Cimi Regional Norte I realiza sua 43ª Assembleia com místicas, memória, resistência e esperança
Depois de três anos de pandemia e quatro de um governo anti-indígena, a Assembleia fortaleceu missionários e missionárias e reafirmou seu compromisso com a causa indígena
“Não tenhamos medo de cultivar um pensamento forte. Essa força só se dá na medida em que nós temos um ponto em comum. Esse ponto é justamente o amor pela vida que brota a partir do momento em que a gente partilha o que nós pensamos, o que nós experienciamos”. Com essas palavras, o administrador diocesano de Roraima, Pe. Lúcio Nicolleto, traduziu os objetivos e o sentimento que permeou e animou os participantes da 43ª Assembleia do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) Regional Norte I, realizada nos dias 11 a 13 de fevereiro, no Centro de Formação Xare, em Manaus.
Comemorando seus 50 anos, o Cimi que atua nos estados de Roraima e Amazonas reafirmou sua caminhada na mística, memória, resistência e esperança. Teve como lema a célebre frase “Diga ao povo que avence! Avançaremos!”. Impulsionados por esse espírito, missionários e missionárias, religiosos e religiosas, leigos e leigas, convidados e convidadas do Regional partilharam ações, projetos, atividades, desafios, desejos e sucessos alcançados junto aos povos indígenas.
“Não tenhamos medo de cultivar um pensamento forte. Essa força só se dá na medida em que nós temos um ponto em comum”
A alegria e a força do encontro estavam redobradas por ser a primeira Assembleia no modo presencial depois de três anos de pandemia e quatro de um governo anti-indígena, disse Jussara Góes, membra da coordenação colegiada do Cimi Regional Norte I. “Depois de três anos nos encontrando de forma virtual devido ao isolamento social provocado pela pandemia, o momento foi de acolhida, reflexão em relação aos anos anteriores e alegria por estarmos juntos novamente. Este momento é fortalecedor, também, porque depois de quatro anos de governo genocida, agora temos um novo governo”, diz com esperanças na retomada da democracia.
Para a coordenadora, os temas trabalhados na Assembleia “vão nos proporcionar encontrar caminhos para os próximos anos, no fortalecimento da luta indígena, de esperança para os missionários do Cimi, fortaleza na luta e também na garantia e efetivação dos direitos dos povos indígenas”.
“Depois de três anos nos encontrando de forma virtual […] o momento foi de acolhida, reflexão em relação aos anos anteriores e alegria por estarmos juntos novamente”
O missionário Pedro da Silva Souza, que atua no rio Madeira e Marmelos, concorda com Jussara, dizendo que depois da pandemia e do abandono dos indígenas pelo governo dos últimos quatro anos, o momento é de esperança. “Depois de todo esse contexto trágico da pandemia do Covid-19 e de quatro anos de completo abandono das políticas públicas aos povos indígenas, a gente vê no horizonte uma luz que possa trazer mais tranquilidade, mais dignidade para eles. Que os territórios não sejam invadidos, que os povos indígenas tenham os seus direitos garantidos e respeitados, assim como está na lei”.
Atualmente, as equipes do Cimi Norte I estão localizadas nas regiões de Lábrea, Tefé, médio Juruá, Javari, Borba e rios Madeira e Marmelos, no Amazonas, e em Roraima nas regiões Alto Cauamé-Tabaio, Amajari, Serra da Lua, Curiara e na cidade, todas em parceria com a Pastoral Indigenista. O Regional tem ainda, representação na Equipe de Apoio aos Povos Livres (Eapil) e na equipe Itinerante, que chega nos lugares mais longínquos da floresta amazônica. Tem, também, representação na Cáritas Arquidiocesana de Manaus e na Pastoral Indigenista de Parintins e é parceira nas Dioceses de Coari, Maués e Itacotiara.
