26/05/2023

José Claudio Mura: “Antes do Brasil ser colônia, nós já existíamos”

Lideranças e representantes indígenas de todo o país se manifestam contra a tese do marco temporal; o julgamento, marcado para o dia 7 de junho, definirá o futuro das terras indígenas do Brasil

Por assessoria de Comunicação do Cimi

O povo Mura vive há mais de dois séculos na região do baixo rio Madeira, no estado do Amazonas. São 45 aldeias localizadas nos municípios de Autazes, Careiro da Várzea, Careiro e Manaquiri, que abrigam 15 mil pessoas, cujo número populacional aumenta a cada ano.

O aumento da população e o futuro das gerações vindouras têm mobilizado o povo a reivindicar a regularização fundiária de parte da terra tradicionalmente ocupada, que ficou de fora do processo de demarcação do território Mura do baixo rio Madeira.

Na época – meados do século XX –, parte das terras dos Mura foi demarcada em formato de ilhas pelo, hoje, extinto Serviço de Proteção ao Índio (SPI), órgão indigenista do Estado que foi substituído pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) no final dos anos 1960.

Contudo, essa configuração territorial descontinua as terras e as reduzem quando organizadas nesse formato, não comportando a dinâmica e o crescimento populacional dos Mura. “O nosso povo aumentou muito, então nossas terras ficaram muito pequenas. Então a gente não tem, hoje, território. A gente tem ilhas. Nossa briga é para que o nosso território seja demarcado”, declarou José Claudio Mura, presidente do Conselho Indígena Mura (CIM) e um dos depoentes da campanha “Terra é Vida”, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), contra a tese do marco temporal.

Conformadas em ilhas, as aldeias ficam isoladas uma das outras e, desse modo, suscetíveis a invasões de fazendeiros criadores de gado e búfalo, pescadores ilegais e de mineradoras, como há muito tempo o povo Mura vem sofrendo e denunciando. De igual modo, as invasões têm impactado o modo de vida das comunidades e impedido os Mura de circularem livremente em seu território. As restrições de acesso aos rios e igarapés têm afetado a obtenção de água potável e recursos naturais, bem como a realização da pesca tradicional e demais atividades cotidianas fundamentais para a subsistência do povo.

A demarcação das terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas é fundamental e urgente para barrar as recorrentes invasões no território e, assim, garantir o futuro do povo Mura em Autazes e Careiro da Várzea.

Potássio

A mineradora canadense Potássio do Brasil, há pelo menos 14 anos, tenta se apoderar das terras indígenas Mura. Ricas em silvinita – mineral amplamente utilizado pela indústria de fertilizantes para produção de potássio e de grande interesse para o agronegócio -, as terras das comunidades Mura têm sido alvo constante de assédio e coação por parte da empresa do setor minerário.

Para isso, a Potássio do Brasil tem forçado moradores da aldeia Soares Urucurituba a vender suas terras, como relatado pela reportagem do site Amazônia Real. A comunidade é uma das mais afetadas pela invasão da mineradora, uma vez que a mina de potássio de Autazes encontra-se dentro da Terra Indígena (TI) Soares/Urucurituba, cujo o processo de demarcação – segundo dados de 2021 do relatório Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil – encontra-se ainda sem providência.

Contudo, outras terras também têm sido impactadas pela invasão da mineradora. Apesar de não estar dentro das terras cobiçadas pela empresa, as TIs Jauary e Paracuhuba estão localizadas a cerca de 8 km da área indígena explorada pela Potássio do Brasil. A proximidade com o projeto minerário da empresa exigiu a realização da Consulta Livre, Prévia e Informada ao povo Mura, como determina a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

A consulta, no entanto, foi interrompida após visita da Justiça Federal do Amazonas e do Ministério Público Federal (MPF) às aldeias. Para os órgãos do Judiciário, não há cabimento legal à consulta enquanto não houver definição sobre o processo de demarcação do território indígena Soares/Urucurituba. Por se tratar de um empreendimento de mineração em área indígena, o que é inconstitucional, e não de impacto à mesma, tornaria a medida ilegal.

Das TIs afetadas pela mineradora, apenas Paracuhuba encontra-se com o processo de demarcação finalizado. Contudo, é uma área pequena – de 943 hectares – que não comporta o modo de vida dos 134 indígenas do povo Mura ali residentes. Jaury, por sua vez, aguarda desde 2012 a emissão da portaria declaratória. Enquanto a TI Soares/Urucurituba, espera a abertura do GT de identificação e delimitação de suas terras há pelo menos 20 anos

A falta de providências no processo de demarcação da TI Soares/Urucurituba tem permitido avanços da mineradora no território Mura. Em março deste ano, a empresa chegou a ser multada pelo MPF em R$100 mil, mais R$ 50 mil diários por descumprimento da decisão judicial que a obrigava a retirar as placas da empresa do território da aldeia Soares/Urucurituba. Para o MPF e para Justiça Federal no Amazonas, há provas suficientes de que as atividades da empresa estão localizadas em área indígena, uma prática proibida no Brasil.

“A Potássio do Brasil entrou dentro do nosso território. Embora a terra não seja demarcada juridicamente onde a Potássio [do Brasil] possivelmente comprou as terras, lá sempre foi território tradicional. Temos prova disso. Nós somos filhos legítimos daquelas terras tradicionalmente ocupadas”, explicou José Claudio em entrevista à equipe de Comunicação do Cimi durante o 19º Acampamento Terra Livre (ATL).

Contudo, a tradicionalidade dos povos e das terras indígenas no Brasil parece pouco importar às empresas de mineração. São interesses como esse – na exploração de recursos em terras indígenas por mineradoras como a Potássio do Brasil e por outros setores econômicos – que tem produzido narrativas anti-indígenas como a do marco temporal.

Para José Cláudio, a tese que será julgada, no dia 7 de junho, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), e que tem sido pautada no âmbito Legislativo por meio do Projeto de Lei (PL) 490/2007, nega a sua existência, pois apaga sua ancestralidade e a ancestralidade de seu povo.

Foto: Maiara Dourado/Cimi

“Nós somos filhos legítimos daquelas terras tradicionalmente ocupadas”


José Claudio Mura
Presidente do Conselho Indígena Mura (CIM)

Para nós [povo Mura], não existe marco temporal. Não queremos marco temporal, pois ele desconsidera toda a nossa ancestralidade. O nosso medo é que o STF vote a favor do marco temporal e não demarquem as nossas terras, porque [a demarcação] depende também dessa questão. Então, para nós, é fora marco temporal.

Vamos continuar brigando pela nossa demarcação, lutando contra o marco temporal, que vem contra toda a nossa existência. Antes de o Brasil ser Colônia, antes de a Amazônia ser Colônia, nós já existíamos lá, já estávamos nos nossos territórios.

É direito nosso ter nosso território demarcado, homologado, para que a gente possa ter a garantia da terra e, assim, sobreviver no nosso meio ambiente, na nossa fauna e flora.

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