Da tristeza à alegria: povo Krenyê realiza ritual do Pyr Pej de Pyp
O momento, que marca a ruptura da dor e o despertar da alegria, aconteceu entre os dias 27 e 31 de julho, na Aldeia Mangueira, na Terra Indígena Krenyê
Em fevereiro, a passagem de Pyp, Chico Krenyê – em Língua Portuguesa –, instaurou tristeza e dor na Terra Indígena (TI) Krenyê, no Maranhão. Foram cerca de cinco meses de luto vivenciados por todos aqueles que faziam parte da história de Pyp e que puderam desfrutar de sua sabedoria, coragem e resistência. No final de julho, após longo tempo enlutado, o povo Krenyê realizou o ritual Pyr Pej de Pyp – ou Tora Grande –, momento que celebra a finalização do período de luto.
O momento, que marca a ruptura da dor e o despertar da alegria, aconteceu entre os dias 27 e 31 de julho, na Aldeia Mangueira, na TI Krenyê, com a presença, também, de indígenas dos povos Akroá-Gamella, Tremembé de Engenho, Apaniekra-Canela, Gavião e Krikati, de quilombolas, de missionários e missionárias do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) – Regional Maranhão, de agentes da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e outros aliados da causa indígena no Maranhão, como o Reocupa e o Movimento Quilombola do Maranhão (Moquibom).
Raimundo Krenyê aponta que, dentre as principais motivações para a realização do ritual, está a demarcação do território que, hoje, é habitado pelo povo Krenyê. Raimundo acrescenta, ainda, que “de 1935 até 2019, os mais velhos não tinham o entendimento de estarmos fazendo a retomada da cultura do nosso povo e isso é de grande importância para os Krenyê, nessa luta de retomada dos nossos direitos”.
Durante os cinco dias de ritual, foram realizadas diversas atividades, como pinturas corporais, cantorias, fogueiras e corridas com a tora grande, além de outros momentos que fazem parte da cultura do povo Krenyê. A celebração do Pyr Pej de Pyp é uma importante conquista para esse povo, que até o ano de 2018, não possuía território demarcado e, consequentemente, não realizavam os rituais ancestrais de sua etnia.
“Estamos fazendo esse ritual como mais um passo da reconstruir o ser Krenyê, a partir desse ancestral, que é Pyp, que veio da Aldeia Mangueira, em Vitorino Freire, e agora está territorializado neste espaço, tecendo esse Bem-viver do povo Krenyê”, explica Meire Diniz, missionária do Cimi – Regional Maranhão.
“Estamos fazendo esse ritual como mais um passo da reconstruir o ser Krenyê, a partir desse ancestral”
No primeiro dia, a cobertura do barracão pelos presentes deu início às ações que ocorreram na celebração. Além dessa atividade, os participantes também foram em busca da tora grande que seria utilizada nas corridas de homens e mulheres.
“Estamos fazendo esse ritual para não perder a nossa cultura, a nossa tradição de vivência, não perder nossos direitos, para ajudar os nossos parentes”, destaca Olimpo Apanjekrá, cantor que conduziu o ritual.
“Estamos fazendo esse ritual para não perder a nossa cultura, a nossa tradição de vivência, os nossos direitos”
O dia da corrida masculina iniciou no nascer do dia, às 5h da manhã, com uma fogueira cantorias no pátio da aldeia, liderada pelos homens. Essa parte do ritual foi encabeçada por eles, pois, durante o ritual, há dias de atividades direcionadas tanto para o público feminino quanto para o masculino. Seguindo as ações, os homens realizaram pinturas no corpo e, também, os indígenas enlutados cortaram os cabelos, que estavam crescendo desde o falecimento de Pyp. Não cortar o cabelo é símbolo de luto, na cultura do povo Krenyê.
As pinturas corporais são instrumentos de identificação das equipes que disputam a corrida da Tora Grande. Na competição entre os homens, as pinturas definiram os times de baixo e de cima: sol e lua; dia e noite. As corridas de tora são vencidas com participantes que chegam primeiro ao pátio da aldeia. Na parte da noite, a atividade foi encerrada com o ritual do fogo, conduzido pelos homens.
“Esse é o segundo ritual que estamos fazendo. O primeiro foi realizado por ocasião da retomada do território. Para nós, é um encontro com a renovação do conhecimento sobre a nossa espiritualidade e sobre a nossa cultura. Colocando o saber que resiste do nosso povo em prática”, destaca Raimundo Krenyê.
“Para nós, é um encontro com a renovação do conhecimento sobre a nossa espiritualidade e sobre a nossa cultura”
O ritual contou também com atividades direcionadas às mulheres. No terceiro dia, elas fizeram pinturas em seus corpos, cantorias e, divididas em partidos, participaram da corrida com as toras. Durante o ritual, os participantes que não tinham ações voltadas ao seu público, auxiliavam em outras tarefas ou apoiavam os outros participantes nas atividades propostas para a celebração.
“Enquanto fazíamos esse processo, com a ajuda dos homens do nosso partido, que levavam água e cuidavam dessa trajetória, os outros cuidavam da cozinha, do preparo dos alimentos e da casa. E a nós, mulheres, era permitido usar o pátio e ter essa relação mais próxima com esse espaço de decisão e de ritualização”, relata Meire Diniz sobre a agenda das mulheres no ritual.
Em relação à realização da celebração da passagem de Pyp, Antônio Krenyê diz que “o ritual nos fez entender que o nosso povo não estava extinto, que não tinha acabado, nós passamos um período no anonimato, sem poder manifestar os nossos rituais. Como hoje estamos em nosso território, podemos fazer as nossas festas como fazíamos antigamente”.
Genecy Krepym Katejê relembra que o ritual trouxe muitas lembranças de vivências do seu povo e enfatiza a importância da realização dos rituais indígenas para manter viva a memória dos povos indígenas. “Com a ajuda dos parentes, podemos realizar o nosso ritual”, enfatiza.
Quem foi Pyp, Chico Krenyê?
Pyp, Chico Krenyê – em Língua Portuguesa –, com seus pés marcou a história de luta do povo Krenyê, no Maranhão. Em sua infância, Pyp, saiu com seus familiares da Aldeia Pedra do Salgado, no município de Vitorino Freire, a pé, em direção a sede do extinto Serviço de Proteção ao Índio (SPI), em São Luís (MA), em busca de seus direitos.
A saída de Pyp e seus familiares de sua terra, que sofriam com a invasão de fazendeiros e com a epidemia de sarampo, representou um caminho sem retorno ao território ancestral. Durante muitos anos, Pyp lutou pelos seus direitos, inclusive pelo direito à terra que era habitada originalmente pelo seu povo.
Em 2018, Pyp conseguiu ver o seu sonho realizado, com a demarcação do Território Krenyê, em Tuntum, Maranhão. “Dentro desse meio político que está aí, pensávamos que não conseguiríamos de volta o nosso território. Mas, com muita luta, juntamente com Pyp, que foi um guerreiro, conseguimos e, hoje, dentro do território, fazemos essa busca das nossas celebrações. O território nos fortalece”, destaca Antônio Krenyê.
“Pensávamos que não conseguiríamos de volta o nosso território. Mas, com muita luta, juntamente com Pyp, que foi um guerreiro, conseguimos”
“Chico Krenyê para nós foi uma liderança que nos apoiou e nos fortaleceu no processo de retomada do nosso território. Para nós, levar a tora do ritual foi fundamental”, ressalta Preta Akroá Gamella.