Em novo ataque, funcionários de fazenda destroem barracos e instrumentos sagrados do tekoha Kurupi, em Naviraí (MS)
Funcionários da fazenda avançaram com tratores sobre pertences da comunidade Guarani e Kaiowá. Indígenas denunciam que ação violenta conta com escolta policial
Em mais um desdobramento da série de ataques, ameaças e assédios registrados nas últimas semanas contra o tekoha Kurupi, localizado em Naviraí (MS), funcionários de um fazendeiro destruíram barracos e instrumentos sagrados da comunidade Kaiowá e Guarani na madrugada desta segunda-feira (27). Os indígenas também relatam que sofreram ameaças e temem novas investidas.
A comunidade, que foi alvo de uma ação ilegal de policiais militares na semana passada, denuncia que os agressores continuam contando com a escolta de agentes policiais para realizar os ataques. Áudios interceptados pelos indígenas corroboram a denúncia.
Segundo os relatos dos Kaiowá e Guarani, os funcionários da fazenda Tejuy estão avançando com tratores sobre a comunidade, numa área de preservação permanente da propriedade, sobreposta ao território reivindicado pelos Kaiowá.
Os funcionários contam com escolta policial para “gradear” a terra – a prática, com uso de grades puxadas por tratores, é utilizada para preparar a terra para o plantio de sementes, usualmente de soja ou milho.
“Esse aí é o nosso barracão, onde está o nosso xiru. Passaram por cima com trator”
Segundo os Kaiowá, os fazendeiros usam esta atividade como justificativa para contar com a escolta policial e aproveitam a ocasião para avançar contra os indígenas.
“Nosso barraco já era. Derrubou tudo”, lamenta um Kaiowá da comunidade, em vídeo gravado nas primeiras horas da manhã desta segunda (27), enquanto mostra os resultados da ação do trator na madrugada.
“Desse lado aqui não passou o trator ainda, mas se passar vai derrubar tudo. Se a autoridade está por aí, aja rápido”, pede o indígena, não identificado por razões de segurança.
“Eles estão ameaçando, falaram que vão atirar na cabeça do índio, que vão matar mesmo”, relata outra indígena do tekoha. “Esse aí é o nosso barracão, onde está o nosso xiru [altar sagrado para os Kaiowá e Guarani]. Passaram por cima com trator”.
“A comunidade do Kurupi não parou de sofrer ataques e ameaças um único dia desde a semana passada”
Áudios interceptados
A comunidade do Kurupi conseguiu registrar em áudio algumas comunicações feitas via rádio entre os funcionários da fazenda e, inclusive, conversas dos funcionários com policiais. Os áudios foram interceptados em aparelhos de rádio e gravados por meio de celular entre a noite de domingo e a madrugada de segunda, e indicam a gravidade da situação.
“Tá preto de índio do outro lado do rio (sic)”, afirma uma das pessoas no áudio captado pelos indígenas. “Do outro lado ali, onde vai gradear mais tarde”.
“Vamos trabalhar. Se eles saírem da moita e vierem pra cima, nós levantamos a grade e vamos pra cima. Enquanto eles não saírem da moita, vamos gradeando”, afirma outro homem.
Em um dos áudios, é possível ouvir os funcionários da fazenda comunicando-se com um homem identificado como “sargento” e avisando sobre as próximas movimentações dos tratores no local. O funcionário também deixa transparecer que, quando não estão sendo assediados, os indígenas ficam “quietos no canto deles”.
“Sargento, essa noite não está rodando o trator, então está sossegado aqui na fazenda, está tranquilo, de boa. Eles estão quietos no canto deles lá. Agora, amanhã vai começar a rodar três tratores cedo e vai rodar à noite, beleza?”, relata o funcionário.
Na avaliação do coordenador do Conselho Indigenista Missionário – Cimi Regional Mato Grosso do Sul, Matias Benno Rempel, além de corroborar as denúncias que vêm sendo feitas pelos indígenas de diversas comunidades do estado sobre a atuação da Polícia Militar (PM), os áudios indicam que os Kaiowá e Guarani do tekoha Kurupi têm apenas buscado se defender.
“Essa situação denota que os indígenas estão numa postura passiva, apenas se protegendo e resguardando a parte do território que eles ocupam, que é uma área de mata, de preservação permanente, e só se defendem quando os tratores avançam contra a comunidade, seus barracos e pertences, inclusive objetos sagrados”, avalia Matias.
“Se em algum momento avançam, isso ocorre depois das provocações e ou ataques que recebem. Na verdade, a comunidade do Kurupi não parou de sofrer ataques e ameaças um único dia desde a semana passada”, aponta o coordenador regional do Cimi.
Ataques em série
Na última quinta-feira (16), os indígenas do tekoha Kurupi foram alvo de um ataque de fazendeiros e da Polícia Militar, que contou inclusive com o uso de helicópteros e disparos de armas de fogo.
Segundo os indígenas, o ataque ocorreu após funcionários da fazenda Tejuy avançarem sobre a área de preservação permanente ocupada pela comunidade.
Nos últimos anos, a Polícia Militar do estado de Mato Grosso do Sul tem realizado uma série de ações ilegais contra comunidades indígenas, quase sempre com o mesmo método: sem determinação judicial, prestando apoio a fazendeiros, invariavelmente com uso de força desproporcional.
No ano passado, a ação mais notória do tipo foi realizada contra o tekoha Guapoy, em Amambai (MS), resultou no assassinato do Guarani Kaiowá Vitor Fernandes, de 42 anos, e ficou conhecido como “massacre do Guapoy”. No mesmo período, o próprio tekoha Kurupi foi alvo de ataques de forças policiais.
Já neste ano, no início de março, o tekoha Laranjeira Nhanderu, em Rio Brilhante (MS), foi alvo de uma tentativa de despejo ilegal efetuada pela PM. A ação resultou na prisão arbitrária de três indígenas, soltos no dia seguinte por determinação da Justiça Estadual.