O momento é de esperança
A luz que vem dos povos
Há 50 anos atrás, no ano de 1972, o Cimi começava sua ação e missão e adentrava a Amazônia buscando formas de proteger os povos indígenas que estavam na mira de um Estado “desbravador”, querendo integrá-los à civilização e extinguir suas culturas, essência de suas vidas.
Para fazer memória dessa história e debater a conjuntura política indigenista atual após 50 anos de caminhada e refletir sobre os desafios e perspectivas a serem enfrentadas após as eleições de 2022, a primeira mesa da Assembleia trouxe os missionários Egydio Schwade, Terezinha Weber e Chico Loebens, e o secretário executivo do Cimi, Antônio Eduardo de Oliveira. Quatro pessoas que consagraram suas vidas ao fortalecimento das lideranças e organizações indígenas, as quais tomam a frente de sua história no decorrer dos anos e, apesar de todos os ataques, chegam em 2023 com boas perspectivas de consolidação de políticas indígenas.
Há 50 anos atrás, no ano de 1972, o Cimi adentrava a Amazônia buscando formas de proteger os povos indígenas
Para entender o presente é preciso lembrar o passado e, então, possibilitar as perspectivas para o futuro. Assim Egydio Schwade, missionário precursor na formação do Cimi na década de 1970, começa suas memórias, lembrando que a ideia, na época, era de integração dos indígenas.
Referindo-se ao antropólogo Darcy Ribeiro, o missionário disse que “por toda a parte da terra ele já anunciava o fim, o desaparecimento dos povos indígenas. Essa perspectiva era idêntica, tanto da Igreja Católica como do governo. A integração nacional dos povos indígenas, significando que toda integração passa pela desintegração: desintegra-se a cultura, desintegram-se as terras, desintegra-se a autonomia e a vida”.
Foi com o Concilio Vaticano II que a Igreja revê suas diretrizes para os povos indígenas e passa a ver, entender e realizar a missão na perspectiva da sua cultura e seus modos de vida. “O Concílio coloca uma perspectiva completamente diferente. A do Lumen gentium, que quer dizer, a ‘luz vem dos povos’. A luz não é de Roma, muitas vezes se pensava, de cima pra baixo. Não! Ela vem do homem caído na beira da estrada, não vem do samaritano. O samaritano que se deixa iluminar pelo homem caído na beira da estrada”, analisa Egydio ao comentar que foi com essa “luz que vem dos povos” que as equipes de religiosos construíram o Cimi. “Dizíamos para os missionários ‘busquem as sementes do Verbo ocultas nos povos’. Deus está nas aldeias, também nas religiões indígenas”.
Foi com o Concilio Vaticano II que a Igreja revê suas diretrizes para os povos indígenas e passa a ver, entender e realizar a missão na perspectiva da sua cultura e seus modos de vida
Integrando as equipes que iam em missão para as aldeias, leigos e leigas também se deixaram iluminar pelo “homem caído na estrada”. Uma delas foi Terezinha Weber, a missionária Tere, que atuou, à época, com os povos de recente contato. “Uma experiência marcante, porque nem a Funai tinha uma política para esses povos. Foram os missionários que os acolheram, pois pouco entendiam da nossa vida e estavam agredidos pelas políticas do governo. Esses primeiros contatos, além do acolhimento, também suscitaram seminários, encontros de discussões muito mais amplos, inclusive com a própria Funai”, lembra Tere, indicando que com essas experiências, “começou a se conseguir, em termos de legislação, algum caminho para os povos isolados, hoje chamados de povos livres”, enaltece.
Assim como a experiência da Tere, muitas outras caminhadas foram trilhadas pelos vários missionários que atuaram no Cimi, em defesa incondicional dos direitos indígenas, especialmente no período da ditadura militar. Anos de chumbo, que massacrou e dizimou tantos indígenas em nome do desenvolvimento. Essas memórias permanecem vivas a cada encontro realizado e em cada atividade desenvolvida nas aldeias.
