28/10/2022

Representatividade na política brasileira e a resiliência indígena, um ato de resistência 

Em referência a Ailton Krenak durante a constituinte, questionamos: será que com mais vozes indígenas no Congresso Nacional os demais representantes do povo ficarão mais uma vez omissos, ficarão alheios as agressões movidas pelo poder econômico, pela ganância, pela ignorância do que significa ser um povo indígena?

Por Hellen Loures da Assessoria de Comunicação do Cimi – MATÉRIA PUBLICADA ORIGINALMENTE NA EDIÇÃO 449 DO JORNAL PORANTIM

Ailton Krenak durante a Assembleia Nacional Constituinte em 1987

“Os Srs. sabem, V. Exas. sabem que o povo indígena está muito distante de poder influenciar a maneira que estão sugerindo os destinos do Brasil. Pelo contrário. Somos talvez a parcela mais frágil nesse processo de luta de interesses que se tem manifestado extremamente brutal, extremamente desrespeitosa, extremamente aética”, frisou Ailton Krenak durante a Assembleia Nacional Constituinte, em 4 de setembro de 1987, em uma das cenas mais marcantes da história, que desembocou na explicitação e fundamentação dos direitos dos povos originários em um capítulo único e específico da Constituição Federal. Naquela ocasião, o modo de vida dos povos indígenas no Brasil foi enfim reconhecido, bem como sua capacidade jurídica autônoma.

Na Constituinte, entretanto, apesar do desfecho favorável aos povos indígenas, acusações orquestradas de conspiração contra os interesses nacionais e econômicos procuraram destruir os avanços conquistados – cenário que se observa até os dias atuais. “Somos alvo de uma agressão que pretende atingir na essência a nossa fé (…) O povo indígena tem regado com sangue cada hectare dos oito milhões de quilômetros quadrados do Brasil. E os senhores são testemunhas disso”, lembrou Ailton Krenak, no púlpito do plenário da Câmara dos Deputados, enquanto pintava o próprio rosto com tinta preta, de jenipapo, produto usado por sua tribo, os Krenaks, em situações de luto.

Os povos originários – ainda sem ter conseguido sequer metade dos direitos e garantias reconhecidas no texto constitucional e com um acumulo desumano e violento de ameaças aos seus corpos, culturas e territórios – caminham para ter mais representatividade política

Marcha “Basta de Violência”, durante o ATL 2022. Foto: Hellen Loures/Cimi

Hoje, 34 após a promulgação da Constituição de 1988, os povos originários – ainda sem ter conseguido sequer metade dos direitos e garantias reconhecidas no texto constitucional e com um acumulo desumano e violento de ameaças aos seus corpos, culturas e territórios – caminham para ter mais representatividade política na defesa de pauta sociais, de políticas públicas e de proteção ambiental e territorial, buscando, cada dia mais, que seus direitos se estabeleçam conforme determina a Carta Magna.

Nessa eleição, mais um passo foi dado para o protagonismo dos povos originários, quando 186 pessoas autodeclaradas indígenas se candidataram para o pleito 2023-2026, segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Um número 40% maior que na disputa passada. O maior número desde 2014, aponta a agência Mongabay, quando foi iniciada a autodeclaração racial e 84 candidatos se autodeclararam indígenas.

No âmbito municipal, segundo a agência, indígenas têm ocupado cargos políticos desde 1969, quando Manoel dos Santos, do povo Karipuna, tornou-se o primeiro vereador indígena do Brasil de Oiapoque, no Amapá. Já no Congresso Nacional, até a eleição de 2022, somente três indígenas tinham sido eleitos: o primeiro foi Mario Juruna, do povo Xavante, que atuou pelo estado do Rio de Janeiro; o segundo, em 2014, José Carlos Nunes da Silva, eleito deputado estadual no Espírito Santo; e a terceira, em 2018, foi Joênia Wapichana, deputada federal pelo Estado de Roraima.

Com os resultados do 1º turno das eleições de 2022, foram sete autodeclarados indígenas eleitos para o Congresso. Desses, apenas três candidaturas tem um envolvimento mais orgânico com o movimento indígena

Com os resultados do 1º turno das eleições de 2022, foram sete autodeclarados indígenas eleitos para o Congresso. Desses, apenas três candidaturas tem um envolvimento mais orgânico com o movimento indígena: Sonia Guajajara (PSOL-SP), Célia Xakriabá (PSOL-MG) e Juliana Cardoso (PT-SP). Já nos estados, Anne Moura concorre como vice na chapa que disputa o governo do Amazonas e Jerônimo Rodrigues irá disputar o governo da Bahia no segundo turno, ele foi o nome mais votado ao cargo no estado.

Perspectivas

Em 2023, o Congresso Nacional terá o maior número de representantes indígenas da história. A perspectiva desse protagonismo é uma maior incidência nas pautas ambientais e na defesa dos direitos humanos dos povos originários. O cenário de atuação dessa nova turma, entretanto, ainda depende de um segundo turno favorável a pauta social, que se dará, em especial, com a definição do presidente do país. O fato concreto até aqui é que, com o crescimento de bolsonaristas e adversários diretos no Legislativo, será árdua a atuação da bancada do cocar.

