Violência na TI Arariboia: dois jovens Guajajara são baleados e Guardiões encontram corpo de Awá isolado
Ataque a tiros ocorreu na manhã desta segunda (9); corpo de Awá em isolamento voluntário foi encontrado no dia 5 de janeiro, sem informações sobre causa da morte
Um novo ataque a tiros marcou, no início do ano, a continuidade da grave situação de violência na Terra Indígena (TI) Arariboia, no Maranhão. Na manhã desta segunda-feira (9), dois jovens indígenas do povo Guajajara foram baleados nas proximidades da aldeia Maranuwi, na região do Lago Branco, no município de Santa Luzia. Ambos foram hospitalizados no município vizinho, Grajaú.
Segundo relatos dos indígenas, Benedito Guajajara, de 18 anos, e um adolescente Guajajara, de cerca de 16 anos, retornavam a pé de uma festa na aldeia Tiririca, vizinha à sua, pela rodovia MA-006. Por volta das cinco horas da manhã, já perto de casa, foram atacados com disparos efetuados a partir de um carro preto. Os indígenas foram baleados e o autor dos tiros fugiu.
“Já estava amanhecendo o dia, parou um carro preto e disparou neles, já perto da aldeia. O pessoal da aldeia escutou e foi ver, e encontrou eles caídos”, relata um indígena da região, não identificado por razões de segurança.
Até a tarde desta terça-feira (10), ambos permaneciam hospitalizados, segundo informações do Polo-Base de Saúde Indígena de Grajaú (MA). Benedito, baleado na cabeça, encontrava-se em estado grave.
“É preocupante essa onda de violência que continua acontecendo contra o povo Tenetehar-Guajajara naquela região. Isso é resultado da impunidade, porque os crimes não estão sendo investigados, não tem ninguém sendo punido, e isso potencializa a violência”, avalia Gilderlan Rodrigues, coordenador do Conselho Indigenista Missionário – Cimi Regional Maranhão.
O ataque guarda semelhanças com outros dois casos recentes, ocorridos em setembro de 2022. Naquele mês, três Guajajara da TI Arariboia foram assassinados em circunstâncias ainda não esclarecidas: Janildo Oliveira Guajajara e Jael Guajajara, assassinados no dia 3 de setembro, e Antônio Cafeteiro, morto a tiros pouco mais de uma semana depois, no dia 11.
Todas as mortes ocorreram de madrugada: Janildo foi morto a tiros num ataque no município de Amarante do Maranhão, que também deixou um adolescente Guajajara ferido.
Os casos de Jael e Antônio Cafeteiro são ainda mais parecidos com o ataque desta segunda-feira: ambos foram assassinados em estradas que cruzam o território. Jael foi encontrado já sem vida, com marcas de espancamento, às margens da mesma rodovia MA-006, enquanto Antônio foi assassinado com seis tiros, na estrada que leva ao povoado Jiboia, próximo ao limite da terra indígena.
“É importante que os órgãos responsáveis deem uma resposta, para que os indígenas possam viver com tranquilidade dentro do seu território”, cobra Gilderlan.
“Não foi feita a autópsia por pedido dos Awá, porque o sepultamento foi feito de forma tradicional pelos parentes isolados. Por isso, infelizmente, não foi possível identificar a causa da morte, mas sabemos que essa é uma região onde há muita invasão de madeireiros”
Sepultura de Awá isolado
No dia 5 de janeiro, Guardiões da Floresta da TI Arariboia encontraram a sepultura de um indígena na mata, na região da aldeia Jenipapo, no município de Bom Jesus das Selvas. A TI Arariboia, ocupada por diversas aldeias do povo Guajajara e por indígenas do povo Awá em isolamento voluntário, é constantemente invadida por madeireiros e caçadores.
Foi numa das ações de monitoramento periódico do território que o grupo de Guardiões da Floresta – criado com essa finalidade e, por isso, alvo de constantes ameaças – deparou-se com o túmulo.
As características da sepultura, a disposição dos pertences do indígena e o local onde o corpo foi enterrado fizeram os Guardiões entenderem que se tratava de um indígena isolado, fato que foi posteriormente confirmado pelos Awá que vivem fora do isolamento.
Segundo Olimpio Iwyramu Guajajara, coordenador dos Guardiões da Floresta, o grupo de monitoramento avisou as autoridades e, no dia 7, acompanhou uma diligência ao local, com integrantes da Polícia Federal, da Coordenação Regional da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), da Frente de Proteção Etnoambiental Awá e do Instituto Médico Legal (IML).