“Começou a se conseguir, em termos de legislação, algum caminho para os povos isolados, hoje chamados de povos livres”
Para Dom Leonardo Steiner, o primeiro bispo cardeal da Amazônia, recordar as dores é necessário para dimensionar a missão do Cimi. “É uma assembleia celebrativa como memória, recordação do passado, mas também dos gestos importantes da missão que o Cimi exerceu e com isso pensar o futuro do Cimi”.
Assim destacou, também, o secretário executivo do Cimi, Antônio Eduardo de Oliveira, ao dizer que as Assembleias Regionais são momentos de renovação, esperanças e expectativas, como foi o Congresso dos 50 anos, em 2022.
“A Assembleia Regional é sempre um momento especial, quando a gente renova toda a nossa missão, toda a nossa esperança e expectativa. Assim foi nosso Congresso dos 50 anos, realizado em novembro. Lá elaboramos um manifesto onde evidenciamos que a missão que o Cimi, no silêncio e na solidão da ditadura militar, assumiu em 1972, a dívida histórica da Igreja Católica para com os povos indígenas, continua”, enfatiza Eduardo, dizendo que essa é uma citação da Encíclica Fratelli Tutti, do Papa Francisco, na qual o Pontífice indica a fraternidade e a amizade social para construir um mundo melhor, pacífico e com justiça.
“A Assembleia Regional é sempre um momento especial, quando a gente renova toda a nossa missão, toda a nossa esperança e expectativa”
Eduardo lembra ainda, do manifesto dos 50 anos conclamando os missionários para a continuidade da missão e destacando que “depois de 50 anos, o horror não passou. A violência contra os povos indígenas intensifica-se e torna-se um combate cotidiano contra seus espaços, suas terras, as florestas que as recobrem, a vida que pulsa em todas as suas expressões”.
Também destaca que, apesar dos últimos quatro anos de política anti-indígena assumida pelo governo federal, os indígenas resistiram, foram ao embate e estão fortalecidos em seu protagonismo. “Os povos indígenas não pararam. Eles deram continuidade a esse processo de luta e fomos junto com eles. Chegamos em 2021 com toda a força da resistência que impôs o julgamento do Marco Temporal”, tese que coloca em risco a demarcação dos territórios.
“Por toda essa força, o Cimi tem o dever de resistir junto com os povos indígenas. Temos a responsabilidade de continuar esse diálogo com eles. Não podemos nos afastar, temos que manter esse diálogo para que não voltemos mais ao que aconteceu em 2018”, diz ao enfatizar que “agora o desafio [é o]da reconstrução da política indigenista oficial, especialmente no que se refere a destravar todo o processo de demarcação dos territórios indígenas. Precisamos dar continuidade ao processo de mobilização, mesmo agora tendo essa recepção do Governo Federal com maior participação deles no âmbito do executivo”.
“Os povos indígenas não pararam. Eles deram continuidade a esse processo de luta e fomos junto com eles.
O novo com conhecimento tradicional
A mercantilização da natureza e sua relação com os povos indígenas foi o tema da segunda mesa de debates da 43ª Assembleia do Cimi Regional Norte I. A mesa foi composta por pessoas que atuam social, ambiental e juridicamente na temática: Sinéia do Vale Wapichana, coordenadora do Programa de Gestão Territorial e Ambiental do Conselho Indígena de Roraima (CIR), Iremar Ferreira, do Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Social, e Felício Pontes, procurador da República do Ministério Público Federal.
A mesa trouxe as preocupações e os riscos decorrentes das mudanças climáticas que o planeta Terra enfrenta e, com elas, a forma cativante e perigosa com que os detentores do capital financeiro vêm anunciando para as populações tradicionais, especialmente os povos indígenas, sobre os créditos de carbono.
