Formação Básica: parte integrante do processo de formação permanente do Cimi
Permeando os conteúdos, o equilíbrio entre sentir e pensar, o cuidado com as pessoas, não perder o encantamento, ter ousadia profética e esperançar são místicas missionárias militantes estimuladas na Formação Básica do Cimi
“A Mística Missionária Militante diz do nosso ser, nosso fazer e nosso sentir. É uma ligação, uma conexão com a nossa prática missionária no cotidiano das nossas aldeias, dos territórios com os povos com os quais nós atuamos. Precisamos delas para poder enfrentar essa realidade de tanta dureza. A Mística Missionária é o motor, é a água, é a força que nos move para continuar lutando, seguindo e acompanhando os povos”.
Com esse amparo, Rosimeire Diniz Santos, missionária do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) –Regional Maranhão e integrante do Coletivo de Formação do Cimi, mais conhecida como Meire, conduziu o último módulo do Curso de Formação Básica 1 do Cimi, realizado entre os dias 13 julho e 2 de agosto, que com a pandemia arrefecida voltou ao formato presencial e reuniu 32 missionários estagiários, sendo 25 cursando a 1ª etapa, e sete a 2ª fase.
O curso de formação básica do Cimi faz parte do processo de formação permanente que a entidade destaca em sua institucionalidade. O Cimi atua no apoio incondicional aos povos indígenas que, por sua vez, estão em constante processo de aprendizagem e atualização de conhecimentos para seguir resistindo aos ataques à sua existência.
“Portanto, a gente tem que acompanhá-los, tem que estar junto com eles, e eles [indígenas] muitas vezes nos solicitam essas informações, essa formação. Temos que estar devidamente informados, formados, capacitados para, junto com eles, buscar soluções para os desafios que se apresentam”, diz Antônio Eduardo Cerqueira de Oliveira, Secretário executivo do Cimi, destacando que essas etapas da formação básica fazem parte de um “processo permanente de formação, onde todos que são membros da instituição têm essa responsabilidade de estar constantemente em formação. Tanto quem já está há, não importa, quantos anos, como para quem está entrando”.
“Temos que estar devidamente informados, formados, capacitados para, junto com eles, buscar soluções para os desafios que se apresentam”
Para Irmã Cristina Souza, coordenadora do Coletivo de Formação do Cimi, os processos de formação são um cuidado especial que o Cimi tem com os missionários e lembra, com boas recordações, que os primeiros missionários faziam formação nas estradas a partir dos aprendizados com os indígenas.
“Olhando a história do Cimi, a gente percebe que desde o início tem um histórico do cuidado com a formação dos missionários. E essa formação se dava muito nas estradas. Na caminhada tinham os mochileiros, como eram conhecidos os primeiros missionários, que andavam. E nessas caminhadas havia as conversas, havia partilha, havia o conhecimento e assim eles iam também se formando com o que aprendiam com os indígenas nas aldeias”, recorda e enaltece que, ao longo desses anos, e “na caminhada dos 50 anos, a formação do Cimi foi organizada para dar segurança aos missionários e sempre cuidada com muito carinho e, como diz o nosso secretário atual, é a menina dos olhos de todo o trabalho do Cimi”.
“Olhando a história do Cimi, a gente percebe que desde o início tem um histórico do cuidado com a formação dos missionários”
Frei Klenner Antonio da Silva, do Cimi – Regional Mato Grosso do Sul, que atua com os povos Terena, Kinikinau e Guarani e Kaiowá e cursou a Formação Básica 1, concorda que o formato virtual foi importante, mas estar presencialmente com missionários de todos os regionais foi essencial.
“Foram momentos importantes os encontros virtuais, mas estar presencial é diferente, é essencial. O ser missionário no Cimi é perceber que a gente não é só o Mato Grosso do Sul, não é só a equipe de Campo Grande, mas nós somos uma equipe enorme. Vários missionários, com várias perspectivas, fazem dessa unidade uma força maior. Sentir os companheiros de perto me dá impulso para a missão, é saber e sentir que tem gente trabalhando com diversos povos, com diversas realidades, tudo isso acrescenta na nossa forma de ser missionário”, congratula.
Com esse depoimento, Frei Klenner mostra estar imbuído das perspectivas que Meire traz: a necessária e afetuosa Mística Missionária Militante do Cimi. “Se equilibrar com a perspectiva do sentir e do pensar, dar mais atenção para o coração, para o sentimento, para o cuidado com as pessoas e menos para essa razão que vem dominando e gerando destruição, se encantar cada vez mais com a missão, não perder o encantamento mesmo diante de tudo o que vem acontecendo, ter a ousadia profética de não se calar diante das injustiças e não perder a ternura e o esperançar”.
Teologia que liberta
“Da pastoral dedutiva à pastoral indutiva; do monopólio salvífico ao diálogo inter-religioso; a metamorfose do caçador de borboletas ao jardineiro ou da missão que salva almas para a missão que salva vidas; da adaptação e acomodação à inculturação; da missão de gentes à missão entre e com os povos indígenas e as vítimas”. Assim o assessor teológico Paulo Suess apresentou a Fundamentação Teológica do Cimi para os estagiários que visam ser missionários da instituição.
Como assessor teológico, Suess lança o desafio: fazer a “passagem de uma pastoral colonial para uma pastoral pós-colonial, libertadora e profética”, onde devem ser criadas “propostas corajosas” e propulsoras de “novos caminhos”, a partir da fé, como recomenda Papa Francisco.
