Território Etnoeducacional Alto Solimões e Vale do Javari (AM) recebe o Fórum de Educação Escolar e Saúde Indígena do Amazonas
Mais de 300 lideranças e professores indígenas do Alto Solimões e Vale do Javari se reuniram para avaliar e criar estratégias de enfrentamento aos retrocessos dos direitos à educação e saúde indígena
“O encontro com as lideranças indígenas do Território Etnoeducacional Alto Solimões e Vale do Javari só nos fortaleceu, só nos deu mais forças para perceber que estamos no caminho certo”. Essa foi a avaliação da professora indígena Alva Rosa Tukano, coordenadora do Fórum de Educação Escolar e Saúde Indígena do Amazonas (FOREEIA), sobre o Encontro de Educação Escolar e Saúde Indígena do Amazonas, realizado nos dias 28 e 29 de maio, em Tabatinga, Amazonas.
Retomando suas articulações presenciais, o FOREEIA programou os encontros para os nove territórios etnoeducacionais do estado e abrangerá os 64 povos indígenas que se distribuem nos 62 municípios do Amazonas. O tema “Educação e Saúde Indígena é Direito Conquistado e não se Negocia: a Luta Continua”, atribuído aos encontros, afirma o respeito à Constituição Federal que garante o direito às políticas públicas específicas conquistado pela organização e luta secular dos povos indígenas, e também incentiva que essa organização e essa luta precisam continuar.
Alva Rosa Tukano diz que os encontros possibilitam avaliar as políticas de educação e saúde no local onde se realizam e que, a partir dos problemas e demandas detectados, é possível planejar estratégias de enfrentamento aos desafios. “O objetivo dos encontros é avaliar as políticas públicas na educação e na saúde. Criar estratégias nessas áreas é fundamental para buscar soluções para as situações”, afirma e se emociona ao lembrar da participação integral das lideranças, que contaram suas histórias.
“Criar estratégias nessas áreas é fundamental para buscar soluções para as situações”
“Ouvir as vozes das lideranças indígenas do Alto Solimões e Vale do Javari deu a entender que nós precisamos lutar. As histórias de luta são muito importantes. Histórias que ouvimos de cada professor, cada liderança, cada jovem indígena que esteve presente nesse encontro, falando da importância de lutarmos juntos, foi de muita emoção. Porque precisamos estar ouvindo lá na ponta, lá na base, os anseios das organizações indígenas. E nós conhecemos as histórias de luta daqueles povos e nos fortalecemos”, assegura.
Com a certeza de que o FOREEIA está acertando o caminho, a coordenadora sustenta que são as organizações indígenas que têm força para enfrentar um governo de retrocessos: “a palavra de ordem desse encontro foi ‘para defesa dos direitos que estamos sofrendo pelo retrocesso da política assumida por esse governo, a união das organizações indígenas garantirá os direitos no âmbito da educação escolar e saúde indígena. Então, para nós, no Fórum de Educação Escolar Indígena, isso foi fundamental e mostrou que estamos no caminho certo”, reafirma.
“A palavra de ordem desse encontro foi ‘para defesa dos direitos que estamos sofrendo pelo retrocesso da política assumida por esse governo”
Para o presidente da Federação das Organizações e dos Caciques das Comunidades Indígenas Tikuna do Rio Solimões (FOCCIT), Sinésio Tikuna, o encontro do FOREEIA é como uma “consulta prévia” que contribui com a diretoria para compreender as realidades locais. “[Esse fórum] como consulta prévia, a gente faz a autoavaliação, a nossa situação verídica daqui da região e isso é muito importante para nós, porque é onde a gente apresenta o que a gente convive, as dificuldades, as necessidades, as demandas que a gente tem e precisa colocar”, esclarece, manifestando que sua maior satisfação como coordenador de uma organização indígena é a participação dos “parentes”.
“O que me deixa feliz, realmente, nessa situação de discutir essas ações, é que o FOREEIA vem trazendo junto ao movimento indígena, a participação da federação, dos caciques, dos povos. Então isso deixa a gente acreditar, na confiança de a gente realmente ir junto, avançar. A gente precisa mais realmente dessa união com os movimentos para debater a educação escolar indígena e a saúde indígena”, afirma e anuncia que vai levar os “aprendizados” para os encontros municipais e regionais que a Foccit vai realizar.
“O que a gente tem que fazer agora, é a nossa vez, como federação. A gente vai realizar encontros municipais, regionais, nossos aqui [do Alto Solimões] e apresentar e orientar as nossas lideranças educacionais na área da saúde, em cada município para que possam ter conhecimento, para que pratiquem e tenham participação dentro do município”.
Enaltecendo os conhecimentos e a luta dos ancestrais, o gestor da Escola Municipal Indígena, da comunidade Mariaçu I, em Tabatinga, André Pereira Tikuna, diz que a conquista do direito à educação escolar indígena é o resultado da luta dos antepassados. “É graças a Deus e aos lutadores anciãos anteriores que realmente nós estamos relembrando os conhecimentos dos nossos antepassados. O que temos hoje é conquista deles”.
“É graças a Deus e aos lutadores anciãos anteriores que realmente nós estamos relembrando os conhecimentos dos nossos antepassa”
Partilhando dessa opinião, Elglides Fidélis Bento Tikuna, gestor da Escola Municipal Indígena João Cruz, da comunidade Mariaçu II, em Tabatinga, diz que é preciso continuar avançando na luta e nas conquistas dos antepassados por mais educação.