A mercantilização da natureza e sua relação com os povos indígenas foi o tema da segunda mesa de debates
Os integrantes da mesa explicaram que “os créditos de carbono surgiram com o principal objetivo de reduzir a emissão na atmosfera de gases que causam o efeito estufa, relacionados às mudanças climáticas, por países que assinaram os acordos internacionais nas Conferências das Partes da Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, as COPs. Para se regularem diante dos compromissos assumidos, os países ricos compram o carbono que não é emitido na atmosfera, pois está fixado na floresta em pé pelos países pobres, dando a falsa ideia de que os países ricos, que são os mais poluentes, estão protegendo o planeta. Na COP 27, realizada do Egito em 2022, consolidou-se essa estratégia e o mercado de carbono chega com força, cativando e assediando comunidades tradicionais, que não possuem as informações necessárias para entender como funcionam os créditos, como são as cláusulas de um contrato de carbono e que implicações podem trazer para suas vidas”.
Para procurador do MPF, Felicio Pontes, os “créditos de carbono têm sido apresentados pelas COPs como se fossem uma solução para os nossos problemas, como se a gente fosse ter recursos suficientes para manter a floresta e tudo”, diz mostrando-se apreensivo pela ausência de informações e debate sobre o funcionamento desse mercado, os assédios e a pressão que chegam às comunidades e aos territórios.
“Créditos de carbono têm sido apresentados pelas COPs como se fossem uma solução para os nossos problemas”
Felício alerta para uma nova e sórdida realidade de ameaças: a grilagem do carbono. O procurador explica que a expressão “grilagem de terras” provém da usurpação dos territórios por fazendeiros que apresentavam papeis de propriedade carcomidos em gavetas cheias de grilo, dando a aparência de um documento antigo e original. O procurador compara essa intencionalidade com o objetivo das grandes empresas que chegam para “grilar” os carbonos estocados na Amazônia.
“[Em tempos passados] foram grilados seringais inteiros na região Norte. Foi assim que grandes extensões de terras saíram do patrimônio público e foram parar no patrimônio particular. Agora estamos diante de um outro tipo de grilagem, muito mais complexa do que a agrícola, muito mais bem elaborada. Essa grilagem está de olho na Amazônia porque aqui tem 73 bilhões de toneladas de carbono estocado. Se cada tonelada de carbono custar 10 dólares no mercado livre, talvez mais, quanto de dinheiro dessas empresas pode ter aqui para que possam continuar poluindo lá fora? Esses que se dizem donos da Amazônia e desconsideram as populações que aqui vivem”, atenta Felício.
“Agora estamos diante de um outro tipo de grilagem, muito mais complexa do que a agrícola, muito mais bem elaborada”
Iremar Ferreira, coordenador do Instituto Madeira Vivo e integrante do Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Social e Ambiental, também entende que o mercado de carbono e a pressão sobre os territórios amazônicos são fortes e diz que “precisamos estar muito atentos a essa situação, porque a lógica de mercado é cruel. Como se vende fácil uma tecnologia […] também é fácil vender a ideia de que se você mantém a floresta em pé e vende os créditos para a empresa, vai ganhar dinheiro”, explica, dizendo que o negócio pode impedir a gestão do território pela comunidade. “Não adianta vender crédito de carbono e cercear o acesso ao território, perdendo a gerência do território. Já vi projetos que proibiram até de tirar a palha para renovar a casa. Isso não é plano de vida para nossos povos”.
Para Iremar, o processo de formação e informação deve ser permanente para que as comunidades, coletivamente, consigam decidir sobre seus projetos. “É importante que o processo de formação dê conta de compreender a lógica do mercado, como é que ele funciona e que isso vem maquiado de oferta. Esse mercado nada mais é do que uma usurpação do direito ao território e visa simplesmente aumentar os lucros das empresas que continuarão poluindo”, evidencia.
“É importante que o processo de formação dê conta de compreender a lógica do mercado, como é que ele funciona e que isso vem maquiado de oferta”
No sentido oposto à lógica do capital, que nega a integralidade do ambiente da floresta e dos povos que vivem nela, Sinéia do Vale Wapichana, coordenadora do Departamento de Gestão Territorial e Ambiental do CIR, trouxe para a assembleia a sabedoria dos povos indígenas no trato e na resistência em relação às mudanças climáticas. Pesquisadora de questões do clima, há 15 anos, Sinéia afirma que os conhecimentos tradicionais indígenas e suas práticas de gestão territorial garantem o equilíbrio climático.
