22/08/2022

Inclusão de povos em retomada no CEEI-MA garante diversidade às discussões sobre educação indígena

A inclusão de conselheiros dos povos Akroá Gamella, Tremembé do Engenho e da Raposa, Kari’ú Kariri, Anapuru Muypurá e Tupinambá foi deliberada durante a primeira reunião do CEEI/MA

Reunião do Conselho de Estadual de Educação Escolar Indígena (CEEI-MA). Na ocasião, foi garantida a inclusão dos indigenas em retomada no CEEI-MA. Foto/Reprodução

Por Jesica Carvalho, da Assessoria de Comunicação do Cimi – Regional Maranhão

O reconhecimento como povos indígenas, a garantia dos seus direitos e a demarcação dos seus territórios são lutas diárias travadas pelos povos originários no estado do Maranhão. Todavia, as reivindicações, com apoio do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) – Regional Maranhão e outros parceiros da causa indígena, vêm alcançando vitórias para esses povos, como a mais recente que garantiu a inclusão dos indígenas em retomada no Conselho de Estadual de Educação Escolar Indígena (CEEI-MA), deferida em 12 de agosto.

A inclusão de conselheiros dos povos Akroá Gamella, Tremembé do Engenho e da Raposa, Kari’ú Kariri, Anapuru Muypurá e Tupinambá foi deliberada durante a primeira reunião dessa instância colegiada, que estava há mais de 10 anos desativada. Na ocasião, a reunião contou com a presença de conselheiros dos povos Teneteha/Guajara, Memortumré Canela, Krepym Cariji, Krikati, Pyhcop Cati Ji, Ka´apor e Awa, representantes dos órgãos do Governo do Estado e de instituições indigenistas da sociedade civil.

Kum’tum Akroá Gamella ressalta que a participação no Conselho é muito importante para os povos em retomada para a discussão de políticas públicas educacionais voltadas à educação escolar indígena. “Nós entendemos que, nesse conceito de povos indígenas, não cabe esse debate de integrados ou não integrados, urbanos e rurais, somos todos povos indígenas e temos direitos”, aponta.

“Somos todos povos indígenas e temos direitos”

Povos Akroá-Gamella, Krenyê, Krikati, Tremembé da Raposa e do Engenho, Krepym, Kariú Kariri, Gavião e Memortumré. Foto: Fábio Costa/Cimi MA

De acordo com Gilderlan Rodrigues, coordenador do Cimi – Regional Maranhão, a participação dos povos em retomada no Conselho é fundamental para o fortalecimento da luta por reconhecimento. “Essa é uma luta de resistência contra o colonialismo, contra o apagamento das suas identidades, contra o racismo que sofreram, e é importante estarem neste espaço, para que essa discussão seja feita tanto nas salas de aula das aldeias e nas escolas de não indígenas”, destaca.

“Essa é uma luta de resistência contra o colonialismo, contra o apagamento das suas identidades, contra o racismo que sofreram”

A participação dos povos em retomada no Conselho acontece após uma série de denúncias que destacavam a exclusão sofrida por esses povos, principalmente após a sanção da Lei Estadual Nº 11. 638, de 23 de dezembro de 2021, que instituiu o Estatuto Estadual dos Povos Indígenas e cria o Sistema Estadual de Proteção aos Indígenas.

“Temos direito à educação escolar diferenciada, no sentido de que em todo o processo educacional seja garantido o fazer e o saber ancestral dos nossos povos na perspectiva da continuidade. Essa continuidade se dá num diálogo constante com outros saberes e fazeres, sem pensar a educação como algo isolado”, define Kum’tum Akroá Gamella.

“A exclusão desses povos no primeiro momento era uma forma de racismo institucional, uma vez que a justificativa dada era de que esses povos não tinham território e, desse modo, desconsiderava todo o processo de vida e educação própria que acontece no meio de povos”, evidencia Gilderlan Rodrigues.

“Temos direito à educação escolar diferenciada, no sentido de que em todo o processo educacional seja garantido o fazer e o saber ancestral dos nossos povos”

Povo Akroá Gamella, durante festivais do Bilibeu e da Peteca de Milho. Foto: Fábio Costa/ Cimi-MA

Em relação ao ingresso dos conselheiros dos povos em retomada nessa instância colegiada, a Secretaria de Estado da Educação (Seduc-MA) entrará em contato com os povos para escolher os conselheiros. A próxima reunião ficou marcada para o dia 14 de setembro, momento em que os novos conselheiros, dos povos que devem ingressar, serão empossados.