“O desafio sobre a educação escolar indígena que nós ainda precisamos avançar é alcançar até a universidade, para abrir os nossos olhos, os nossos pensamentos, os nossos conhecimentos. Os antepassados já foram e deixaram suas conquistas, mas eu sou fruto deles, agora eu estou caminhando para avançar e buscar mais para que as nossas futuras gerações também avancem na sua educação”, afirmou Elglides.
Problemas e desafios não faltam
Os participantes do encontro detectaram vários problemas na educação e na saúde indígena nos municípios da região do Alto Solimões. Significa que o Estado brasileiro, que tem o dever de assegurar os direitos da população, e em especial os direitos específicos da população indígena, não cumpre sua missão.
O cacique Rokison Cruz Tikuna, da comunidade Umariaçú II, fala sobre as dificuldades que enfrentam pela ausência do estado e que, além de não cumprir com as políticas de saúde e educação na região, o poder público retira o que já foi conquistado. “Hoje, no mundo atual, estamos sem educação e saúde indígena. E o pior é estarmos perdendo o que nós já conquistamos, o que nossos pais e avós conquistaram para a gente”, afirma, fazendo uma relação das necessidades.
“O pior é estarmos perdendo o que nós já conquistamos, o que nossos pais e avós conquistaram para a gente”
“Na educação, nas nossas escolas, estão faltando servidores, merendeiros, vigia, apoio pedagógico, valorização dos professores, equipamentos e a estrutura das escolas está precária. Está faltando espaço para os jovens, eles são o presente e o futuro, então precisam que a escola valorize isso. E na parte da saúde, a gente enfrenta também muitos desafios. Faltam remédios e profissionais. Enfermeiros e médicos vêm com pouca frequência. É isso que a gente enfrenta na comunidade”.
Mais de 30 anos de história
Organizado desde 2014, o Fórum de Educação Escolar e Saúde Indígena do Amazonas é formado por 180 professores e lideranças indígenas, representando mais de três mil professores indígenas do Amazonas. Decorrente da mobilização e luta dos professores indígenas do Estado, à época com uma caminhada de 25 anos, o coletivo era “conhecido na história por COPIAR – Comissão de Professores Indígenas do Amazonas e Roraima –, que desencadeou no Brasil, em 1989, a luta por uma educação escolar indígena específica, diferenciada, bilíngue e de qualidade, com importantes avanços e conquistas alcançadas”.
De acordo com o histórico do FOREEIA, ele foi criado pelos “180 professores indígenas participantes do Seminário 25 Anos da COPIAR, realizado em Manaus entre os dias 28 e 30 de abril de 2014, que entenderam que o movimento, apesar de ter alcançado muitos avanços e conquistas, como os direitos na lei e nas normas, a ampliação da oferta em todos os níveis de ensino, ocupação de espaços nos sistemas de ensino e na gestão e docência nas escolas, continuavam com sérios problemas estruturais e educativos”.
Em 2015, o coletivo que estava voltado para a educação avaliou que a área da saúde também precisava de formação e incidências, pois “via que o controle social indígena local não tinha representatividade com o movimento indígena”, explica Francisco Uruma Kambeba, agente de Saúde da comunidade indígena Tururukari-uka, em Manacapuru, e representante da pasta saúde no FOREEIA.
“Na época, a gente conseguiu fazer formações na área acadêmica de Agente Indígena de Saúde e, a partir daí se iniciou uma caminhada de trabalhos na perspectiva do controle social da política de saúde dentro do FOREEIA. E, mais, além de agentes de Saúde, abrangemos as parteiras e técnicos de enfermagem e mesmo médicos, para a compreensão do controle social”, explica o AIS.
Na perspectiva de enfrentar os desafios e resolver os problemas, o FOREEIA tem como objetivos “reunir periodicamente professores indígenas das diferentes regiões do estado para fomentar debates, discutir e elaborar propostas de políticas públicas que visem garantir os direitos dos povos indígenas a uma educação diferenciada, específica e de qualidade, e trocar experiências, sugerir estratégias e assegurar reflexões sobre a educação escolar aos grandes desafios atuais”.
Assim, se configura como “um grande pacto de professores e lideranças, formando uma grande rede ou teia que se articula, que se mobiliza e desenvolve ações estratégicas, a partir de ideias, princípios, prioridades temáticas e metas”.
É o que está no horizonte do FOREEIA para os próximos encontros nos demais Territórios Etnoeducacionais do estado, planejados para o segundo semestre do ano, com o lançamento de um documento final que reunirá todas as demandas da educação e saúde indígena do Amazonas.
“No segundo semestre, juntaremos todos os documentos finais dos encontros de cada território para traçarmos a nossa estratégia de luta em defesa, implementação e garantia dos direitos conquistados no âmbito da educação escolar e saúde indígena do Amazonas”, explica Alva Rosa, anunciando os territórios que receberão o FOREEIA.
“A programação dos próximos passos vai depender muito da nossa articulação junto às organizações locais para definirmos as datas para os Territórios Etnoeducacionais Alto Madeira e Purus, Médio Solimões, Baixo e Médio Madeira e Baixo Amazonas. Só depois vamos ter um encontro geral desses territórios, aqui em Manaus”, conclui.