“Quando eu falo de mudança climática, eu estou falando da gestão do território, da plantação e da criação, da questão da cultura, das plantas medicinais e tudo o mais. Então, a gente começou a fazer o exercício da construção dos planos de gestão juntamente com os estudos de mudança climática. E aí, a gente vê o quanto os povos indígenas têm sido resistentes com seus conhecimentos tradicionais, criando planos de enfrentamento à transformação do tempo”, explica.
Quanto ao mercado de carbono, Sinéia não esconde a preocupação e afirma que o perigo do assédio existe e que por não ser regulamentado é um grande risco. “Essa compra do carbono voluntário, que não tem benefícios para os povos indígenas, é muito perigosa porque são mercados que não são regulamentados e se não é regulamentado, a gente não tem como recorrer se algo der errado”, pondera e afirma que os povos indígenas continuam, com a sua sabedoria, mantendo a floresta em pé. No entanto, para que os povos indígenas continuem resistentes e resilientes é preciso, segundo Sinéia, políticas públicas, garantia de suas terras e que eles tenham autonomia para dizer sobre como querem fazer a gestão do seu território.
“Essa compra do carbono voluntário é muito perigosa porque são mercados que não são regulamentados”
Organizações Indígenas: presente!
A Assembleia também contou com a participação de representações dos povos indígenas. Com o tema “Rearticulação e avanços do movimento indígena em âmbito regional”, o Fórum de Educação Escolar e Saúde Indígena (Foreeia), representado pela professora indígena Alva Rosa Tukano, e a Articulação dos Povos Indígenas do Amazonas (Apiam), representada pela sua presidente, Mariazinha Baré, expuseram suas lutas, articulações e importância da união dos indígenas no protagonismo de sua história.
Mariazinha contou como foi o processo de rearticulação das organizações indígenas do Amazonas e disse que esse é um momento de retomada e fortalecimento da luta indígena. “A gente vive hoje no Brasil um momento ímpar, mas a gente não pode esquecer que sozinhos não conseguimos avançar nos espaços conquistados. O Estado deve manter o diálogo com o movimento indígena e construirmos juntos as políticas indigenistas. Faremos o nosso papel de cidadãos brasileiros indígenas e o Estado deve realizar o seu papel”, afirmou.
“A gente vive hoje no Brasil um momento ímpar, mas a gente não pode esquecer que sozinhos não conseguimos avançar”
Eliomar Ozias Sarmento Tukano, secretário executivo da Apiam, veio de São Gabriel da Cachoeira para participar da Assembleia e destacou a importância da formação permanente, especialmente da juventude indígena. “Estou certo de que o futuro é ancestral, ou seja, não temos como planejar projetos a curto ou longo prazo sem visar a formação da juventude indígena. Seja criando uma estratégia, um plano específico de enfrentamento às mudanças climáticas, seja repensando um plano de construção das consciências, seja no enfrentamento da violência estrutural ou da exploração da juventude indígena”, disse.
Confirmando a importância e a necessidade da formação permanente em todos os temas de interesse dos indígenas, a cacica Dione Apurinã, da Terra Indígena Copeá, em Coari, atestou que “depois que o Cimi passou a visitar as aldeias de seu território, levar o conhecimento dos direitos e da legislação indigenista com as oficinas políticas e jurídicas, nós fomos nos organizando”. E contou que sua terra ainda não é demarcada, mas que em breve poderão prosseguir com o processo de demarcação. “Nós estamos há décadas vivendo lá. Meu bisavô chegou em 1917. Então, eles não vão poder nos tirar de lá. A Constituição garante nosso direito. Aprendi isso com formação política”, afirmou.
