03/05/2023

História Reacendida: tempo de colheita para o Povo Aranã

Em um momento de resgate histórico contra a invisibilidade de seu povo, os Aranã Kaabok constroem metas e pontos necessários para o fortalecimento de sua caminhada

Seminário “Quem são os Aranã?” Foto: Bruno Marcos e Haroldo Heleno/Cimi Leste

Por Franklim Drumond, Haroldo Heleno e Maria Rosária Schaper, do Cimi Regional Leste*

O Povo Indígena Aranã Kaabok, do Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, continua a colher os frutos do processo de articulação e organização vivenciado na década de 1990. Esse povo, resistente, que vive em sua maioria nos municípios de Araçuaí e Coronel Murta, tem buscado desde então consolidar o processo de identificação dos Aranã, sempre acompanhado pelo Cimi Leste.

Para fortalecer essa articulação e planejar ações de incidência política, as lideranças desse povo realizaram em fevereiro de 2023, na sede da Abita, em Coronel Murta, o seminário “Quem são os Aranã?”. O encontro reuniu cerca de 50 lideranças indígenas que, com a assessoria da equipe do Cimi Leste, planejaram o futuro e definiram estratégias pela conquista do território e de seus direitos.

O evento contou com a participação de Douglas Krenak, que buscou incentivar os parentes para que continuem se organizando e buscando o apoio e a participação no movimento indígena regional. Geralda Chaves, a Gêra, também participou do seminário. Ela é uma das primeiras missionárias do Cimi que atuou na região e continua a colaborar com a luta dos povos indígenas de Minas Gerais. A retomada das atividades reuniu ainda parceiros do povo Pankararú e do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), que estiveram presentes no encontro.

É chegada a hora de nós, povos indígenas do estado de Minas Gerais e Espírito Santo, tomarmos a frente do que é nosso por direito

Seminário “Quem são os Aranã?”. Foto: Bruno Marcos e Haroldo Heleno/Cimi Leste

“É muito importante estar aqui participando desse diálogo, porque chegou o momento de os parentes reivindicarem não só os seus territórios, mas também de garantir os seus direitos. Todo mundo sabe que existe uma Constituição que nos permite reivindicar esses direitos e eu, enquanto coordenação indicada pelos povos indígenas, mas também enquanto liderança que contribui nessa luta e nessa caminhada, posso dizer que é chegada a hora de nós, povos indígenas do estado de Minas Gerais e Espírito Santo, tomarmos a frente do que é nosso por direito, tanto na demarcação territorial, quanto na promoção da nossa causa, na proteção dos nossos territórios e dos nossos biomas. Foi importantíssimo ver aqui o povo Aranã conscientes de seus direitos e exigindo dos órgãos competentes esses direitos”, destacou Douglas Krenak.

Haroldo Heleno, coordenador do Cimi Leste, durante os debates, abordou os vários direitos dos povos indígenas, em especial sobre os Artigos 231 e 232 da Constituição Federal de 1988. O coordenador também pontuou a importância de o Cimi poder acompanhar os Aranã nessa longa luta pelo território.

“Esse seminário do povo Aranã Kaabok tem uma fundamental importância nesse momento histórico de mudança de perspectiva governamental. E, para nós, é uma felicidade imensa perceber que os dois grupos conhecidos de Araçuaí e Coronel Murta se juntam para debater os desafios, as dificuldades e, ao mesmo tempo, apresentar propostas. O Cimi, como entidade que sempre acompanhou o povo Aranã, fica muito feliz em poder contribuir e torce para que nesse novo governo o povo possa finalmente conseguir seu território. Nos sentimos parte dessa caminhada e agradecemos ao povo Aranã por nos permitir caminhar junto com eles”, agradeceu o coordenador do Cimi Leste.

Os núcleos familiares que se firmaram na região são o testemunho de que a vida e os sonhos podem ser cultivados por gerações

Seminário “Quem são os Aranã?”. Foto: Bruno Marcos e Haroldo Heleno/Cimi Leste

Na ocasião, as lideranças puderam discutir as principais propostas estratégicas para o povo e deliberaram pela reativação do Conselho Aranã, pela realização da Assembleia Geral do Povo Aranã e pelo reforço das comissões de lideranças dos dois municípios.

A mística da vida, que irrompe mesmo as situações mais difíceis, também animou o encontro. Com a benzeção e com a memória das pessoas que foram sementes da luta, os participantes recordaram a caminhada feita até aqui e se comprometeram a dar continuidade na luta de seus ancestrais.

Para finalizar, Gêra retomou a importância da resistência familiar que caracteriza o povo Aranã, lembrando que os núcleos familiares que se firmaram na região são o testemunho de que a vida e os sonhos podem ser cultivados por gerações. Os participantes do encontro se comprometeram em cultivar um futuro melhor para as próximas gerações.

Reconhecimento étnico e participação no movimento indígena

Por Povos Indígenas no Brasil**

Ao se inserirem no movimento indígena, com apoio do Cimi (Conselho Indigenista Missionário), do GTME (Grupo de Trabalho Missionário Evangélico) e do CEDEFES (Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva), os Aranã deram início ao processo de investigação de sua própria história, ampliando seus conhecimentos acerca da realidade indígena no Brasil contemporâneo. Participando das semanas dos Povos Indígenas em Belo Horizonte, das reuniões do Conselho dos Povos Indígenas de Minas Gerais, da Comissão das Mulheres Indígenas do Leste, da Marcha 500 Anos Brasil, entre outros eventos, os Aranã conquistaram seu espaço político e reforçaram a luta dos povos resistentes no país. Histórias foram reacendidas, direitos foram descobertos, projetos de futuro foram redimensionados. O sonho da vida em comunidade ganhou, enfim, perspectivas. Engajados no movimento indígena, os Aranã se organizaram para pesquisar sua história, sua origem étnica e para conquistar seus direitos, sendo o primeiro deles a terra.

Para os Aranã, a diferença entre seu povo e a sociedade envolvente não está na forma de sobrevivência, na língua, na “aparência”. Para eles, a diferença passa por outras categorias, como ocorre para outros povos indígenas inseridos em contextos regionais com séculos de colonização européia. Para o grupo, ser Aranã é possuir uma história comum, uma origem indígena comum, que une através de laços de parentesco um grupo restrito de pessoas. É através desse sentimento que os Aranã se organizam, que obtêm apoio de indígenas e não índigenas e que reivindicam hoje o direito de viver em comunidade, o direito de ter uma terra.

Vale ressaltar que o povo Aranã é dividido em dois grupos, os denominados Aranã Índio e os Aranã Kaabok e que, atualmente, os Aranã aguardam o órgão indigenista oficial (Funai) iniciar o trabalho de identificação da Terra Indígena. A presidente da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Joenia Wapichana, já assinou as portarias para a retomada de Grupos de Trabalho (GTs) destinados à demarcação de Terras Indígenas (TIs) em diferentes regiões do país, entre eles a do povo Aranã Índio e também dos Aranã Kaabok.

**Disponível em: <https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Aran%c3%a3>. Acesso em: 28 de março de 2023.

 

*Matéria publicada originalmente no jornal Porantim, edição de março de 2023

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