11/01/2023

Justiça autoriza cumprimento de mandado de reintegração de posse contra povo Karaxuwanassu, em Pernambuco

A área ocupada pelos Karaxuwanassu estava abandonada, há anos, em Igarassu (PE); o mandado de reintegração de posse foi expedido na última segunda-feira (9)

Retomada do povo Karaxuwanassu em uma área do município de Igarassu, em Pernambuco. Foto: Ângelo Bueno/Cimi Regional Nordeste

Por Marina Oliveira, da Assessoria de Comunicação do Cimi

O Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJ-PE) expediu na manhã dessa segunda-feira (9) um mandado de reintegração de posse contra os Karaxuwanassu – povo localizado no estado de Pernambuco –, a fim de cumprir com a decisão que deferiu o pedido da Prefeitura de Igarassu no dia 5 de janeiro deste ano.

No dia 1º de janeiro de 2023, os Karaxuwanassu retomaram uma área que está abandonada há anos – chamada por eles de Terra Indígena (TI) Marataro Kaetés. No entanto, a prefeitura do município pernambucano tenta impedi-los de permanecer no local.

Em documento, o Tribunal de Justiça de Pernambuco pede o “cumprimento imediato” do mandado de reintegração, que deverá ser feito por meio do auxílio da Guarda Municipal de Igarassu (PE) e, se necessário, com o suporte da Polícia Militar (PM) de Pernambuco.

“Fixo prazo de cinco dias para o efetivo cumprimento do mandado reintegratório, nos exatos termos da Instrução Normativa 004/2022 editada pela Corregedoria Geral de Justiça de Pernambuco”, afirma o TJ-PE.

 

Sem aviso

No dia 6 de janeiro de 2023, lideranças do povo Karaxuwanassu junto com a comitiva de apoiadores, como representantes do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) – Regional Nordeste, da Cátedra Dom Helder Câmara de Direitos Humanos da Universidade Católica de Pernambuco, da Cáritas Brasileira Regional Nordeste II, da Cáritas Arquidiocesana de Olinda e Recife, a deputada estadual Joelma Carla (PSOL-PE), o bispo Dom Limacêdo e o frei Miguel de Igarassu, se reuniram com a Prefeitura de Igarassu para negociar a permanência dos indígenas no território recém retomado.

Sem saber que a prefeitura já havia acionado a Justiça com uma ação de reintegração de posse – e que, inclusive, já tinha até saído uma decisão favorável ao município –, os indígenas e apoiadores ficaram surpresos ao receber a notícia durante a reunião.

No entanto, apesar da expedição do mandado na manhã da última segunda-feira (9) por parte do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJ-PE), ainda há possibilidade de reverter a situação. Segundo Daniel Ribeiro, advogado e assessor jurídico do Cimi Regional Nordeste, nessa mesma reunião com a Prefeitura de Igarassu, houve um acordo para não dar andamento ao despejo até que uma nova audiência seja realizada – desta vez com a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), com o Ministério dos Povos Indígenas e com o governo de Pernambuco.

“De todo modo, o Cimi, que já acompanha esse povo há anos nessa situação de vulnerabilidade social, vem articulando com outros parceiros, tanto do ponto de vista político quanto jurídico, apoio e incidência para a ajuda e manutenção do povo nesta área. Para que, finalmente, possam ter um local adequado para sua sobrevivência”, pontua Daniel.

“O Cimi, que já acompanha esse povo há anos, vem articulando apoio e incidência para a ajuda e manutenção do povo nesta área”

Daniel Ribeiro, advogado do Cimi Regional Nordeste, durante Ato Ecumênico de solidariedade ao povo Karaxuwanassu. Foto: Ângelo Bueno/Cimi Regional Nordeste

“Foi articulado com a Defensoria Pública Estadual de Pernambuco um núcleo de direitos humanos e de moradia que, na data de 9 de janeiro de 2023, entrou com a defesa no processo judicial de reintegração de posse, solicitando a suspensão de reintegração e outras medidas. Então já foi feita uma defesa judicial nesse processo, que será avaliada por um juiz da causa, juiz que fica em Igarassu. Houve também uma visita institucional da Defensoria Pública da União [DPU]. E, além disso, iremos encaminhar a demanda para o Ministério Público Federal [MPF]”, finaliza o advogado.

 

Indígenas pedem apoio

Em um documento protocolado na última semana na Funai e no Ministério dos Povos Indígenas, os Karaxuwanassu solicitam ajuda para garantir a área retomada, já que não possuem território para cultivar os seus próprios alimentos e manter práticas sociais, culturais e religiosas.

