discutir sobre os processos e as instâncias governamentais envolvidas na regularização de terras no Brasil, dos novos elementos trazidos por um novo governo, a partir do ano de 2023, para que os povos indígenas possam estar capacitados para monitorar e denunciar as violências para as instituições e órgãos competentes sobre essa temática”.
“A Oficina é de fundamental importância, porque está nos dando um certo esclarecimento das questões legais a respeito dos direitos indígenas”
O tema envolvendo a pauta sobre terra e território indígena, é bastante discutida pelos povos indígenas da região do médio Rio Solimões e Afluentes, principalmente no município de Tefé que, atualmente, conta com aproximadamente 24 aldeias, tendo apenas uma demarcada e homologada (Terra Indígena Barreira da Missão) onde se localiza 04 aldeias habitada pelos povos Kokama, Kambeba e Ticuna. A maioria das terras indígenas deram entrada junto a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) com o pedido de reconhecimento étnico e territorial e que se encontra sem providência.
Em tempos em que a principal luta é a efetivação dos processos de demarcação das Terras Indígenas na perspectiva de fazer valer a Constituição Federal, que em seus artigos 231 e 232 garantem o direito aos territórios e às culturas que estruturam a vida indígena, é fundamental que os indígenas conheçam as leis e os caminhos que garantem seus direitos. É a avaliação de Raimundo Nonato, coordenador das equipes do Cimi, na Prelazia de Tefé.
“Em tempos em que a principal luta é a demarcação das Terras Indígenas é fundamental que os povos conheçam as leis e os caminhos que garantem seus direitos”
“Essa oficina de formação tem como objetivo trazer para as populações indígenas maior conhecimento sobre seus direitos. Para os povos indígenas, a base de sua luta tem que ser garantida com conhecimento sobre as leis. Aqui, [nessa oficina] um ponto focal muito específico é a questão dos direitos territoriais, tanto individual, os direitos individuais, quanto o direito coletivo para essas populações”, ressalta.
Raimundo destaca, ainda, que ao se tornarem protagonistas de seus passos, não dependerão mais de outras pessoas para exigir seus direitos. “[A Oficina] é um elemento a mais na garantia de que os direitos desses povos venham a ser respeitados e garantidos, e também que eles sejam os atores que vão reivindicar. Que não precisem de terceiros para fazer isso por ele. A formação tem esse foco principal do direito territorial, mas faz uma abrangência geral na organização do Estado brasileiro de como estão organizados os poderes [legislativo, executivo e judiciário]”, afirmou.
“Essa oficina de formação tem como objetivo trazer para as populações indígenas maior conhecimento sobre seus direitos”
Além de Tefé, o projeto é desenvolvido pelo Cimi Regional Norte I e realiza as Oficinas Político Jurídico junto às equipes nas áreas em que atuam, como em Carauari no médio Solimões, Vale do Javari e Roraima, por entender que os conflitos territoriais e outras violações de direitos cometidas contra os povos indígenas requer que essas atividades formativas sejam promovidas para que os indígenas conheçam e se empoderem desses conhecimentos para denunciarem as violações e discutir as resolutividades.
No decorrer da oficina de Tefé, nos trabalhos de grupos e nas plenárias, os participantes fizeram proposições, destacando a capacidade de diálogo e de assumirem as instâncias de tomadas de decisão, e poder do Estado brasileiro. Destacaram que só assim serão construídos caminhos possíveis para que as aspirações indígenas sejam concretizadas diante das instituições responsáveis pela efetivação dos direitos, reflete o documento final da Oficina, escrito pelos participantes.
“Os conflitos territoriais e outras violações de direitos cometidas contra os povos indígenas requer que essas atividades formativas sejam promovidas”
“A dor de um, é a dor de muitos. Diante dos constantes ataques aos nossos direitos, as nossas vidas, reafirmamos a resistência indígena que descende de uma ancestralidade que tem na floresta, nos rios, nos bichos e na mãe terra parte de nossa existência, do nosso ser e viver harmoniosamente com a ‘casa comum’, para que tenhamos nossos “territórios livres, com comida sem veneno e povos sem fome”. A regularização, reconhecimento de nossos territórios indígenas é necessário para manutenção de nossa sobrevivência; proteger nossas terras das invasões de garimpeiros, madeireiros, caçadores, pescadores, traficantes de drogas entre outros invasores que depredam nossos territórios”, destaca o documento que traz as denúncias e as reivindicações dos povos indígenas de Tefé e será encaminhado aos órgãos responsáveis pela proteção indígena.