“Através do tripé da mística missionária militante, a Assessoria Teológica procura tecer um pano de fundo de resistência na vida do corpo missionário do Cimi”
Uma teologia que procura “dar voz aos povos indígenas”, que tem “compromisso com a realidade” e que “está consciente de que a causa indígena nos confronta com uma conspiração sistêmica anti-indígena pela ideologia do crescimento, a patologia da aceleração e a idolatria do mercado”. Mas, que, “através do tripé da mística missionária militante, a Assessoria Teológica procura tecer um pano de fundo de resistência na vida do corpo missionário do Cimi”.
Caminhos do conhecimento
Os missionários do Cimi são caracterizados como estagiários antes de passar pelo Curso de Formação Básica. Considerado um momento de extrema importância para a compreensão e aceitação da proposta, objetivos, princípios e ação do Cimi, a formação básica é condição para se tornar um missionário da instituição.
No início, as formações “eram realizadas nas estradas pelos mochileiros com as partilhas das experiências vividas nas aldeias”, como explicou irmã Cristina, se referindo aos primeiros missionários do Cimi. Depois, passaram a ser feitas em formato de cursos, a princípio cada regional com seu grupo em uma 1ª etapa e, juntos, na 2ª etapa. Anos depois, os cursos passaram a ser realizados no Centro de Formação Vicente Cañas, em Luziânia (GO), também em duas etapas: Formação Básica 1, que acolhe novos missionários e os envia para estudos de observação e relatoria junto aos povos que atuaram enquanto estagiários, e Formação Básica 2, que compartilha as observações feitas no relatório de campo e aprofunda os debates sobre a ação missionária do Cimi.
A proposta foi de integração entre os missionários, além de concentrar a formação para as temáticas e assuntos necessários e fundamentais para a identidade missionária do Cimi, como explica a antropóloga Lúcia Helena Rangel, assessora antropológica do Cimi que ministra Antropologia nas duas turmas.
“É uma formação para que não contem apenas a história e as proposições dos Cimi. Mas uma formação que também implica em um momento de contato entre os missionários”
“É uma formação para que não contem apenas a história e as proposições dos Cimi. Mas uma formação que também implica em um momento de contato entre os missionários, que estão empenhados em permanecer no Cimi, em abraçar essa missão. Que não é qualquer uma, não. Mas, tem uma caraterística fundamental de formar missionários para a instituição, que está inserida no contexto das pastorais da CNBB [Conferência Nacional dos Bispos do Brasil], que têm propósitos [de defesa dos direitos indígenas] e o propósito maior é de estar com os povos indígenas na luta pelas conquistas daquilo que os povos indígenas mais valorizam. A terra e o território”.
Retornar o abraço
Nos dois últimos anos, 2020 e 2021, a formação básica precisou ser realizada de modo virtual. Assim como em todos os lugares do mundo, a pandemia retirou o convívio, o abraço, o cuidado físico, a troca direta. Mas não tirou o desejo e a força da luta, do sorriso e da fé. Para o coordenador do Cimi – Regional Mato Grosso, Gilberto Vieira dos Santos, mais conhecido como Giba, que ministrou a temática “Aspectos Políticos e Práticos da Atividade Missionária”, o mais importante no retorno presencial foi, justamente, retornar o abraço que renova o jeito de trocar, cuidar e conviver.
“Uma das dimensões do curso de formação básica é a convivência, a troca, é o estar. É a possibilidade das pessoas dos diferentes regionais conviverem, se conhecerem, trocarem experiências. Essa é a marca da nossa inserção no meio dos povos indígenas. E isso em meios virtuais é praticamente impossível. E esse retorno dá esse alento para a gente, mesmo com alguns cuidados, com as máscaras, mas a gente pode agora, de fato, propiciar esse espaço de convivência que marca a nossa missão, que é renovar o Cimi”.
“Uma das dimensões do curso de formação básica é a convivência, a troca, é o estar. É a possibilidade das pessoas dos diferentes regionais conviverem, se conhecerem, trocarem experiências”
Irmã Cristina concorda que existe uma diferença entre o formato virtual e o presencial que vai de encontro aos propósitos da formação do Cimi: “percebemos que isso [o virtual] não supre a formação do Básico, porque a formação virtual é muito fria, cada um está lá na sua janelinha olhando, participa, mas é uma formação só voltada para o conteúdo. E o presencial, além dele [conteúdo], há uma inter-relação entre as pessoas, entre os regionais. Há essa troca humana e mística que entendemos ser profunda, que marca a vida de todos os novos missionários”.
A cursista Maria Eugência Lloris Aguado, da Equipe Itinerante do Cimi e do Cimi – Regional Amazônia Ocidental transformou os aprendizados e a “troca humana e mística” que se refere irmã Cristina em poesia:
A alma é o ar, o sopro, princípio vital, sede de pensamento e espírito que anima um corpo vivo.
A minha alma inspira imagens, histórias, nomes. Inflada de realidades e luta que movimentam o coração e a ação.
Uma alma que se alimenta dos rios e das estradas, e se empoeira das culturas nas aldeias.
Respirar tudo isso sempre, cada dia, porque não se ama o que não se conhece e o que se conhece e se ama, se defende.
Nossos pés trouxeram nossas lamas – ou talvez o inverso – até aqui, para que o conhecimento alimente a luta.
E a luta esteja carregada de sabedoria que aprendemos nas estradas e com os povos, na cadeia da história que nos antecederam.
Por isso estamos aqui, no curso básico, para encorajarmo-nos e formarmo-nos e a luta permaneça.
Aqui estamos: a serviço para que todos os povos vivam!