“Somos indígenas e estamos em contexto urbano. Não temos aldeia, território, nem qualquer localidade adequada para realizar a nossa organização social e nossos costumes. Não temos um local certo e seguro para praticar nossa língua (Brobo), crenças e nossas tradições culturais. Em virtude dessas vulnerabilidades, vivenciamos insegurança alimentar, falta de educação própria, condições sanitárias precárias, além do difícil acesso à saúde”, diz um trecho do documento.

“Somos indígenas e estamos em contexto urbano. Não temos aldeia, território, nem qualquer localidade adequada para realizar a nossa organização social”

Ato Ecumênico de solidariedade à demarcação da Terra Indígena Marataro Kaetés. Foto: Ângelo Bueno/Cimi Regional Nordeste

Atualmente, o povo Karaxuwanassu é composto por mais de 200 pessoas – sendo aproximadamente 90 crianças –, distribuídas em mais de 60 famílias. “A cada dia estão chegando mais parentes para nos reunirmos na aldeia Marataro Kaetés. Diante dessa circunstância, obtivemos a partir de uma consulta espiritual uma ligação com os encantados, que informaram sobre a concretização da reserva indígena para que possamos sanar esses carecimentos e assegurar a resistência do nosso povo”, diz outra parte do ofício.

Ainda no documento, os indígenas explicam que a área retomada, de 120 hectares, estava “ociosa e abandonada há anos” e que era usada, frequentemente, por ladrões que realizam prática de roubo de veículos na região e também para pasto de animais de terceiros, como gados e cavalos. De acordo com os Karaxuwanassu, com a ocupação da área, será possível melhorar a segurança da comunidade local e a produção de alimentos, garantindo também a soberania alimentar do município de Igarassu.

“Com a ocupação da área, será possível melhorar a segurança da comunidade local e a produção de alimentos”

Agora, mesmo após o mandado de reintegração de posse expedido pelo TJ-PE, o povo aguarda uma posição da Funai, do Ministério dos Povos Indígenas, do governo do estado de Pernambuco e da Prefeitura do Município de Igarassu para realizar audiências sobre o caso. Além disso, espera-se que a área seja revertida em território indígena, garantindo, assim, direitos assegurados pela Constituição Federal de 1988 – como acesso à saúde, educação e saneamento básico.

 

Contexto urbano

De acordo com o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), a área onde atualmente está localizado o município de Igarassu era habitada pelo povo indígena Kaetés. Mas, em razão da colonização portuguesa, esse povo foi expulso e dizimado de suas terras. O povo Karaxuwanassu é formado por indígenas de diferentes povos de Pernambuco, do Brasil e até mesmo de outros países da América Latina: Bolívia, Peru e Venezuela.

“Somos todos vítimas do processo de colonização responsável pelas violências sofridas em nossos corpos e territórios, sendo obrigados a migrar para as periferias dos centros urbanos [morros e diferentes comunidades]”, afirmam os Karaxuwanassu em um dossiê do povo, que foi protocolado na Funai, pela assessoria jurídica do Cimi, na tarde dessa terça-feira (10).

“Somos todos vítimas do processo de colonização responsável pelas violências sofridas em nossos corpos e territórios”

Povo Karaxuwanassu celebra mais um dia que permanece na retomada em Igarassu (PE). Foto: Ângelo Bueno/Cimi Regional Nordeste

Ainda de acordo com o documento, o qual foi elaborado pelas lideranças indígenas e apoiadores, “a forma colonial de narrar e conceber a vida dos povos indígenas nos idos do século XV foi incorporada e praticada até os dias atuais”. Os indígenas também denunciam que, em razão da migração forçada para as cidades, enfrentam discriminação, desemprego e ainda são excluídos das políticas públicas.

 

Propostas de transformação

No mesmo dossiê, os indígenas propõem desenvolver na TI Marataro Kaetés atividades que possam gerar renda e desenvolvimento socioeconômico para os habitantes do território e do entorno, bem como tornar o local um polo atrativo para o município de Igarassu.

Dentre as propostas, estão: o desenvolvimento da agroecologia a partir dos Sistemas Agroflorestais (SAFs), ou seja, atividade agrícola que respeita o ecossistema local; a produção de alimentos sem o uso de agrotóxicos, aumentando, assim, a biodiversidade; a produção agrícola para atender a demanda da merenda escolar do município; e o investimento do Turismo Étnico-Religioso e o Ecoturismo de base comunitária, valorizando o turismo e a economia de Igarassu.

 

Para conferir o dossiê completo, clique aqui.

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