Agora, resta torcer por um país que acabe de vez com as tentativas “dissipadas” durante a Assembleia Constituinte, de integração forçada dos povos indígenas

II Marcha Nacional das Mulheres Indígenas, realizada em 10 de setembro de 2021, em Brasília. Foto: Marina Oliveira/Cimi

Projetos de Lei e Emendas Constitucionais anti-indígenas se acumulam há vários mandatos e somam-se às inúmeras investidas do governo Federal contra os povos originários, como é o caso do absurdo chamado marco temporal e seu esbulho renitente, que afirma que só têm direito às suas terras os índios que lá se encontravam no dia da promulgação da Constituição de 1988.

Agora, resta torcer por um país que acabe de vez com as tentativas “dissipadas” durante a Assembleia Constituinte, de integração forçada dos povos indígenas, e com as inúmeras violências provocadas pela falta de cumprimento do texto constitucional, que determina a demarcação das terras indígenas.

O segundo turno entre Luiz Inácio Lula da Silva e Jair Bolsonaro poderá ser decisivo para o futuro do Brasil e dos povos indígenas. Um dos governantes, mesmo que com todas as contradições que envolvem sua vida política, se comprometeu com a democracia, com os povos indígenas e com o meio ambiente, prometendo acabar com o garimpo ilegal em terras indígenas, fortalecer a fiscalização e criar um ministério dos povos originários. Enquanto o outro candidato defende abertamente, e sempre defendeu, uma política anti-indígena pautada na não demarcação de terras e no desmonte de inúmeros órgãos ambientais e de fiscalização, fortalecendo projetos de extermínios e o Ecocídio.

Foto: Giulianne Martins

A representação política dos direitos indígenas é questão de vida, é ato de resistência diante da agenda de morte do governo federal. A busca pelo protagonismo dos povos originários, muitas vezes silenciados e alijados do debate político brasileiro, se dá num cenário histórico de extrema violências e que está atrelada à sub-representação desses povos nos espaços de tomada de decisão, espaços que deveriam garantir diversidade e direitos humanos. Bolsonaro representa uma ameaça a estes direitos garantidos na constituição federal e, principalmente, à democracia, pois sempre mostrou abertamente suas tendências autoritárias e passou todo seu mandato alimentando discursos de ódio e de ruptura institucional. Ocupar a política e se apropriar de espaços de discursões é, portanto, uma forma de lutar pela proteção dos mais de 230 povos indígenas do Brasil e de seus territórios.

 

Bispos brasileiros afirmam que “não cabe neutralidade” perante projeto autoritário do atual governo

“O segundo turno das eleições presidenciais de 2022 nos coloca diante de um dramático desafio. Devemos escolher, de maneira consciente e serena, pois não cabe neutralidade quando se trata de decidir sobre dois projetos de Brasil, um democrático e outro autoritário”. Esse é o posicionamento dos Bispos do Diálogo pelo Reino – composto por bispos da Igreja Católica de várias regiões do Brasil –, em carta publicada no dia 24 de outubro de 2022.

No documento, os bispos denunciam a gravidade das ações do atual presidente e afirmam que seu governo é “comprometido com a ‘economia que mata’” e que “menospreza as políticas públicas, porque despreza os pobres”.

“Enquanto dizia ‘Deus acima de tudo’, o presidente ofendia as mulheres, debochava de pessoas que morriam asfixiadas, além de não demonstrar compaixão alguma com as quase 700 mil vidas perdidas para a covid-19 e com os 33 milhões de pessoas famintas em seu país. Lembramos que o Brasil havia saído do mapa da fome em 2014, por acerto dos programas sociais de governos anteriores”, diz outro trecho da carta.

Os bispos afirmam, ainda, que o segundo turno “não se trata de uma disputa religiosa, nem de mera opção partidária e, tampouco, de escolher o candidato perfeito, mas de uma decisão sobre o futuro de nosso país, da democracia e do povo”. Segundo eles, a Igreja não tem um partido, mas tem um lado: da justiça, da paz, da solidariedade, do amor, da igualdade, da liberdade religiosa, do Estado laico, da inclusão social e do bem viver para todas as pessoas.

Instituições vinculadas à Igreja Católica repudiam ações do atual governo

Organismos, pastorais e instituições vinculadas ou relacionadas à Igreja Católica se posicionaram, por meio de nota, a respeito do segundo turno eleitoral. Em texto, as instituições demonstraram preocupação com o presente e o futuro do país e também repudiaram as ações do atual governo.

“As ações do atual presidente em favor das armas de fogo, que incentiva a violência; a sua prática constante de propagar mentiras e disseminar o ódio; a manipulação que faz das religiões como forma de poder; a sua política de destruição ambiental; […]; por suas más atitudes no trato das questões relativas às juventudes, às mulheres, aos negros, às pessoas LGBTQIA+ e aos Povos Originários e Comunidades Tradicionais; enfim, todos esses seus atos nos impelem a nos posicionarmos contrários à sua reeleição, para sermos coerentes com a Doutrina Social da Igreja Católica e com o Evangelho de Jesus”, afirma um trecho da nota.

Em seguida, as instituições se solidarizaram com todas as pessoas atingidas pelo desemprego, pelos baixos salários, pela alta dos preços das comidas e pela negligência do governo federal perante a pandemia de Covid-19.

 

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