Tecedores do Bem-Viver: em encontro, povos e comunidades tradicionais articulam resistência
Desde 2011, a Teia do Maranhão luta constantemente pelo direito, pela soberania alimentar, pela cultura, pela ancestralidade, pela singularidade e pela união que enfrentam a opressão do agronegócio em solo maranhense
Tecer a resistência é um dos ideais dos Povos e Comunidades Tradicionais do Maranhão, que se articulam como forma de luta aos entraves gerados pelo capitalismo que ameaçam a vida e, de forma avassaladora, destroem o corpo-território. Desse modo, a Teia dos Povos e Comunidades Tradicionais vem, desde 2011, travando uma luta constante pelo direito, pela soberania alimentar, pela cultura, pela ancestralidade, pela singularidade e pela união que enfrenta a opressão do agronegócio em solo maranhense.
“Quando a gente pensa em união dos povos, pensamos nos povos que são iguais, que levam o mesmo nome ali na frente, mas quando a gente amplia a ideia de união para povos iguais nas lutas, isso se torna mais forte, a resistência contra a opressão, que vem quase sempre do governo, do sistema capitalista, de fazendeiros, de descendentes, ainda do Império, que continuam oprimindo indígenas, pescadores, ribeirinhos e quilombolas”, destaca Amõkanewy Kariú Kariri.
A Teia dos Povos e Comunidades Tradicionais do Maranhão tem sua história marcada pela luta por autonomia territorial e contra os processos hegemônicos. Foi em 2010, com o assassinato do líder quilombola Flaviano Neto, que a articulação ganhou força na busca pela justiça e pela garantia de seus direitos e modos de viver.
“Para nós, estar na Teia é algo que nos energiza, que nos dá força. Então, esse é um dos motivos, uma causa importante de a gente estar junto com outros povos indígenas do Maranhão e várias tantas comunidades que passam por situações que precisam desse ajuntamento para poder enfrentar essa conjuntura política”, evidencia Rosa Tremembé.
“Para nós, estar na Teia é algo que nos energiza, que nos dá força”
Rosenilde Gregório, do Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (Miqcb), relata a importância da Teia para que as quebradeiras de coco possam exercer a sua atividade. “A gente tem se somado a outras quebradeiras que não estão articuladas ao movimento.Com a Teia, a gente consegue se articular junto a essas quebradeiras de coco, levar a nossa experiência, pegar as lutas delas e temos ajudado essas mulheres a acessar o coco e à vivência dos beneficiamentos”, aponta.
Já Lucineide Diniz, do Movimento Quilombola do Maranhão (Moquibom), reforça que a Teia é um encontro de saberes, estratégias e uma maneira de unir forças para enfrentar tudo que vem acontecendo em relação às ameaças ao território, à cultura, à ancestralidade e ao Bem-Viver dos povos e das comunidades tradicionais que vivem no Maranhão.
“A Teia tem muita importância também para a população quilombola, que se organiza em seus territórios, proporcionando espiritualidade, ancestralidade, união e resistência na conquista de direitos, como exemplo concreto o apoio à conquista da Terra Indígena do povo Krênye, apoio à defesa da Comunidade Quilombola Tanque da Rodagem e apoio ao Povo Indígena Akroá Gamella”, define Raimundo Moreira, do Moquibom, em relação à importância da união entre os povos.
“A Teia tem muita importância também para a população quilombola, que se organiza em seus territórios, proporcionando espiritualidade, ancestralidade, união e resistência na conquista de direitos”
Com o avanço dos megaprojetos de monocultura, em especial o cultivo de soja em terras maranhenses, há também a necessidade de intensificar estratégias de resistências dos povos e comunidades tradicionais para lutar pela garantia de seus direitos, com posicionamentos que reafirmam o direito ao território a partir de seus modos de vida.
“A gente vem sentindo a dor um do outro, porque vemos que nosso país está sendo massacrado, nossas terras estão sendo invadidas, a terra está morrendo, as águas estão acabando. O agronegócio está devastando tudo”, destaca Marcone Martins, da Comunidade Forquilha, em Benedito Leite (MA).
“A gente vem sentindo a dor um do outro, porque vemos que nosso país está sendo massacrado, nossas terras estão sendo invadidas”
I Encontro Nacional das Teias
Tecendo linhas que constroem a aliança popular dos Povos e Comunidades Tradicionais do Maranhão, entre os dias 5 e 9 de maio, a Teia maranhense participou, juntamente com delegações das Teias da Bahia, de São Paulo, de Pernambuco, do Ceará e do Rio Grande do Sul, do I Encontro Nacional da Teia dos Povos. O evento aconteceu no Assentamento Terra Vista, localizado no município de Arataca (BA).
“Nos juntar com outros povos, não só da Bahia, mas de outros estados, nos fortalece, porque a gente também começa, com isso, a ouvir do outro como está essa situação de ameaças, de conflitos, que vêm de fora e que faz a gente penar, a gente sofrer”, destaca Rosa Tremembé.
Acolhidos pela Teia baiana, durante os quatros dias de atividade, os povos e comunidades tradicionais puderam debater diversos temas inerentes à situação vivenciados por todos nos seus territórios. “Esse encontro das Teias, que o assentamento Terra vista recebeu, foi de certa forma um encontro de gente que está se permitindo caminhar nesse outro caminho, que a gente não sabe se é o certo, mas que a gente consegue visualizar como positivo”, afirma Carla Pereira, agente da Comissão Pastoral da Terra (CPT).