“Eles foram acompanhados de dois Awa da região do Caru, que foram ver o local e os objetos”, explica. Os Guardiões retornaram à região neste domingo (8), mas não puderam ir até o túmulo.
“Os Awá isolados estavam protegendo o local da sepultura. Eles estavam acompanhando a gente enquanto estávamos caminhando, e na proximidade do túmulo eles deixaram sinais para que não houvesse o avanço das pessoas. Esse aviso foi respeitado por nós, pois foi decisão deles. Também conversamos com nossos parentes para evitar de caçar na proximidade”, relata Olímpio.
Por pedido dos Awá, o corpo não foi exumado. Por isso, não foi possível precisar a causa da morte nem há quanto tempo ela ocorreu, explica Gilderlan Rodrigues, coordenador do Cimi Regional Maranhão.
“Não foi feita a autópsia por pedido dos Awá, porque o sepultamento foi feito de forma tradicional pelos parentes isolados. Por isso, infelizmente, não foi possível identificar a causa da morte, mas sabemos que essa é uma região onde há muita invasão de madeireiros”, afirma.
“No mês de outubro, depois do assassinato dos Guajajara na região de Arame, obtivemos a informação de que os madeireiros estavam afirmando que tinham assassinado um Awá. Os indígenas relataram que essa informação estava rodando na região”, prossegue Gilderlan.
“Eles estão vindo muito próximos [das aldeias Guajajara], inclusive pegando inhame e macaxeira de nossas roças, porque diminuiu a caça e a alimentação deles, devido à presença dos madeireiros e caçadores”
Para os Guardiões, apesar de não ser possível ter certeza sobre a causa da morte, é necessário garantir a proteção do território e dos indígenas.
“Não temos essa certeza [sobre a causa], mas o que exigimos é que a frente de proteção Awá da Funai seja mais eficiente. Em novembro, durante uma ação de monitoramento, encontramos madeireiros e caçadores justamente nessa região em que os Awá andam”, afirma Olímpio.
“Eles estão vindo muito próximos [das aldeias Guajajara], inclusive pegando inhame e macaxeira de nossas roças, porque diminuiu a caça e a alimentação deles, devido à presença dos madeireiros e caçadores”, relata o coordenador dos Guardiões.
“Exigimos que o Estado cumpra com sua obrigação, principalmente de proteção dos isolados”, cobra Olímpio. Ele recorda que, em 2021, os indígenas da TI Arariboia obtiveram uma medida cautelar da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), determinando a proteção do território e dos indígenas em meio à pandemia de Covid-19.
“Participamos de duas reuniões com o Ministério de Direitos Humanos, porque a Comissão estava pressionando para saber o que o Brasil tinha realmente feito. Que era nada”, lamenta.
Violência contínua
A TI Arariboia tem sido marcada, nos últimos anos, por invasões contínuas e pela violência constante contra os indígenas. Em setembro de 2022, em meio a uma onda de violência contra indígenas, ao menos três Guajajara foram assassinados no espaço de apenas uma semana, e o clima no território era de medo e tensão.
Dois desses assassinatos ocorreram na madrugada do dia 3 de setembro. Naquela noite, o jovem Janildo Oliveira Guajajara, integrante do grupo dos Guardiões da Floresta, foi morto no município de Amarante do Maranhão com um tiro nas costas. No ataque, um adolescente Guajajara de 14 anos também foi baleado, mas sobreviveu.
Na mesma madrugada, Jael Guajajara, de 34 anos, foi assassinado no município de Arame. Os indígenas da aldeia Jacaré, na TI Arariboia, encontraram Jael já sem vida às margens da rodovia MA-006, que corta o território, com marcas de espancamento.
Pouco mais de uma semana depois, outra madrugada, outro assassinato: no dia 11 de setembro, Antônio Cafeteiro, da aldeia Lagoa Vermelha, na TI Arariboia, foi assassinado com seis tiros na estrada que leva ao povoado Jiboia, localizado no município de Arame (MA) e próximo ao limite da TI Arariboia.
Os três casos somaram-se a uma longa lista de atentados, emboscadas e assassinatos de indígenas na região. Essa lista inclui o caso de Paulo Paulino Guajajara, Guardião da Floresta morto numa emboscada em 2019. A Justiça Federal determinou que os acusados pelo homicídio irão ir a júri popular – uma exceção, em meio à esmagadora maioria de assassinatos que permanecem impunes.
Entre 2003 e 2021, a plataforma Caci, que mapeia os casos sistematizados pelo relatório Violência contra os Povos Indígenas no Brasil, do Cimi, registra 50 assassinatos de indígenas do povo Guajajara no Maranhão; destes, 21 eram indígenas da TI Arariboia.