“Estou certo de que o futuro é ancestral”
Também o povo Maraguá, de Nova Olinda, no Amazonas esteve presente representado pelo líder Teodoro Seixas Reis e entende que a formação é necessária para a luta e que informações podem levar a conquistas. “É necessário pensar na juventude, pensar na formação das novas lideranças que estão começando. A juventude precisa ser informada porque são eles que vão fortalecer a vida mais pra frente, quando nós mais antigos fizermos a nossa passagem, esse mundo vai ficar para eles”, falou, demonstrando esperança na luta dos jovens em sua comunidade.
“É necessário pensar na juventude, pensar na formação das novas lideranças que estão começando”
Novas missionaridades
A 43ª Assembleia do Cimi Regional Norte I também trouxe renovações em seu quadro de coordenação e de missionários.
Raimundo Nonato, missionário da equipe do Cimi na Prelazia de Tefé, que esteve por oito anos na coordenação colegiada do Regional passa o compromisso a Gilmara Fernandes, eleita na Assembleia. Gilmara é missionária do Cimi há 18 anos e está atualmente estabelecida em Roraima.
A nova coordenadora recebeu o apoio e uma homenagem dos missionários do regional: “Das terras de Macunaíma, das serras de Roraima, acolhemos com alegria para o serviço na coordenação regional do Cimi Norte 1, Amazonas e Roraima, Gilmara Fernandes. Quem enviarei? Quem irá por nós? E eu respondi: Eis-me aqui. Envia-me! ”, (Isaías 6:8).
Com gratidão, Gilmara agradeceu a confiança depositada em sua missão e disse “estar a serviço do Cimi é estar a serviço da vida, do direito à vida dos povos originários. A coordenação do Regional é uma coordenação colegiada, em equipe, e isso dá segurança. Peço as orações de todos para que consigamos ser fiel à essência na missão de estar com os povos indígenas, nessa caminhada”.
“Estar a serviço do Cimi é estar a serviço da vida, do direito à vida dos povos originários”
Realizadas as etapas de formação e estágio, quesitos necessários para o ingresso no Cimi como missionário apto a atuar com os povos indígenas, respeitando-os e defendendo-os em suas lutas e desafios, foram referendadas pela Assembleia, as missionárias Quézia Martins Chaves, que atua na equipe de Lábrea, e Luíza Machado, com atuação na equipe Borba.
Quézia, filha da Amazônia, resume a emoção de integrar o Cimi Regional Norte I: “Sou uma mulher negra nascida no município de Tefé, na região do médio rio Solimões. O rio que tanto amo e comporta o início e boa parte da minha história e pessoa que sou hoje. Foi lá que iniciei meu processo de desconstrução, reconstrução e construção. É nesse mesmo rio que está a equipe do Cimi, que me fez o convite mais desafiador que tive até agora: semear a vida por diversas mãos”.
“Nesse mesmo rio que está a equipe do Cimi, que me fez o convite mais desafiador que tive até agora: semear a vida por diversas mãos”
Na essência, as parcerias
A Assembleia contou com a presença dos bispos da Diocese de Itacoatiara, Dom José Ionilton Lisboa de Oliveira, de São Gabriel da Cachoeira, Dom Edson Taschetto Damian, da Prelazia de Tefé, Dom José Altevir, Pe Lucio Nicolleto, administrador diocesano de Roraima, e Dom Leonardo Steiner, cardeal e arcebispo da Arquidiocese de Manaus.
Também estiveram presentes religiosos representantes da Companhia de Jesus (Jesuítas), Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), presidente da CNBB Regional Norte I, Congregação das Irmãs Cordimarianas, Congregação das Irmãs Missionárias da Consolata, Congregação Nossa Senhora Cônegas de Santo Agostinho, Congregação Servas do Espírito Santo, Congregação da Imaculada Conceição, Congregação das Filhas da Caridade e Congregação das Irmãs de Nossa Senhora do Calvário (Calvarianas).