Vivenciando rituais e a ancestralidade dos povos originários e quilombolas e, com partilhas da luta, da resistência e da força em seus territórios, os participantes puderam realizar, durante esses dias de encontro, intercâmbios de conhecimento e experiências. “Essa participação é espiritualidade, é ligação, é conhecimento, é fortalecimento, é um sentimento de compreender e unificar as forças”, relata Raniere Conceição, agente da CPT.
Comixirã Krepym Katejê descreve como foi a vivência no encontro com outros parentes e comunidades tradicionais de todo o Brasil. “A gente foi trocar experiências com outros parentes, conhecer as teias de outros estados, adquirir mais conhecimento e unir forças para defender nossos direitos. Em primeiro lugar, está a juventude, que tem que estar forte na luta junto com os anciões, pegando as ideias deles, nos orientando em relação ao que fazer, com que temos que começar. Foi uma grande experiência”, define.
“A gente foi trocar experiências com outros parentes, conhecer as teias de outros estados, adquirir mais conhecimento e unir forças”
Na oportunidade, participaram, do Maranhão, indígenas dos povos Akroá Gamella, Kariú-Kariri, Gavião, Krikati, Ka’apor, Krepym Katejê e Tremembé do Engenho e da Raposa. Segundo Meire Diniz, missionária do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) – Regional Maranhão, “esse encontro foi uma iniciativa para articular as lutas dos povos e comunidades tradicionais que lutam pelo território livre, pelo tecimento do Bem-Viver, como oportunidade de manter os seus modos de vida, de manter as suas relações com a natureza e de construir um mundo cada vez melhor”.
Breno Muniz, do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Questões Agrárias (Nera/UFMA) destaca que o encontro mostrou variadas frentes que resistem à opressão dentro do território brasileiro. “Mesmo com suas diversidades e particularidades, o Encontrão Nacional mostrou que existem também outras frentes que resistem e lutam e que também podem ser tecidas pela Teia. Quando falo de frente de resistência, quero dizer que são as resistências travadas contra a hegemonia do estado”, acrescenta.
“Por fim, esse encontro nacional, só fortalece ainda mais a Teia, trazendo força, troca de saberes tradicionais, espiritualidades dos povos, resistência e união”, finaliza Vanessa Macedo, do Movimento Pescadores e Pescadoras Artesanais (MPP).
Na ocasião, foram realizadas trocas de sementes entre os participantes que irão compor o banco de sementes das comunidades e, ao final, os tecedores construíram uma carta reforçando a articulação entre os povos.
Confira a carta na íntegra:
Carta da TEIA dos Povos do Brasil
Do dia 05 ao dia 09 de maio de 2022 aconteceu o I Encontro Nacional das Teias, sob o tema “Tecendo Alianças para Fortalecer Nossas Lutas pelo Bem Viver dos Povos”. Trazendo consigo suas ancestralidades, encantarias, memórias de luta, saberes tradicionais e anseios de partilha, fizeram-se presentes articuladoras e articuladores de diversas regiões do Brasil em mais um passo na construção da grande aliança preta, indígena e popular tendo como princípios a luta por terra, território e bem viver.
A Teia da Bahia acolheu, durante esses quatro dias, no Assentamento Terra Vista, na cidade de Arataca, no sul da estado, quebradeiras de coco, povos originários, quilombolas, pescadores artesanais, assentados e assentadas, angoleiros e angoleiras, sertanejos e sertanejas, camponeses e camponesas, povo de terreiro e aliadas e aliados, que vieram das Teias dos estados do Maranhão, Ceará, Pernambuco, São Paulo, Rondônia, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. Nestes dias de Encontro, fortalecemos a relação entre as Teias através dos cantos sagrados, dos tambores, do rezo, da presença dos encantados, das lutas tradicionais, da alimentação saudável, das trocas afetivas e das discussões de horizontes.
Nos últimos anos, o capitalismo com seus diversos atores (agronegócio, mineração, garimpos, narcotráfico, fundamentalismo religioso, Estado) avançaram sobre os territórios tradicionais e as periferias das cidades. Isso, somado à pandemia, provocou um acirramento da violência, com muitas mortes dos nossos. Neste contexto, as Teias sentem a importância de constituir uma articulação rebelde entre os povos pela proteção dos territórios, retomadas, autodemarcação, autodefesa e enfrentamento a todos inimigos que saqueiam há séculos o direito de vivermos de forma digna.
Para isso, a luta por terra e território e a construção da soberania alimentar é diversa e fundamental. Este processo não será pautado pelas leis de quem nos oprime, mas sim pela ancestralidade, que nos nutre e nos ensina que a luta não é de hoje e não terminará amanhã. É este o fundamento que permite sabermos de onde viemos e para onde caminharemos, conectados com nossas comunidades, como mostrou no Encontro os ensinamentos da filosofia do povo Bacongo. É a ancestralidade que permite firmarmos entre nós os acordos – que vêm do coração – em busca da aliança fincada em princípios inegociáveis. É esta mesma ancestralidade que nos dá força para enfrentar a guerra em defesa das nossas nascentes, nossos rios, nossas florestas, nossas crianças, nossa juventude, nossos mais velhos, nossas sementes, nossa espiritualidade, nosso direito de ser e de existir.
Retornaremos aos nossos territórios como sementes e brotando espiritualidade regada pelas práticas tradicionais e agroecológicas para nos enraizarmos em nosso lugar de bem viver. Convocamos todos os povos de Pindorama para estarmos juntos e traçar os fios desta grande teia.
Sempre lembrando que o que nos une é maior do que aquilo que nos separa!
Diga ao povo que avance!
I Encontro Nacional da Teia dos Povos
08 de maio de 2022
Assentamento Terra Vista – Arataca/Bahia