“Estar nesse espaço institucional é garantir que aquilo que trazemos em nossa ancestralidade indígena seja garantido no fazer pedagógico da escola e, felizmente, o Conselho e Secretaria de Educação entenderam que havia algo de errado que deverá ser consertado. No entanto, esse conserto deve ser efetivado na lei”, finaliza Kum’tum Akroá Gamella.

 

Luta por reconhecimento

O processo de retomada é uma luta dos povos em contextos urbanos pela ocupação dos seus territórios de origem, mas, também, pela reafirmação das suas identidades e culturas que foram negadas e silenciadas pela ação do Estado e pela colonização. Em relação à ação do Estado, a negativa dos direitos e falta de reconhecimento da identidade desses povos, fomenta o racismo ambiental, que gera a exclusão sistemática das minorias étnicas na construção e aplicação das leis e políticas públicas.

No Maranhão, a Lei Nº 11.638, é exemplo de ações governamentais que excluem e geram, dessa maneira, desrespeito à autonomia dos povos. A referida lei, que institui o Estatuto Estadual dos Povos Indígenas e cria o Sistema Estadual de Proteção aos Indígenas, é uma imposição do Governo do Estado que coloca todos os povos em uma mesma categoria sem consultá-los. “Quando os nossos direitos não são respeitados, a violência chega primeiro e muitos de nós passam por situações de constrangimento”, afirma Rosa Tremembé.

“Quando os nossos direitos não são respeitados, a violência chega primeiro e muitos de nós passam por situações de constrangimento”

Povo Tremembé do Engenho protesta contra o marco temporal. Foto: povo Tremembé

De acordo com a Convenção Nº 169, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), é garantido aos povos indígenas a consulta prévia para a criação e a aprovação de leis. Porém, segundo a assessora jurídica do Cimi – Regional Maranhão, Lucimar Carvalho, isso não está acontecendo na prática no estado.

“Qualquer alteração legislativa deve ser feita com a participação dos povos indígenas”, explica, ressaltando que a lei acima citada, foi instituída sem a participação ampla dos povos indígenas. “Os povos que não têm territórios demarcados não foram contemplados no estatuto, ou seja, é como se eles não existissem”, complementa.

O não reconhecimento da categoria dos povos indígenas em processo de retomada, configura-se como racismo ambiental, uma vez que promove o silenciamento dos indígenas, ou seja, sem escuta atenta às suas reivindicações. Além do preconceito e estereótipos que os povos em retomada sofrem, também enfrentam a falta de acesso às políticas públicas diferenciadas que se adequam a sua categoria. “O governo tenta a todo custo nos desestruturar”, destaca Caw Crê Akroá Gamella

Um exemplo da rejeição sofrida pelos povos em retomada no Maranhão refere-se à prioridade na vacinação contra a Covid-19, que excluiu os povos sem território demarcado da garantia de imunização na etapa que contemplava a população indígena. Após muita luta, dos povos indígenas em retomada e entidades que apoiam a causa indígena, foram asseguradas as doses de vacina. “O fato de não estarmos em nosso território de origem não significa que não somos indígenas”, evidencia Rosa Tremembé.

“O fato de não estarmos em nosso território de origem não significa que não somos indígenas”

Povos do Maranhão. Foto: Teia dos Povos do Maranhão

Rosa Tremembé destaca que o racismo ambiental e silenciamento não ocorre apenas na esfera estadual, mas também no âmbito federal, como exemplo o veto do Presidente Jair Bolsonaro ao projeto de lei que modifica o Dia do Índio para o Dia dos Povos Indígenas, comemorado em 19 de abril. “Estamos em 2022 e ainda brigando para modificar uma coisa tão simples, mas que traz uma grande diferença na sua aceitação e liberdade de expressão para dizer o que somos”, acrescenta.

A liderança do Povo Tremembé da Raposa ressalta, também, que a tese do marco temporal é outro ataque à garantia dos direitos dos povos indígenas em retomada. “Isso traz para nós um grande obstáculo, porque muitos dos povos foram desterrados de seus lugares de origem, muitos tiveram que ir para as grandes cidades”, explica Rosa Tremembé.

Lucimar Carvalho acrescenta que vem sendo feita a denúncia sobre a exclusão desses povos em qualquer procedimento de mudança de legislação e decisões administrativas, mas que o governo segue agindo constantemente sem consulta prévia e definindo ações que desrespeitam a Convenção 169 da OIT. “Alguns são considerados e outros não, na composição dos conselhos e na participação na elaboração dos projetos de lei. Tratados como povos que não existem”, finaliza Lucimar Carvalho.

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