A Assembleia contou com a presença de bispos e representantes de organizações religiosas
Pelos povos indígenas, estiveram presentes membros da Articulação das Organizações e Povos Indígenas do Amazonas (Apiam), Conselho Indígena de Roraima (CIR), Hutukara Associação Yanomami, Fórum de Educação Escolar Indígena do Amazonas (FOREEIA), Organização das Lideranças Indígenas Mura de Careiro da Várzea (OLIMCV), União dos Povos Indígenas de Coari/AM (UICAM), Associação de Comunidades Indígenas de Coari e União das Comunidades Indígenas e Não-indígenas do Rio Copeá.
Também estiveram presentes as organizações indigenistas Rede Eclesial Pan-Amazônica (REPAM), Serviço Amazônico de Ação, Reflexão e Educação Socioambiental (SARES), Cáritas Arquidiocesana de Manaus, Comissão Pastoral da Terra de Roraima (CPT-RR), Comissão Pastoral da Terra do Amazonas (CPT-AM), Associação Serviço e Cooperação com Povo Yanomami (SECOYA) e o Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Socioambiental e, ainda, o Ministério Público Federal.
Também estiveram presentes diversas organizações indígenas e indigenistas
O padre jesuíta Sandoval Alves Rocha, do SARES, é positivo em relação às parcerias e diz que “na medida em que os povos originários precisam de apoio, as parcerias se estabelecem para lutar junto e construírem um Estado de direitos. Este vínculo entre os saberes é bastante interessante porque fortalece justamente essa rede de parceiros, de instituições, redes de apoio e de defesa da vida e dos territórios indígenas”.
No evento, Vilma Ucha da Silva, da CPT de Roraima, pode expressar o sentimento de boas energias dos missionários na luta em defesa dos direitos e da autonomia dos povos. “Senti uma conjunção de forças e de lutas nessa contribuição que tanto o Cimi como a CPT têm nas caminhadas que trilham juntos. Principalmente nas lutas em defesa dos povos e da autonomia deles”. Maria das Graças de Oliveira, da CPT do Amazonas, afirmou que “a aliança entre Cimi e CPT sempre foi muito importante, porque nossas missões se entrelaçam”.
“Na medida em que os povos originários precisam de apoio, as parcerias se estabelecem para lutar junto”
Lidiane de Aleluia Cristo, da Secretaria Internacional da Repam, também reforça a importância das parcerias e conta sobre as contribuições do Cimi na instituição. “A Repam faz oito anos, ainda jovem diante da história do Cimi, mas essa parceria contribuiu com a formação do Núcleo Povos Amazônicos e Territórios na estrutura da Repam. Com essa conexão amazônica que o Cimi tem, que é muito grande, eu acredito que os desafios que foram apresentados na Assembleia serão enfrentados com sucesso. Juntos, precisamos nos fortalecer em defesa dos povos, em defesa da ecologia integral, em defesa da vida”.
“Juntos, precisamos nos fortalecer em defesa dos povos, em defesa da ecologia integral, em defesa da vida”
Para as missionárias da Consolata, irmã Lina Beatrice e Madalena, as perguntas sobre os desafios a serem enfrentados são questões que inquietam, mas elucidam a ação missionária em defesa dos povos originários. A Assembleia renovou as esperanças pela harmonia contida nos participantes, que é a mesma contida na Santíssima Trindade. “Essas perguntas nos inquietam, ontem foi assim, hoje é assim, como vai ser no futuro? Essas inquietações nos fazem compreender como podemos nos ajudar para agir. Isso renova as esperanças, a fé na caminhada, no entusiasmo missionário. É reavivar a chama da missão como na harmonia da [Santíssima] Trindade, no movimento bonito que semeia a harmonia dos pensamentos diferentes que estão em comunhão”, resumem as consolatas.
Por fim, a coordenadora Jussara Góes disse que esse movimento fortaleceu a todos. “Saímos da Assembleia sabendo que ainda teremos muitos desafios pela frente, mas também saímos com esperança, alegria e fortalecidos para continuarmos nossa missão junto aos povos e entre nós”.